terça-feira, 3 de setembro de 2013

O baixo investimento e o massacre da indústria nacional de bens de capital

Ter ou não um setor interno, um setor nacional, que produza máquinas e equipamentos não é qualquer questão – é a diferença entre ter um crescimento "sustentável" ou não O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ), Luiz Aubert Neto, condensou, em declaração reproduzida pela revista Móbile, a essência da política industrial do sr. Mantega: "Estamos rifando nosso parque fabril". Outro diretor da ABIMAQ, Carlos Pastoriza, completa que "enquanto o Brasil não deixar de ser refém de medidas na política econômica que privilegiam o sistema financeiro – como a manutenção de taxas de juros elevadas em relação ao resto do mundo e de um câmbio valorizado – a indústria nacional continuará a ter dificuldades para se tornar competitiva. Continuará a ser mais viável para o setor produtivo interno importar bens de capital a buscar máquinas e equipamentos fabricados aqui". Os bens de capital – máquinas e equipamentos – eram chamados, há alguns anos, "bens de investimento", pois as compras desses bens pelas empresas são a maior parte do que se chama "investimento", expresso pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). No Brasil, tomando-se o período 1995-2012, em média 65% da FBCF é composta por gastos com máquinas e equipamentos (cf. Deee/Abimaq, "Brasil 1995-2013 - Indústria de bens de capital mecânicos - Investimentos industriais realizados e previstos", Pesquisa Intenção de Investimentos 2013. NOTA DO HP: no cálculo do IBGE para o período 1995-2011 – ainda não há um número para 2012 – o resultado é mais baixo: 48%). Portanto, ter ou não um setor interno, um setor nacional, que produza máquinas e equipamentos não é qualquer questão – é a diferença entre ter um crescimento "sustentável" ou não. Até hoje não houve país do mundo que se desenvolvesse plenamente pela importação desses bens, exatamente porque é neles que se condensam o aumento da produtividade e a inovação técnica. Por falar nisso, depois da publicação do PIB, na sexta-feira, o ministro da Fazenda trombeteou, à maneira dos marketeiros, o aumento de 3,6% no investimento (FBCF) na comparação entre o segundo e o primeiro trimestre do ano. Segundo ele, "significa que a indústria brasileira está se modernizando, comprando novos equipamentos e máquinas e que, portanto, vai aumentar a sua produtividade". O ministro omitiu que +3,6% nessa comparação trimestral é o mesmo que dizer que o investimento avançou apenas 0,2% nos últimos 12 meses – e que esse sensacional avanço redundou numa pífia taxa de investimento de 18,6% do PIB, a mesma de cinco anos atrás, quando era considerada um problema. Ele poderia trombetear, também, o aumento de 9% na comparação entre o 2º trimestre de 2013 e o mesmo trimestre em 2012 ou o aumento de 6% na comparação entre o primeiro semestre de 2013 com o mesmo semestre de 2012 – e nem por isso o resultado real seria diferente. O primeiro-ministro favorito da rainha Vitória, Benjamin Disraeli, teria dito que há no mundo "três tipos de mentiras: mentiras, mentiras desgraçadas e estatísticas". Disraeli estava errado quanto às estatísticas. Pelo fato de mentirosos as manipularem, nem por isso se pode concluir que elas são mentiras – contanto que se saiba o que elas significam. Então, vejamos outro trecho das declarações dos diretores da ABIMAQ: "Pastoriza demonstra preocupação não só com o setor de bens de capital mecânicos, mas com o processo de desindustrialização do País de um modo geral. Um indicativo desse processo, ilustra o diretor, é a diminuição no consumo aparente de bens de capital mecânicos. No primeiro semestre deste ano, o consumo foi de R$ 58,3 bilhões, ou 1,5% abaixo (se descontada a variação cambial) em comparação com o mesmo período de 2012. ‘Os dados mostram uma deterioração do consumo aparente [de máquinas e equipamentos], ou seja, uma deterioração dos investimentos da indústria brasileira como um todo’" [NOTA H.P.: consumo aparente = produção interna – exportações + importações]. Os empresários ressaltam que as fábricas de máquinas e equipamentos industriais, nos sete primeiros meses do ano, em média utilizaram apenas 73% de sua capacidade produtiva instalada – ou seja, funcionaram com uma capacidade ociosa de 27%. Para que o leitor tenha uma ideia da situação, aqui estão as médias anuais de utilização da capacidade produtiva da indústria brasileira de bens de capital mecânicos (cf. ABIMAQ, "Indicadores Conjunturais, julho 2013"): 2010: 82,3%; 2011: 80,8%; 2012: 74,5%; 2013: 73% (janeiro-julho). Dito de outra forma: em 2013, a capacidade ociosa das fábricas de bens de capital aumentou +52,54% (ou seja, foi de 17,7% para 27%) em relação a 2010, último ano do governo Lula. Diz o presidente da ABIMAQ: "achávamos que 2012 foi ruim, mas 2013 caminha para ser ainda pior que no ano passado". Aubert enfatiza que o principal problema continua sendo a taxa de câmbio – essa que faz o Banco Central fazer leilões diários para que não suba, quando, na realidade, diz a ABIMAQ, o dólar a R$ 2,40 continua subsidiando importações e encarecendo artificialmente a produção nacional: "com o câmbio entre R$ 2,60 e R$ 2,70, competiríamos com Estados Unidos e Alemanha", constata o presidente da entidade. Os Estados Unidos são a origem da maior parte (25% em valor) das importações de bens de capital no Brasil. A Alemanha é, historicamente, o segundo lugar – embora, em 2012, pela primeira vez, as importações vindas da China superaram em valor às de máquinas e equipamentos germânicos. CÂMBIO No setor de bens de capital, a distorção da taxa de câmbio, provocada pelos juros altos, tem beneficiado, sobretudo, as importações vindas dos EUA. O resultado dessa política de privilégio aos produtos norte-americanos – e, como subproduto, também às mercadorias alemãs, chinesas e italianas (a importação de bens de capital fabricados em outros países é sensivelmente menor) – se traduz na participação no mercado interno ("market share"). Temos a seguinte divisão, no mercado dentro do Brasil, em 2013: 1) Importações: 82%; - produtos acabados = 66%; - montagem de componentes importados = 16%; 2) Produção nacional: 18%. Observemos que, cotejados aos dados do "Anuário ABIMAQ 2011-2012" (página 35), estes números representam uma redução do espaço da produção nacional no mercado interno de -30,23% em relação ao ano anterior, ou seja, num único ano. Naturalmente, 2013 ainda não terminou – portanto, esse resultado não é definitivo. Mas essa comparação é um forte indicador do que está acontecendo. No entanto, a comparação, na atual edição dos "Indicadores Conjunturais" da ABIMAQ, é realizada com o ano de 2007. Nesse ano, as importações ocupavam 63% do mercado interno (produtos acabados = 52%; montagem com importados = 11%). Quanto à produção nacional, em 2007, atendia a 37% do mercado. Portanto, a produção estrangeira avançou sua ocupação do mercado interno em 19 pontos percentuais ou +30% (de 63% para 82%) entre 2007 e 2013, com a mesma ressalva da comparação anterior. O problema já havia sido tratado em documentos anteriores da ABIMAQ. Por exemplo: "A atual valorização do Real tem reduzido a competitividade na produção nacional. Afirmações como a de que a taxa de câmbio valorizada reduz os custos das empresas por baratear insumos importados; ou as que sugerem a possibilidade de modernização do parque industrial brasileiro a partir da redução de valor dos equipamentos trazidos do exterior, não passam de lendas urbanas que precisam ser desmistificadas. Apenas um exemplo: uma valorização de 40% do real implica em, pelo menos, redução da ordem de 25% no preço dos produtos nacionais para acompanhar os preços dos importados e assim garantir a fatia de mercado. Ainda que os insumos passem a ser importados com preço inferior em mais de 30%, e os investimentos em máquinas e equipamentos sejam menores, a valorização do real nesse nível implica em perda de mais de 5 pontos percentuais na rentabilidade da indústria fabricante de produtos tradables [comercializáveis internacionalmente] e, portanto, em perda da capacidade de investimento" (Anuário ABIMAQ 2009-2010, p. 22, grifos nossos). Por aqui podemos ver o que valem as conversas de alguns setores da mídia e do governo sobre uma suposta "falta de competitividade" intrínseca da indústria nacional: geralmente são os mesmos elementos que pregam ou mantêm os juros altos e o câmbio distorcido para subsidiar as importações contra a produção interna. [Aliás, já que estamos no assunto, podemos também ver, num estudo da ABIMAQ citado no mesmo anuário, o que vale outra lenda, não propriamente urbana - o notório "custo Brasil": "Em resumo, mais de dois terços do custo Brasil são resultado direto e indireto de juros elevados e de câmbio fortemente apreciado" (Anuário ABIMAQ 2009-2010, p. 19, grifo nosso).] NÓS E NÁUSEAS Porém, em entrevista publicada no último dia 23, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, declarou que "não podemos basear toda nossa política de competitividade na taxa de câmbio". E, a partir desta premissa intimista (quem postulou o contrário?), defendeu "uma taxa de câmbio um pouco inferior à atual, entre R$ 2,20 e R$ 2,35" - ou seja, uma taxa de câmbio que continue subsidiando as importações e destruindo a produção nacional. E continuou: "não podemos pensar apenas na taxa nominal [de câmbio]. Temos que pensar no Plano Real e na inflação" (v. Valor Econômico, 23/08/2013). Não precisamos fazer comentários sobre a racionalidade de destruir o país para, supostamente, combater a inflação, porque, para nossa sorte, quando o Plano Real estava no início de sua devastação do país, em 1996 (portanto, há 17 anos), um economista com o mesmo nome do sr. Luciano Coutinho, que se apresentava como professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e ex-secretário geral do Ministério da Ciência e Tecnologia no governo Sarney, escreveu um interessante artigo sobre o assunto, publicado por um jornal paulista - que quase o enterra, numa remota página de um secundário caderno. Depois de caracterizar o Plano Real como uma "forte sobrevalorização da taxa de câmbio, com juros muito elevados, num contexto de franca abertura comercial", dizia o xará do atual presidente do BNDES: "Esta combinação de políticas provocou uma verdadeira avalanche de importações em 1994-1995. Estas saltaram de US$ 25,4 bilhões para US$ 49,7 bilhões - quase 100% em dois anos. Frente a isto a abertura comercial dos governos Collor e Itamar Franco parece brincadeira de criança. "... essa maré de importações causou crescente desindustrialização e vem inviabilizando até mesmo empresas competitivas do ponto de vista técnico e gerencial. "A desindustrialização avança a passos largos em três frentes: 1) redução do valor agregado no país em todas as cadeias industriais complexas, onde parte crescente da produção dos componentes, peças e matérias-primas é substituída por importados. "Na indústria automobilística o ‘índice de nacionalização’ dos produtos cai velozmente (já estaria em 85% a caminho de 60%). No setor eletroeletrônico, o peso dos insumos importados subiu para mais de 50%. "2) Perda de produção doméstica de bens finais pela ocupação do mercado por produtos importados. Com efeito, parcela crescente da oferta de têxteis, vestuário, calçados, eletrodomésticos leves, alimentos industrializados, máquinas e equipamentos vem sendo suprida via importações. "3) Finalmente, em muitos casos a produção no Brasil foi simplesmente suprimida, ainda que a escala do nosso mercado permita produção eficiente. É o caso de várias especialidades na área química e petroquímica, componentes e bens de capital. "A desindustrialização só não atingiu os nossos setores competitivos de grande escala - cerca de 1/3 da indústria - baseados em recursos naturais e energia abundante (papel e celulose, siderurgia, processamento mineral, alumínio). Mas, neste caso, a rentabilidade das exportações vem sendo onerada pelo câmbio valorizado, dificultando a capacidade de as empresas sofisticarem sua linha de produtos, agregando mais valor no país. "A compressão das margens de lucro provocada pela avalanche importadora, câmbio valorizado e juros estratosféricos deixou muitas vítimas. Desestruturou empresas competentes e está levando a uma desnacionalização sem precedentes em vários segmentos (eletrodomésticos, autopeças etc.). "Com um nó no peito vi a Metal Leve ser alienada e - com náusea - ouvi muitas racionalizações conformistas do tipo ‘foi um imperativo da globalização’. Está na hora de mudar os rumos do plano de estabilização - ou será que queremos retroceder ao estágio de produtor primário, dependente, subalterno?" (cf. Luciano Coutinho, "Desindustrialização escancarada", FSP, 07/07/1996). Uma pena que o sr. Luciano Coutinho deixou de sentir esses nós no peito e essas náuseas diante das racionalizações conformistas! Uma pena que - agora que as importações estão em mais de US$ 220 bilhões ao ano, o "índice de nacionalização" da indústria automobilística é zero ou tendente a zero, e a indústria nacional de componentes eletrônicos foi inteiramente destruída - o sr. Coutinho, apesar do cargo-chave que passou a ocupar, aconselhe os empresários a se conformarem com um câmbio supervalorizado, isto é, com a destruição de suas empresas e a ocupação do seu mercado por importações, e logo em nome do Plano Real! Mas, disse ele na entrevista, os empresários nacionais, que perderam espaço na indústria, podem "sonhar e ambicionar recuperar esses espaços com o real depreciado". Bem, pelo menos sonhar eles podem... SÉRIES Apesar da situação, as reivindicações dos empresários nacionais que fabricam bens de capital são muito modestas. Antes de expô-las, no entanto, apenas uma observação: 87% das empresas associadas à ABIMAQ são nacionais e 13% são estrangeiras. É verdade que estas têm maior faturamento que aquelas, mas um trabalho da CEPAL mostra como a participação das máquinas nacionais foi crescente, na Formação Bruta de Capital Fixo, até a década de 90, quando sua parcela decresce debaixo da agressão pró-estrangeira, desencadeada por Collor e Fernando Henrique: 1970-75: 71,8%; 1976-80: 84,5%; 1981-85: 89,0%; 1986-90: 89,2%; 1991-94: 75,2%; 1995-98: 63,0%; 1999: 54,0%. [cf. Roberto Vermulm, "A indústria de bens de capital seriados", CEPAL, dez. 2003. NOTA HP: "bens de capital seriados" são aqueles que não são produzidos sob encomenda, portanto, são produzidos em série, daí o nome "seriados".] À queda na participação das máquinas nacionais no conjunto das máquinas compradas pelas empresas, corresponde uma queda – uma mudança de patamar - na própria taxa de investimento da economia. Eis as médias da taxa de investimento (FBCF/PIB): 1970-75: 20,77%; 1976-80: 22,59%; 1981-85: 20,83%; 1986-90: 23,01%; 1991-94: 19,14%; 1995-98: 19,84%; 1999: 18,90%. Para conhecimento do leitor, acrescentamos alguns dados sobre a produção interna de bens de capital em preços constantes (dólares de 2002), portanto, sem a distorção causada pela inflação): 1980: US$ 24,13 bilhões; 1990: US$ 17,78 bilhões; 1995: US$ 15,17 bilhões; 2000: US$ 12,21 bilhões; 2002: US$ 10,86 bilhões. Em suma, a produção interna de bens de capital, em valor real, no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso (2002), era 55% menor que aquela de 22 anos antes. Nos mesmos anos, vejamos o coeficiente de importação (a parte do consumo – ou "consumo aparente" - que é atendida por importações) dos bens de capital: 1980: 14,36%; 1990: 18,50%; 1995: 39,86%; 2000: 44,71%; 2002: 46,33%. Ou seja, a parcela ocupada pelas importações mais do que triplicou de tamanho – aumentou 222,63% em 2002, comparado a 1980. Esses dados ilustram o ataque à produção de bens de investimento a partir de 1990. Sobre o governo atual, além do que já foi dito, acrescentaremos duas pequenas séries de dados. A primeira, a variação da produção (física) de bens de capital nos dois primeiros anos do governo Dilma, comparados ao último ano do governo Lula: 2010: +20,9%; 2011: +3,2%; 2012: -11,8%. Mais comentários sobre esta queda vertiginosa, parecem desnecessários. Resta acrescentar, apenas, que isso foi devido exclusivamente à mudança na política econômica, o que pode ser constatado pelo que vem logo a seguir. A segunda série são os recursos desembolsados especificamente para a indústria de transformação (não para a indústria em geral) pelo BNDES. Como é óbvio, o setor de bens de capital tem como compradores as outras indústrias – e todas têm no BNDES a principal fonte de financiamento dos investimentos (ou seja, para gastos com máquinas e equipamentos). Vejamos o total dos financiamentos do BNDES para a indústria de transformação: 2010: R$ 77,255 bilhões; 2011: R$ 40,270 bilhões; 2012: R$ 45,861 bilhões. [Ambas as séries estão nas páginas 19 e 20 do "Relatório Anual 2012 do Banco Central".] Os recursos para financiar investimentos especificamente da indústria de transformação, caíram, em relação ao último ano do governo Lula, -47,87% no primeiro ano do governo Dilma e -40,64% no segundo ano do governo Dilma. DEFESA Por fim, leitor, as reivindicações dos empresários do setor de bens de capital. As essenciais estão no campo da defesa comercial: 1) Adotar licenciamento não automático na importação de bens de capital mecânicos; 2) Utilizar preço de referência na análise da concessão da licença de importação; 3) Rever as alíquotas de importação, reduzindo as alíquotas dos insumos básicos e aumentando as dos produtos manufaturados, com maior valor agregado; 4) Maior controle do índice de conteúdo local na produção nacional para efeito de financiamento com recursos públicos. As condições de financiamento com recursos públicos e/ou eventuais incentivos fiscais serão mais favoráveis na medida em que houver aumento do conteúdo local; 5) Restringir as importações de bens de capital mecânicos usados através do restabelecimento do laudo técnico do bem importado e vedando a utilização do ex-tarifário [redução de imposto] para este fim. Convenhamos, é pouco para um empresário – ou qualquer cidadão – pedir ao governo do seu país.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

O nome Bantu ::

não se refere a uma unidade racial. A sua formação e migração originou uma enorme variedade de cruzamentos. Existem aproximadamente 500 povos Bantu. Assim, não podemos falar de uma raça Bantu, mas sim de povo Bantu, isto significa uma comunidade cultural com uma civilização comum e linguagens similares. Depois de muitos séculos de movimentações, cruzamentos, guerras e doenças, os grupos Bantu mantiveram as raízes da sua origem comum. A palavra Bantu aplica-se a uma civilização que manteve a sua unidade e foi desenvolvida por pessoas de raça negra. O radical ntu, vulgar para a maioria das línguas Bantu, significa homem, ser humano e ba é o plural. Assim, Bantu significa homens, seres humanos. Os dialectos Bantu, e existem centenas, têm uma tal semelhança que só pode ser justificada por uma origem comum. Os povos Bantu, além do semelhante nível linguístico, mantiveram uma base de crenças, rituais e costumes muito similares; uma cultura com características idênticas e específicas que os tornam semelhantes e agrupados.

VAMOS CONHECER A NAÇÃO ANGOLA ????

LEIA !!!!!! ..Uma das caracteristicas do povo de Angola importantes são a lingua o kimbundo é o kicongo que emprestam muitas palvras ao portugues. As referências dos Jinkisi/Akixi e algumas referências aos Orixás yorubá mais conhecidos, entendamos estas semelhanças como caminhos, e não como individualidades. No Brasil os cultos que prevalecem nos candomblés Angola, Congo (com algumas variações de casa para casa ou de família para família de culto). Pambu Njila - Nkosi - Katendê - Mutakalambô - Nsumbu - Kindembu - Nzazi - Hongolo - Matamba - Ndanda Lunda - Nkaia - Nzumbá - Nkasuté Lembá - Lembarenganga Os mais velhos trouxeram cantigas, rezas, tudo em Kimbundo e Kikongo (algumas também em Umbundo e outros dialetos). Muita coisa se perdeu até mesmo por haver a associação com as tradições Jeje nagô, que foi em ultima instância prejudicial para as tradições bantu. Não que estas sejam mais certas ou mais erradas, mas que cada tradição deve ser mantida e respeitada, pois faz parte da história da própria humanidade, de como nos organizamos, como desenvolvemos outros falares, de como nos organizamos como sociedade, etc. e ao que parece, tínhamos um culto primitivo comum que com as distâncias das eras e também geográficas foi se modificando e incorporando novos elementos. Acima de tudo está Nzambi Mpungu (um dos seus títulos) Deus criador de todas as coisas. Alguns povos bantu chamam Deus de Sukula outros de Kalunga e outros nomes ainda associam-se a estes.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

As razões da Coreia Popular frente à agressão dos EUA & seus satélites

O texto desta página é uma condensação de um editorial da Agência Central de Notícias da República Popular Democrática da Coreia, mais conhecida no Brasil pela sua sigla em inglês (KCNA). Nas últimas semanas, a mídia, aqui em nosso país, tornou-se uma repetidora dos boletins do Departamento de Estado dos EUA, ou, talvez, da CIA. A histeria dos habituais capachos é tanta que tornou-se, como se dizia, de um ridículo atroz. Pretender que a Coreia Popular está ameaçando os EUA com seu arsenal nuclear é tão absurdo que somente alguns problemas psiquiátricos - provavelmente ligados ao que Freud chamou de "complexo de castração" e seu equivalente feminino, a "inveja do pênis" - podem explicar que certos sujeitos e algumas damas sem ocupação mais importante apareçam na televisão repetindo esse besteirol. Como disse o nosso embaixador em Pyongyang, Roberto Colin, se há algo seguro, é que "nem o líder da Coreia do Norte, Kim Jong Un, e nem os demais membros da liderança" da RPDC são "irracionais, ilógicos e muito menos suicidas. Tanto o governo dele quanto o do pai dele, falecido no final de 2011, mostram que não são irracionais e imprevisíveis. Eles são muito lógicos e racionais dentro da visão do mundo que eles têm". A publicação do texto da KCNA tem o objetivo de que os leitores conheçam a posição da Coreia Popular, pois os supostos paladinos da democracia dos EUA – e seus fâmulos no Brasil – procuram, a qualquer custo, impedir que esta posição seja conhecida. Neste sentido, a fábula de La Fontaine talvez fosse justa para o século XVII. Hoje em dia, a primeira providência do lobo não é mais argumentar com o cordeiro... C.L. KCNA Durante seis décadas, os EUA desrespeitaram o Acordo de Armistício com a República Popular Democrática da Coreia (RPDC) para manter sua política hostil. Os "exercícios militares conjuntos" entre os EUA e as forças títeres sul-coreanas, denominados Key Resolve e Foal Eagle, são, na verdade, simulações de guerra nuclear, onde inclusive transportadores como o B-52, capazes de carregarem armas nucleares, são mobilizados. Tais atos são violações explícitas do Acordo de Armistício e de todos os acordos entre o Norte e o Sul da Coreia. [NOTA HP: sob o nome "Key Resolve" – e, antes, sob os nomes "Team Spirit" e "RSOI" (iniciais de "Reception, Staging, Onward Movement, Integration") - o Comando do Pacífico das forças armadas dos EUA promove, desde 1976, uma invasão extra anual do sul da Coreia, com o deslocamento de tropas e engenhos militares estacionados em outros países, para ameaçar a RPDC. O nome "Foal Eagle" é referente à outra série de ensaios de agressão contra o norte da Coreia, também promovidos anualmente pelos EUA no sul da Península, e considerados os maiores exercícios militares anuais do mundo. Tanto a Key Resolve quanto a Foal Eagle, e também a UFG ("Ulchi-Freedom Guardian" – exercícios anuais de guerra computadorizada) são completamente ilegais diante do Armistício assinado em 1953 pelos EUA, RPDC, China e Coreia do Sul, sob os auspícios da ONU.] O estado de enorme tensão e emergência que prevalece na península coreana, obrigou a RPDC a tomar medidas para garantir a soberania nacional e a estabilidade regional. A decisão de anular o Acordo de Armistício foi uma contra-medida de autodefesa, feita pela RPDC. Afinal, o Acordo de Armistício já estava, na prática, invalidado pelas manobras dos EUA e pelo comportamento hipócrita do Conselho de Segurança da ONU, que sempre apoiou as movimentações dos EUA nas últimas seis décadas. Portanto, é totalmente ilógico que as forças hostis contra a RPDC, incluindo os EUA, levem a cabo campanhas públicas de críticas contra a suposta "violação" da RPDC quanto à sua contra-medida de autodefesa, dizendo que "o Acordo de Armistício não pode ser dissolvido unilateralmente, dado que ele foi assinado através de um acordo mútuo". Na verdade, o Acordo de Armistício não requer um consenso bilateral, e pode ser tornado inválido, e totalmente anulado, caso um lado não concorde com o mesmo. PARÁGRAFO 60 Quando o Acordo de Armistício foi concluído, a 27 de julho de 1953, após cerca de 500 dias de conversações em clima de tensão, as atenções e as expectativas do povo coreano e dos povos amantes da paz estavam focadas em seu parágrafo 60. A implementação do parágrafo 60 era uma questão chave para realizar a reunificação do país e contribuir para a paz na Ásia e no mundo, dado que o parágrafo 60 dizia que todas as tropas estrangeiras deveriam ser retiradas da Coreia, removendo assim a causa e raiz da guerra - e resolvendo a questão coreana pacificamente. Apesar disso, os EUA assinaram o "Tratado de Defesa Mútua" com o sul da Coreia em 8 de Agosto de 1953, "tratado" este que "legalizava" toda a presença norte-americana na Coreia do Sul. Na prática, tal "tratado" anulava o parágrafo 60, que conclamava pela remoção de todas as forças armadas estrangeiras. O parágrafo 13 do Armistício bania a introdução de planos operacionais, veículos armados, armas e munições na península coreana, por meio de outros países. Os EUA sabotaram unilateralmente o parágrafo 13 do Acordo de Armistício em 21 de junho de 1957, introduzindo sistematicamente enormes e modernos artifícios bélicos no sul da Coreia, assim como mais de mil armas nucleares de diferentes tipos. Como resultado dessa manobra monstruosa, o sul da Coreia se transformou no maior arsenal nuclear do Extremo Oriente. Os EUA violaram e repeliram todos os parágrafos do Acordo de Armistício que causavam empecilhos à preparação de uma nova guerra na Coreia, e destruíram todos os mecanismos para a implementação do Acordo de Armistício. As sérias violações por parte dos EUA contra o Acordo de Armistício tornaram defuntas as sentenças relacionadas à Comissão Militar de Armistício (pontos 19 a 35 do parágrafo 2), assim como as sentenças relacionadas à Comissão Supervisória de Nações Neutras (pontos 36 a 50 do mesmo parágrafo). Os EUA fizeram provocações militares constantes contra a RPDC, sem quaisquer restrições legais e institucionais para impedirem suas manobras, e sempre fazendo o uso da força. Os casos de violação do Acordo de Armistício por parte dos EUA ultrapassam a casa das centenas de milhares, de acordo com vários encontros feitos pela Comissão Militar do Armistício. Contudo, o Acordo de Armistício foi capaz de existir, até agora, pelo menos em termos formais, graças à paciência da RPDC. PROPOSTAS A RPDC fez várias propostas para finalizar o armistício com a garantia de paz duradoura na Península Coreana. Entre as várias propostas feitas, a conclusão do tratado de paz entre a RPDC e os EUA (nos anos 1970); levar a cabo as conversações das três partes, incluindo a Coreia do Sul nas conversações RPDC-EUA (nos anos 1980); criar um novo mecanismo que garantisse a paz (nos anos 1990); acabar com o estado de guerra (nas conversações das seis partes envolvidas com o Acordo de Armistício, em 2007); e retomar as conversações para substituir o Acordo de Armistício pelo Tratado de Paz (feita durante o aniversário de 60 anos do início da Guerra da Coreia, em 2010). Os EUA, contudo, ignoraram ou recusaram todas essas propostas. Jamais concordaram com o Acordo de Armistício - só o violaram. Sempre quiseram a guerra, jamais a paz. Era absolutamente inaceitável que a RPDC, à luz de seus interesses supremos como um Estado soberano, ficasse à mercê de um documento jogado no lixo como um par de sapatos velhos pela outra parte. A RPDC foi constrangida a tomar a contra-medida de anular o Acordo de Armistício para defender a segurança do país, as conquistas da Revolução e para assegurar a soberania da nação coreana em face da ameaça de agressão militar por parte dos EUA. A decisão de anular o Acordo de Armistício foi uma opção justa do Exército e do Povo da RPDC para por um fim aos atos hostis, através de ações armadas gerais, dos EUA. CESSAR-FOGO A política dos EUA para com a RPDC tem como objetivo derrubar seu sistema, para assim eliminar a Coreia socialista da Terra. O Acordo de Armistício era a alavanca principal através da qual os EUA executavam sua política hostil. Os EUA abusavam do Acordo de Armistício levando a cabo sua estratégia anti-RPDC de manter constantes os confrontos e o estado de guerra na península coreana, tentando dessa maneira estrangular a RPDC pela força das armas. É provável que o mundo não saiba cada detalhe do quão grande foi a dor que o povo coreano sofreu por conta do estado de guerra imposto pelos EUA por mais de meio século. O cessar-fogo na Península Coreana tornou-se, na verdade, a continuação de uma guerra de maneira encoberta, sem que ela fosse declarada. Os EUA tentaram sabotar todos os grandes esforços da RPDC para construir o socialismo e melhorar o padrão de vida do povo por mais de meio século. Agravaram as tensões de maneira incessante na península coreana, para bloquear o avanço da RPDC, que atualmente se encontra na linha de frente da luta pela independência e contra o imperialismo. [N. HP: O texto se refere à seguinte situação: derrotados na Guerra da Coreia (1950-1953), iniciada após sua agressão ao norte, os EUA foram obrigados a assinar o armistício, isto é, o cessar-fogo. No entanto, há 60 anos recusam-se a dar por terminada a guerra. Apesar de várias tentativas por parte da RPDC, mantiveram o estado de guerra, com suas tropas e ogivas nucleares no sul da Península, e usaram o cessar-fogo para, todas as vezes em que o norte da Coreia apenas se defendeu de seus ataques, acusá-lo de transgressão ao armistício.] Essa situação levou a RPDC a destinar enormes recursos humanos e materiais para desenvolver suas forças armadas, ao invés de direcionar tais recursos para o desenvolvimento econômico e para a melhoria da vida das massas. Tudo isso fez com que o povo coreano tivesse que apertar seus cintos. A quantidade de danos humanos e materiais causados contra a RPDC, até o ano de 2005, totalizou pelo menos 64,9 trilhões de dólares. Incontáveis danos políticos, morais e culturais foram causados pelos EUA contra o povo coreano, através de suas persistentes manobras de guerra e ameaças de agressão, em todas as etapas da construção socialista da RPDC, sem exceção. O estado de cessar-fogo tornou-se uma "razão legal" para o prolongamento da instabilidade na Península Coreana. Frequentes conflitos militares em Panmunjom e nas águas do Mar Oeste, incluindo o incidente da Ilha de Yonphyong, assim como outros incidentes que chocaram o mundo, não aconteceram por força do acaso, mas por estarem diretamente relacionados ao mecanismo do cessar-fogo. Os EUA fizeram com que a Coreia do Sul preservasse a ilegal "linha de limite ao Norte", abusando das limitações que o Acordo de Armistício possuía. Consequentemente, não passou sequer um dia sem que as cinco ilhas do Mar Oeste da Coreia permanecessem em paz. Tais áreas foram o epicentro dos conflitos, que mostravam claramente o perigo do Acordo de Armistício, e mostravam a possibilidade real de estourar uma nova Guerra da Coreia. Tornou-se claro, através de fatos incontestáveis, que o Acordo de Armistício não poderia prevenir uma nova guerra na Península Coreana. A soberania da Coreia, certamente, não deve ser deixada para que outros a defendam. Se a RPDC se deixasse curvar ante o Acordo de Armistício, e permanecesse passiva ante os atos hostis dos EUA contra a RPDC, que se tornaram intoleráveis em todos os aspectos, o povo coreano sofreria de novo todos os obstáculos, sofrimentos e tragédias que sofreu por mais de meio século. AGRESSÃO Nenhuma grande potência imperialista esteve até agora feliz de ver a Coreia se tornar um só e próspero país. Nos últimos dias, os EUA e seus aliados levaram a cabo suas manobras para impor sanções e pressões de guerra contra a RPDC, por conta de seu lançamento de satélite e do teste nuclear subterrâneo. Tais atos estiveram em coerência com a política hegemonista das forças que estavam insatisfeitas com os esforços da RPDC de construir uma próspera potência reunificada. A conclusão a que a RPDC chegou, após ser exposta ao perigo de guerra por várias décadas, é de que é impossível construir uma nação, uma vida estável e feliz, assim como a prosperidade nacional, enquanto o Acordo de Armistício se mantivesse intacto. O indignação do povo coreano contra os EUA está no seu ápice, e a paciência da RPDC já passou dos limites. É por isso que a RPDC tomou a importante decisão de acabar com a causa e a raiz que atenta contra sua soberania nacional, contra a dignidade, a paz e a prosperidade, e expressou sua vontade de tomar decisivas ações de defesa contra a agressão. Agora que os militaróides sul-coreanos, em conluio com os EUA, fazem manobras para estalar uma guerra nuclear contra o Norte, em violação ao Acordo de Armistício, a RPDC declara anulados todos os acordos de não-agressão feitos entre o norte e o sul, entre aqueles do não uso da força armada contra o outro lado, a prevenção de conflitos militares acidentais, a resolução pacífica de disputas, e a questão da não agressão nas fronteiras norte-sul. São passos coerentes com a anulação do Acordo de Armistício. A RPDC está totalmente preparada para tomar duras ações de defesa que possam forçar o eixo anti-RPDC a testemunhar seu miserável fim, até a rendição completa do mesmo. LEI DA SELVA A aliança pela guerra entre o Acordo de Armistício e as forças hostis, que seguiu existindo por décadas são os últimos resquícios da Guerra Fria no mundo, desde o fim do confronto entre Ocidente e Oriente. Desde o cessar-fogo da Guerra da Coreia, os Estados Unidos obstruíram a reunificação da Coreia, colocando a região sob seu controle e agudizando as contradições e o confronto entre norte e sul, totalmente em contradição com o Armistício, que definia uma solução pacífica para a questão coreana. Desde o fim da Guerra Fria, também, os EUA expandiram e fortaleceram suas alianças militares, sob o pretexto de que o estado de guerra seguia existindo sob o Acordo de Armistício. Desenvolveram as alianças militares EUA-Coreia do Sul e EUA-Japão numa aliança militar triangular, desenvolveram também alianças militares que englobavam Austrália e outros países. Atualmente, os Estados Unidos também defendem um aprofundamento da "resolução sobre sanções" por parte do Conselho de Segurança da ONU, tendo em vista trazer ainda mais países satélites para a nova Guerra da Coreia, do que na última guerra dos anos 1950. As manobras anti-RPDC dos EUA e seus aliados seguem aumentando, como evidenciam as sanções e pressões feitas pela ONU, ao qualificar o lançamento de satélite da RPDC, um direito legítimo enquanto Estado soberano, como uma "provocação". Esta situação revela de maneira saliente que os princípios elementares da igualdade e imparcialidade são letra morta - e o que permanece de fato é a lei da selva. Tal situação de desequilíbrio não pode ser removida enquanto siga existindo o Acordo de Armistício. Existe um limite para a capacidade das grandes potências de seguirem criando tensões e instabilidades na Península Coreana. Não existe em lugar algum do mundo um campo de batalha como a Península Coreana, onde enormes forças estratégicas nucleares estão sendo implantadas em massa, e onde ações militares, incluindo manobras conjuntas de guerra, aconteçam quase todos os dias. PAZ Uma nova Guerra da Coreia significará uma guerra regional e uma guerra mundial, que envolverá os maiores Estados da região Ásia-Pacífico. A paz mundial é, dessa maneira, impensável sem a paz na Península Coreana. A existência de um frágil Acordo de Armistício não servirá em nada para garantir a paz na Península e no resto do mundo, mas sim para criar um ciclo vicioso de más relações entre os países da região, e frear o desenvolvimento das mesmas. A constante fonte de guerra existente na região Ásia-Pacífico, o maior centro de atividades políticas, econômicas e militares a nível mundial, não é a tendência do desenvolvimento dos tempos presentes, e não é benéfica para ninguém. A anulação do Acordo de Armistício mostra mais uma vez a vontade de ferro da RPDC, que tem como tarefa básica defender a soberania para assegurar a paz na Península, e que fez todos os esforços possíveis para concretizar tal tarefa. A opção da RPDC tornou-se clara, agora que as manobras das forças hostis para atentar contra a soberania e a dignidade da Coreia chegaram a uma etapa perigosa. Já se foram os dias em que as simples advertências verbais serviam para alguma coisa.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Joaquim Cardozo, o poeta que calculou as curvas de Brasília

Nos dias de hoje, Joaquim Cardozo é mais lembrado pelos engenheiros e arquitetos (trabalhou com Oscar Niemeyer desde 1941 até o fim de sua vida, em 1978) do que pelos literatos – talvez em sua terra, Pernambuco, ou no Nordeste, seja diferente. Mas assim é no Sudeste e Sul do país – e quase certamente nas outras regiões. No entanto, Carlos Drummond de Andrade considerou este grande engenheiro e matemático, um dos grandes poetas brasileiros. Disse Drummond, que prefaciou a obra de Cardozo: "Se me perguntassem: o que distingue o grande poeta? Eu responderia: Ser capaz de fazer um poema inesquecível. O poema que adere à nossa vida de sentimento e de reflexão, tornando-se coisa nossa pelo uso. Para mim, Joaquim Cardozo, entre os muitos títulos de criador, se destaca por haver escrito o longo e sustentado poema A Nuvem Carolina que é uma das minhas companheiras silenciosas da vida." Realmente, A Nuvem Carolina bem merece o elogio de Drummond: "No alpendre da casa de um antigo sítio/ Onde morei por longo tempo – longos trabalhos –/ Todas as manhãs eu vinha ver o dia/ Que sobre as cajazeiras, longe, amanhecia./ Ao lado, ao alto permaneciam... entre-havia/ Dois morros de matas virgens coroados./ Na abertura desses montes, sempre aparecia,/ Na mesma posição, na mesma hora matutina,/ Uma nuvem cor-de-cinza e leve bruma,/ Com fímbrias e vestígios cor-de-ouro;/ – Uma nuvem ficava entre os dois capões do mato/ Por alguns quantos de tempos,/ Por alguns modos de sombras temporais." Jornais não são o melhor veículo para reproduzir poemas, por isso, ficamos por aqui, no início do poema que Drummond tanto gostava. Talvez seja mais fácil, para exemplificar a grandeza do poeta, reproduzir outra de suas obras, a "Canção Elegíaca": "Quando os teus olhos fecharem Para o esplendor deste mundo, Num chão de cinza e fadigas Hei de ficar de joelhos; Quando os teus olhos fecharem Hão de murchar as espigas, Hão de cegar os espelhos. "Quando os teus olhos fecharem E as tuas mãos repousarem No peito frio e deserto, Hão de morrer as cantigas; Irá ficar desde e sempre Entre ilusões inimigas, Meu coração descoberto. "Ondas do mar - traiçoeiras - A mim virão, de tão mansas, Lamber os dedos da mão; Serenas e comovidas As águas regressarão Ao seio das cordilheiras; Quando os teus olhos fecharem Hão de sofrer ternamente Todas as coisas vencidas, Profundas e prisioneiras; Hão de cansar as distâncias, Hão de fugir as bandeiras. "Sopro da vida sem margens, Fase de impulsos extremos, O teu hálito irá indo, Longe e além reproduzindo Como um vento que passasse Em paisagens que não vemos; Nas paisagens dos pintores Comovendo os girassóis Perturbando os crisântemos. "O teu ventre será terra Erma, dormente e tranquila De savana e de paul; Tua nudez será fonte, Cingida de aurora verde, A cantar saudade pura De abril, de sonho, de azul, Fechados no anoitecer." O poeta, que morreu aos 81 anos, jamais casou, apesar da poesia amorosa e mesmo erótica que criou – ou, talvez, até por causa. Por exemplo, em "Poema do amor sem exagero": "Eu não te quero aqui por muitos anos/ Nem por muitos meses ou semanas,/ Nem mesmo desejo que passes no meu leito/ As horas extensas de uma noite./ Para que tanto Corpo!/ Mas ficaria contente se me desses/ Por instantes apenas e bastantes/ A nudez longínqua e de pérola/ Do teu corpo de nuvem." Completamente diferente, e, no entanto, tão parecido (!?), é o belo "Poema dedicado a Maria Luíza": "Eu te quero a ti e somente,/ Eu que compreendia a beleza das prostitutas e dos portos,/ Que sofri a violência da solidão no meio das multidões das grandes ruas,/ Que vi paisagens do céu erguidas sobre a noite do mais alto e puro mar,/ Que errei por muito tempo nos jardins deliciosos dos amores incertos e obscuros.// Eu te quero a ti sempre e somente./ Eu te quero a ti pura e tranqüila/ Preciosa entre todas as mulheres/ Que como rosas, como lírios, sobre mim se debruçaram,/ Entre aquelas que de mim se aperceberam/ Ao doce esmaecer das tardes luminosas./ Eu te quero a ti pura e tranqüila./ Nos espelhos da memória refletida/ Pelas horas do meu tempo transpareces/ E o Sol do meu deserto te ilumina/ E a noite do meu sono te adormece./ Eu te pressinto no silêncio das verdades que ignoro,/ No silêncio e no delírio dos desejos impossíveis:/ através de um céu sem nuvens, do céu que é um prisma azul/ Eu te revelarei a cor da tempestade/ E a refração serena do meu mais íntimo segredo...// Em horizontes de ouro e de basalto/ Indicarei o teu caminho/ Entre flores de luar.../ Farei uma lenda sobre teus cabelos...". TEATRO Em 1963, Joaquim Cardozo publicou "O Coronel de Macambira: bumba-meu-boi em dois quadros". Não foi sua única peça teatral. Cardozo também escreveu "O capataz de Salema", "Marechal boi de carro", e, naturalmente, "Antônio Conselheiro" ("Canudos terminou – Todos os seus defensores/ Morreram; resta apenas no campo de batalha/ Um braço erguido, com a sua mão aberta:/ O braço erguido de uma criança;/ Um braço erguido como uma bandeira/ De uma infância, de uma dor, de uma pátria"). Porém, "O Coronel de Macambira" é, sem dúvida, sua melhor peça. Não é um auto, como "Morte e Vida Severina", de outro grande poeta pernambucano, João Cabral de Melo Neto, mas um "bumba", posteriormente musicado por Sérgio Ricardo. Nesta peça, além da tragédia dos retirantes e do coronelismo, há uma mescla de humor, em nossa opinião, um aspecto ainda pouco estudado na obra de Joaquim Cardozo. Por exemplo: "Vem na frente o produtor Logo após o economista Mais atrás com seu tambor O sagaz propagandista "Dizem que são justiceiros Produtores de abundância Na verdade são coveiros No cemitério da infância "De tamanhos produtores Bem se conhece o produto Terras secas, gado morto Gente faminta, de luto." Sujeito imparcial, Joaquim Cardozo, um dos grandes nomes da engenharia nacional, assim se refere a alguns colegas de pouco tino social: "Cuidado com o engenheiro Que vem as terras medir Ele é mais que feiticeiro Para encantar e iludir "Seu instrumento: uma aranha Tecendo vai os seus fios E sempre alguém se emaranha Nos seus desenhos vazios "Seu instrumento é roleta De muitos mede a má sorte Com traços de linhas retas Separa a vida da morte " Esse humor, outra vez, aparece no canto do jagunço e sua ambivalência em relação ao Estado natal, revolucionado, na época, pelo primeiro governo Arraes, depois interrompido, após o golpe de Estado de 1964: "Sou filho de Pernambuco Lá das bandas de Carpina Da cana gosto do suco Que tem nome Monjopira Eduquei-me no trabuco Matar gente é minha sina "Nasci também nesta terra Que o sol castiga e descora - terra de Joaquim Nabuco - Homem de bem, homem certo Que era muito diferente Desses "nabucos" de agora "Há muito que por aqui Um sanguesinho não há Mas pelo jeito parece Que as coisas vão melhorar Pois seu coronel Nonô Acaba de me chamar "Há de ser briga valente Com muito sangue de gente Vai correr sangue de boi E ninguém há de sobrar Pra contar como é que foi." Mas, é na figura do retirante que a peça se realiza – e, aí, o humor cede à tragédia. Diz o retirante, em um dos momentos mais altos da poesia brasileira: "Sou uma sombra sem corpo, Sou um rosto sem pessoa, Um vento sem ar soprando, Sem som, um canto, uma loa. "Nem as palavras definem O meu tão grande vazio, Todo o gesto que me exprime Todo o meu gesto é baldio. "Todo o ardor que em mim renasce Se extingue com um assovio... Em mim não há claridades Sou, apagado, um pavio. O tecido que me veste Não tem trama, nem cadeia. Meus passos são muito leves Não deixam marca na areia. Meu andar é curto e breve Mas contém a vastidão Como é leve o que me pesa Meu ausente matolão. "Perto vou, mas vou por longe Vou junto, mas vou sozinho Em sombra: burel de monge Caminho meu descaminho." OLÍMPICO Joaquim Cardozo era um homem sensível ao seu povo – ele próprio nasceu bastante pobre. Essa identificação, como vimos, transparece um sua poesia. Mas não apenas nos momentos de opressão; também nas vitórias. Seu poema em homenagem a Ademar Ferreira da Silva, o campeão olímpico do salto triplo, é daqueles em que sua condição de matemático mais transparece através da poesia: "Havia um arco projetado no solo/ Para ser recomposto em três curvas aéreas,/ Havia um voo abandonado no chão/ À espera das asas de um pássaro;// Havia três pontos incertos na pista/ Que seriam contatos de pés instantâneos./ Três jatos de fonte, contudo, ainda secos,/ Três impulsos plantados querendo nascer.// Era tudo assim expectativo e plano/ Tudo além somente perspectivo e inerte;/ Quando Ademar Ferreira, com perfeição olímpica,/ Executou, em relevo, o mais alto,/ - Em notas de arpejo/ - Em ritmo iâmbico/ O tripartido salto". Mas, o outro lado de nascer em país ainda não liberto para o desenvolvimento, aparece, às vezes, diretamente: "Sou um homem marcado.../ Em país ocupado/ Pelo estrangeiro./(...)/ Em outros tempos e antigos/ Plantei alfaces, vendi craveiros,/ Fui hortelão, fui jardineiro;/ E a escura terra.../ Terra/ Dos meus canteiros,/ Sempre arqueava o dorso/ Ao gesto amigo/ De minha mão.// Hoje provo, na boca, um desgosto,/ Hoje tenho, no sangue, um sinal/ Que não foi e não é das algemas/ Da prisão da Vida,/ Nem do jugo da Terra,/ Nem do pecado original./ Muito bem sei, senhores,/ Que sou um sonho cravado na morte,/ Que sou um homem ferido no olhar.../ E que trago, bem viva, entre as nódoas do mundo,/ A mancha do meu país natal.// Sou um homem manchado de sombra/ No sonho, no sangue, no olhar,/ Sou um homem marcado.../ Em país ocupado/ Pelo estrangeiro.// Mas esta marca temerária/ Entre a cinza das estrelas/ Há de um dia se apagar!". Nesta página, pretendemos apenas lembrar um grande poeta – por isso, quase não falamos no que todo mundo sabe: por exemplo, que ele foi o calculista de Brasília, que sem ele as colunas do Alvorada não existiriam, segundo testemunho de Oscar Niemeyer. Entretanto, existe algo correlato na poesia de Joaquim Cardozo: a contradição entre o velho e o novo é um tema que permeia a sua literatura. Por exemplo: "Há muitos anos que os caminhos se arrastavam/ Subindo para as montanhas./ Percorriam as florestas perseguindo a distância,/ Lentos e longos deslizavam nas planícies.// Passaram chuvas, passaram ventos,/ Passaram sombras aladas...// Um dia os aviões surgiram e libertaram a distância,/ Os aviões desceram e levaram os caminhos.". Ou, em certas formas de expressão: "Velhas ruas!/ Cúmplices da treva e dos ladrões". Trata-se de um tema diretamente relacionado a dois outros: a contradição entre claridade/escuridão e vida/morte. Mas aqui, talvez, o melhor é transcrever um trecho não de poema, mas do pequeno ensaio que Joaquim Cardozo dedicou a Rembrandt – mais exatamente, ao realismo na pintura do mestre holandês – em que revela muito de si mesmo: "A pintura de Rembrandt é o drama puro e simples do nascimento e da morte. Dos espaços de sombra dos seus quadros surgem as figuras – incertas e imprecisas -, caminham para uma região iluminada, aos poucos se organizam em formas seguras e exatas, para logo se dissolverem, destruídas de novo pelo impacto violento da luz, como os seres vivos que assomam da escuridão do desconhecido, se expandem por certo tempo em pleno fulgor da existência, e depois desaparecem, queimados pela luz da consciência, desfeitos pelo ardor da própria vida. Há gravuras de Rembrandt em que esse ciclo é exatamente representado como o traço de uma linha que atinge, em sentidos opostos, dois infinitos que se confundem, em que a luz é revelada numa graduação crescente e alcança a mais intensa vibração, como se resultasse de uma queda vertiginosa de altos níveis de energia; essa luz que ora desce dos céus como um raio, ora penetra por uma janela como um jorro, uma chuva de partículas fulgurantes, ora explode no centro da tela como a desintegração instantânea de substâncias nucleares, luz para onde avançam, atraídos e dominados, todos os seres que aspiram a viver e, dentro da qual, são abrasados e consumidos. "A pintura de Rembrandt é o drama da própria consciência do pintor que, para maior clareza, na série de pinturas em que retrata a si mesmo e a Titus e a Saskia e a Hendrijke, reproduz o mistério do nascimento e da morte em termos de luz e sombra. Basta olhar-se o seu último autorretrato, de 1668, já próximo de sua morte, que sucedeu um ano depois, para se ver um rosto não mais surgindo, mas se desfazendo na sombra, corroído pela luz".

quinta-feira, 28 de março de 2013

Semana Santa

Semana Santa, uma vez eu fui convidado para participar de um café damanhça onde estava um padre ( que não foi) um pastor e eu. O tema era Páscoa. Não rei falar o que os dois falaram até por que eu respeito a posição de cada um. Mas eu falei: Sexta Feira e ao mesmo tempo perguntei alguem sabe me falar qual foi a sexta feira que Jesus Cristo morreu ou seja crucificado? Por isso acredito que toda sexta seja santa, qual a data e o mês certo da semana santa? Ninguem soube me responder eu continuei; Páscoa: Todo domingo é dedicado a Páscoa, pois as familias se reunem para almoçar, renovar a paz e vou mais além o amor, pois como diz a Biblia Jesus, ressuscitou para trazer as boas vinda aos lares e ao seu povo, pedindo que seu discipulos levassem a sua mensagem. Na sexta feira, nós que somos do tambor de mina, da umbanda e até mesmo do candoblé ( pois já vi irmãos e irmãs) visitamos 7 igrejas pedindo paz, misericordia, no sábado dançamos o tambor de aleluia não como uma forma de encantado vir para nos bater , mas para salvar e iniciar mais um ano de muito axé, pois para nós o ano começa a partir da aleluia, com isso, quero dizer para tod@s respeitarmos as sextas eiras e os domingos, desejo a todas as pessoas que fazem parte do meu círculo de amizade virtual através desse intrumento que tenham uma sexta santa cheia de muito axé e um domingo de páscoa repleto de paz.

terça-feira, 26 de março de 2013

.OXAGUIAN = OYÁ =OGUM

Oxaguiam (Oxalá novo e guerreiro) estava em guerra, mas a guerra não acabava nunca, tão poucas eram as armas para guerrear. Ogum fazia as armas, mas fazia lentamente. Oxaguiam pediu a seu amigo Ogum urgência, Mas o ferreiro já fazia o possível. O ferro era muito demorado para se forjar e cada ferramenta nova tardava como o tempo. Tanto reclamou Oxaguiam que Oiá, esposa do ferreiro, resolveu ajudar Ogum a apressar a fabricação. Oiá se pôs a soprar o fogo da forja de Ogum e seu sopro avivava intensamente o fogo e o fogo aumentado derretia o ferro mais rapidamente. Logo Ogum pode fazer muitas armas e com as armas Oxaguiam venceu a guerra. Oxaguiam veio então agradecer Ogum. E na casa de Ogum enamorou-se de Oiá. Um dia fugiram Oxaguiam e Oiá, deixando Ogum enfurecido e sua forja fria. Quando mais tarde Oxaguiam voltou à guerra e quando precisou de armas muito urgentemente, Oiá teve que voltar a avivar a forja. E lá da casa de Oxaguiam, onde vivia, Oiá soprava em direção à forja de Ogum. E seu sopro atravessava toda a terra que separava a cidade de Oxaguiam da de Ogum. E seu sopro cruzava os ares e arrastava consigo pó, folhas e tudo o mais pelo caminho, até chegar às chamas com furor. E o povo se acostumou com o sopro de Oiá cruzando os ares e logo o chamou de vento. E quanto mais a guerra era terrível e mais urgia a fabricação das armas, mais forte soprava Oiá a forja de Ogum. Tão forte que às vezes destruía tudo no caminho, levando casas, arrancando árvores, arrasando cidades e aldeias. O povo reconhecia o sopro destrutivo de Oiá e o povo chamava a isso tempestade..

OYÁ = FOGO E PAIXÕES .

Embora tenha sido esposa de Xango, Iansã percorreu vários reinos e conviveu com vários Reis. Foi paixão de Ogum, Oxoguiãn e de Exú. Conviveu e seduziu Oxossi, Logun-Edé e tentou em vão relacionar - se com Obaluaê. Sobre este assunto a história conta que Iansã percorreu vários Reinos usando sua inteligência, astúcia e sedução para aprender de tudo e conhecer igualmente tudo. Em Irê, terra de Ogum foi a grande paixão do Guerreiro. Aprendeu com ele o manuseio da espada e ganhou deste o direito de usá-la. Depois partiu e foi para Oxogbo, terra de Oxoguiãn. Com ele aprendeu o uso do Escudo para se defender de ataques inimigos e recebeu o direito de usá-lo. Depois partiu e nas estradas deparou-se com Exú. Com ele aprendeu os mistérios do fogo e da magia. No reino de Oxossi, seduziu o Deus da Caça, e aprendeu a caçar, a tirar a pele do búfalo e se transformar naquele animal com a ajuda da magia aprendida com Exú. Seduziu Logun-Odé e com ele aprendeu a pescar. Foi para o Reino de Obaluaê, pois queria descobrir seus mistérios e conhecer seu rosto. Lá chegando, insinuou-se. Mas muito desconfiado, Obaluaê perguntou o que Oya queria e ela respondeu: -"queria ser sua amiga". Então, fez sua Dança dos Ventos, que já havia seduzido vários reis. Contudo, sem emocionar ou sequer atrair a atenção de Obaluaê. Incapaz de seduzí-lo, Iansã procurou apenas aprender, fosse o que fosse. Assim dirigiu-se ao homem da palha: -"Aprendi muito com os outros Reis, mas só me falta aprender algo contigo." - "Quer mesmo aprender, Oya? Vou te ensinar a tratar dos Mortos". Venceu seu medo com sua ânsia de aprender e com ele descobriu como conviver com os Eguns e a controlá-los. Partiu então para o Reino de Xangô, pois lá acreditava que teria o mais vaidoso dos reis e aprenderia a viver ricamente. Mas ao chegar ao reino do Rei do Trovão, Iansã aprendeu mais do que isso, aprendeu a amar verdadeiramente e com uma paixão violenta, pois Xangô dividiu com ela os poderes do raio e deu à ela seu coração. O fogo das paixões, o fogo da alegria e o que queima. Ela é o Orixá do Fogo..

O crítico Machado de Assis e a polêmica sobre o naturalismo - 1

A polêmica, aberta por Machado de Assis em abril de 1878, sobre "O Primo Basílio", publicado por Eça de Queirós no início daquele ano, é um dos mais devastadores ataques ao naturalismo (chamado, por Machado, no texto, de "realismo"), desde que Emile Zola iniciara sua série de 20 romances – os famosos "Les Rougon-Macquart", que tinham, como subtítulo, "história natural e social de uma família sob o segundo império" - que são a base da escola naturalista. O que Machado censura no livro de Eça é, precisamente, a ausência de conflito moral a que a "doutrina" de Zola conduzia o romance. A rigor, hoje é forçoso reconhecer, nem o próprio Zola se ateve a essa doutrina – o melhor exemplo é "Germinal", o 13º livro dos "Rougon-Macquart" (aliás, sua ligação com a série, não por acaso, é frequentemente esquecida: consiste em que Étienne Lantier, o operário socialista, é filho "ilegítimo" de Gervaise Macquart, tal como aparece no sétimo livro da série, "L’Assommoir", citado por Machado em sua crítica). Parece-nos que hoje a importância da polêmica – Machado produzirá ainda uma réplica, que publicaremos na próxima edição – está, sobretudo, em evidenciar o papel da crítica para uma literatura. Além de ser extremamente esclarecedora sobre as concepções estéticas de nosso maior escritor. Em 1878, Machado não havia publicado, ainda, nenhum dos seus maiores romances. Era, então, o grande crítico literário do país - no dizer de Alencar, o único. Os admiradores de Eça de Queirós – um escritor português que, na época, fazia mais sucesso no Brasil que em Portugal – responderam a Machado. Nenhuma dessas respostas foi notável. No entanto, o próprio Eça de Queirós escreveu a sua resposta, o ensaio "Idealismo e Realismo", onde, por exemplo, a respeito da afirmação de Machado de que "O Crime do Padre Amaro" é uma "imitação do romance de Zola, La Faute de l’Abbé Mouret", diz que isso revela "uma obtusidade córnea ou má fé cínica". Nem Machado nem Eça pegavam leve na polêmica... Porém, o ensaio de Eça de Queirós somente foi publicado na íntegra após sua morte, em 1900, aos 55 anos. Nessa época, os dois grandes escritores já haviam se reconciliado. É então que Machado escreve o seu necrológio de Eça de Queirós: "Para os romancistas é como se perdêssemos o melhor da família, o mais esbelto e o mais valido. (…) Por mais esperado que fosse esse óbito, veio como repentino. Domício da Gama, ao transmitir-me há poucos meses um abraço de Eça, já o cria agonizante. Não sei se chegou a tempo de lhe dar o meu. Nem ele, nem Eduardo Prado, seus amigos, terão visto apagar-se de todo aquele rijo e fino espírito, mas um e outro devem contá-lo aos que deste lado falam a mesma língua, admiram os mesmos livros e estimavam o mesmo homem." (carta a Henrique Chavez publicada pela Gazeta de Notícias em 24/08/1900). C.L. MACHADO DE ASSIS Um dos bons e vivazes talentos da atual geração portuguesa, o Sr. Eça de Queirós, acaba de publicar o seu segundo romance, O Primo Basílio. O primeiro, O Crime do Padre Amaro, não foi decerto a sua estreia literária. De ambos os lados do Atlântico, apreciávamos há muito o estilo vigoroso e brilhante do colaborador do Sr. Ramalho Ortigão, naquelas agudas Farpas, em que aliás os dois notáveis escritores formaram um só. Foi a estreia no romance, e tão ruidosa estreia, que a crítica e o público, de mãos dadas, puseram desde logo o nome do autor na primeira galeria dos contemporâneos. Estava obrigado a prosseguir na carreira encetada; digamos melhor, a colher a palma do triunfo. Que é, e completo e incontestável. Mas esse triunfo é somente devido ao trabalho real do autor? O Crime do Padre Amaro revelou desde logo as tendências literárias do Sr. Eça de Queirós e a escola a que abertamente se filiava. O Sr. Eça de Queirós é um fiel e aspérrimo discípulo do realismo propagado pelo autor do Assommoir. Se fora simples copista, o dever da crítica era deixá-lo, sem defesa, nas mãos do entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo; mas é homem de talento, transpôs ainda há pouco as portas da oficina literária; e eu, que lhe não nego a minha admiração, tomo a peito dizer-lhe francamente o que penso, já da obra em si, já das doutrinas e práticas, cujo iniciador é, na pátria de Alexandre Herculano e no idioma de Gonçalves Dias. Que o Sr. Eça de Queirós é discípulo do autor do Assommoir, ninguém há que o não conheça. O próprio O Crime do Padre Amaro é imitação do romance de Zola, La Faute de l’Abbé Mouret. Situação análoga, iguais tendências; diferença do meio; diferença do desenlace; idêntico estilo; algumas reminiscências, como no capítulo da missa, e outras; enfim, o mesmo título. Quem os leu a ambos, não contestou decerto a originalidade do Sr. Eça de Queirós, porque ele tinha, e tem, e a manifesta de modo afirmativo; creio até que essa mesma originalidade deu motivo ao maior defeito na concepção d’ O Crime do Padre Amaro. O Sr. Eça de Queirós alterou naturalmente as circunstâncias que rodeavam o Padre Mouret, administrador espiritual de uma paróquia rústica, flanqueado de um padre austero e ríspido; o Padre Amaro vive numa cidade de província, no meio de mulheres, ao lado de outros que do sacerdócio só têm a batina e as propinas; vê-os concupiscentes e maritalmente estabelecidos, sem perderem um só átomo de influência e consideração. Sendo assim, não se compreende o terror do Padre Amaro, no dia em que do seu erro lhe nasce um filho, e muito menos se compreende que o mate. Das duas forças que lutam na alma do Padre Amaro, uma é real e efetiva - o sentimento da paternidade; a outra é quimérica e impossível - o terror da opinião, que ele tem visto tolerante e cúmplice no desvio dos seus confrades; e não obstante, é esta a força que triunfa. Haverá aí alguma verdade moral? Ora bem, compreende-se a ruidosa aceitação d’ O Crime do Padre Amaro. Era realismo implacável, consequente, lógico, levado à puerilidade e à obscuridade. Víamos aparecer na nossa língua um realista sem rebuço, sem atenuações, sem melindres, resoluto a vibrar o camartelo no mármore da outra escola, que aos olhos do Sr. Eça de Queirós parecia uma simples ruína, uma tradição acabada. Não se conhecia no nosso idioma aquela reprodução fotográfica e servil das coisas mínimas e ignóbeis. Pela primeira vez, aparecia um livro em que o escuso e o - digamos o próprio termo, pois tratamos de repelir a doutrina, não o talento, e menos o homem, - em que o escuso e o torpe eram tratados com um carinho minucioso e relacionados com uma exação de inventário. A gente de gosto leu com prazer alguns quadros, excelentemente acabados, em que o Sr. Eça de Queirós esquecia por minutos as preocupações da escola; e, ainda nos quadros que lhe destoavam, achou mais de um rasgo feliz, mais de uma expressão verdadeira; a maioria, porém, atirou-se ao inventário. Pois que havia de fazer a maioria, senão admirar a fidelidade de um autor, que não esquece nada, e não oculta nada? Porque a nova poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha. Quanto à ação em si, e os episódios que a esmaltam, foram um dos atrativos d’ O Crime do Padre Amaro, e o maior deles; tinham o mérito do pomo defeso. E tudo isso, saindo das mãos de um homem de talento, produziu o sucesso da obra. Certo da vitória, o Sr. Eça de Queirós reincidiu no gênero, e trouxe-nos O Primo Basílio, cujo êxito é evidentemente maior que o do primeiro romance, sem que, aliás, a ação seja mais intensa, mais interessante ou vivaz nem mais perfeito o estilo. A que atribuir a maior aceitação deste livro? Ao próprio fato da reincidência, e, outrossim, ao requinte de certos lances, que não destoaram do paladar público. Talvez o autor se enganou em um ponto. Uma das passagens que maior impressão fizeram, n’O Crime do Padre Amaro, foi a palavra de calculado cinismo, dita pelo herói. O herói d’O Primo Basílio remata o livro com um dito análogo; e, se no primeiro romance é ele característico e novo, no segundo é já rebuscado, tem um ar de cliché; enfastia. Excluído esse lugar, a reprodução dos lances e do estilo é feita com o artifício necessário, para lhes dar novo aspecto e igual impressão. Vejamos o que é O Primo Basílio e comecemos por uma palavra que há nele. Um dos personagens, Sebastião, conta a outro o caso de Basílio, que, tendo namorado Luísa em solteira, estivera para casar com ela; mas falindo o pai, veio para o Brasil, donde escreveu desfazendo o casamento. - Mas é a Eugênia Grandet! exclama o outro. O Sr. Eça de Queirós incumbiu-se de nos dar o fio da sua concepção. Disse talvez consigo: - Balzac separa os dois primos, depois de um beijo (aliás, o mais casto dos beijos). Carlos vai para a América; a outra fica, e fica solteira. Se a casássemos com outro, qual seria o resultado do encontro dos dois na Europa? - Se tal foi a reflexão do autor, devo dizer, desde já que de nenhum modo plagiou os personagens de Balzac. A Eugênia deste, a provinciana singela e boa, cujo corpo, aliás robusto, encerra uma alma apaixonada e sublime, nada tem com a Luísa do Sr. Eça de Queirós. Na Eugênia, há uma personalidade acentuada, uma figura moral, que por isso mesmo nos interessa e prende; a Luísa - fôrça é dizê-lo - a Luísa é um caráter negativo, e no meio da ação ideada pelo autor, é antes um títere do que uma pessoa moral. Repito, é um títere; não quero dizer que não tenha nervos e músculos; não tem mesmo outra coisa; não lhe peçam paixões nem remorsos; menos ainda consciência. Casada com Jorge, faz este uma viagem ao Alentejo, ficando ela sozinha em Lisboa; aparece-lhe o primo Basílio, que a amou em solteira. Ela já o não ama; quando leu a notícia da chegada dele, doze dias antes, ficou muito "admirada"; depois foi cuidar dos coletes do marido. Agora, que o vê, começa por ficar nervosa; ele lhe fala das viagens, do patriarca de Jerusalém, do papa, das luvas de oito botões, de um rosário e dos namoros de outro tempo; diz-lhe que estimara ter vindo justamente na ocasião de estar o marido ausente. Era uma injúria: Luísa fez-se escarlate; mas à despedida dá-lhe a mão a beijar, dá-lhe até entender que o espera no dia seguinte. Ele sai; Luísa sente-se "afogueada, cansada", vai despir-se diante de um espelho, "olhando-se muito, gostando de se ver branca". A tarde e a noite gasta-as a pensar ora no primo, ora no marido. Tal é o introito, de uma queda, que nenhuma razão moral explica, nenhuma paixão, sublime ou subalterna, nenhum amor, nenhum despeito, nenhuma perversão sequer. Luísa resvala no lodo, sem vontade, sem repulsa, sem consciência; Basílio não faz mais do que empuxá-la, como matéria inerte, que é. Uma vez rolada ao erro, como nenhuma flama espiritual a alenta, não acha ali a saciedade das grandes paixões criminosas: rebolca-se simplesmente. Assim, essa ligação de algumas semanas, que é o fato inicial e essencial da ação, não passa de um incidente erótico, sem relevo, repugnante, vulgar. Que tem o leitor do livro com essas duas criaturas sem ocupação nem sentimentos? Positivamente nada. E aqui chegamos ao defeito capital da concepção do Sr. Eça de Queirós. A situação tende a acabar, porque o marido está prestes a voltar do Alentejo, e Basílio começa a enfastiar-se, e, já por isso já porque o instiga um companheiro seu, não tardará a trasladar-se a Paris. Interveio, neste ponto, uma criada. Juliana, o caráter mais completo e verdadeiro do livro; Juliana está enfadada de servir; espreita um meio de enriquecer depressa; logra apoderar-se de quatro cartas; é o triunfo, é a opulência. Um dia em que a ama lhe ralha com aspereza, Juliana denuncia as armas que possui. Luísa resolve fugir com o primo; prepara um saco de viagem, mete dentro alguns objetos, entre eles um retrato do marido. Ignoro inteiramente a razão fisiológica ou psicológica desta precaução de ternura conjugal: deve haver alguma; em todo caso, não é aparente. Não se efetua a fuga, porque o primo rejeita essa complicação; limita-se a oferecer o dinheiro para reaver as cartas, - dinheiro que a prima recusa - despede-se e retira-se de Lisboa. Daí em diante o cordel que move a alma inerte de Luísa passa das mãos de Basílio para as da criada. Juliana, com a ameaça nas mãos, obtém de Luísa tudo, que lhe dê roupa, que lhe troque a alcova, que lha forre de palhinha, que a dispense de trabalhar. Faz mais: obriga-a a varrer, a engomar, a desempenhar outros misteres imundos. Um dia Luísa não se contém; confia tudo a um amigo de casa, que ameaça a criada com a polícia e a prisão, e obtém assim as fatais letras. Juliana sucumbe a um aneurisma; Luísa, que já padecia com a longa ameaça e perpétua humilhação, expira alguns dias depois. Um leitor perspicaz terá já visto a incongruência da concepção do Sr. Eça de Queirós, e a inanidade do caráter da heroína. Suponhamos que tais cartas não eram descobertas, ou que Juliana não tinha a malícia de as procurar, ou enfim que não havia semelhante fâmula em casa, nem outra da mesma índole. Estava acabado o romance, porque o primo enfastiado seguiria para França, e Jorge regressaria do Alentejo; os dois esposos voltavam à vida anterior. Para obviar a esse inconveniente, o autor inventou a criada e o episódio das cartas, as ameaças, as humilhações, as angústias e logo a doença, e a morte da heroína. Como é que um espírito tão esclarecido, como o do autor, não viu que semelhante concepção era a coisa menos congruente e interessante do mundo? Que temos nós com essa luta intestina entre a ama e a criada, e em que nos pode interessar a doença de uma e a morte de ambas? Cá fora, uma senhora que sucumbisse às hostilidades de pessoas de seu serviço, em consequência de cartas extraviadas, despertaria certamente grande interesse, e imensa curiosidade; e, ou a condenássemos, ou lhe perdoássemos, era sempre um caso digno de lástima. No livro é outra coisa. Para que Luísa me atraia e me prenda, é preciso que as tribulações que a afligem venham dela mesma; seja uma rebelde ou uma arrependida; tenha remorsos ou imprecações; mas, por Deus! dê-me a sua pessoa moral. Gastar o aço da paciência a fazer tapar a boca de uma cobiça subalterna, a substituí-la nos misteres ínfimos, a defendê-la dos ralhos do marido, é cortar todo o vínculo moral entre ela e nós. Já nenhum há, quando Luísa adoece e morre. Por quê? Porque sabemos que a catástrofe é o resultado de uma circunstância fortuita, e nada mais; e consequentemente por esta razão capital: Luísa não tem remorsos, tem medo. Se o autor, visto que o Realismo também inculca vocação social e apostólica, intentou dar no seu romance algum ensinamento ou demonstrar com ele alguma tese, força é confessar que o não conseguiu, a menos de supor que a tese ou ensinamento seja isto: - A boa escolha dos fâmulos é uma condição de paz no adultério. A um escritor esclarecido e de boa fé, como o Sr. Eça de Queirós, não seria lícito contestar que, por mais singular que pareça a conclusão, não há outra no seu livro. Mas o autor poderia retorquir: - Não, não quis formular nenhuma lição social ou moral; quis somente escrever uma hipótese; adoto o realismo, porque é a verdadeira forma da arte e a única própria do nosso tempo e adiantamento mental; mas não me proponho a lecionar ou curar; exerço a patologia, não a terapêutica. A isso responderia eu com vantagem: - Se escreveis uma hipótese dai-me a hipótese lógica, humana, verdadeira. Sabemos todos que é aflitivo o espetáculo de uma grande dor física; e, não obstante, é máxima corrente em arte, que semelhante espetáculo, no teatro, não comove a ninguém; ali vale somente a dor moral. Ora bem; aplicai esta máxima ao vosso realismo, e sobretudo proporcionai o efeito à causa, e não exijais a minha comoção a troco de um equívoco. E passemos agora ao mais grave, ao gravíssimo. Parece que o Sr. Eça de Queirós quis dar-nos na heroína um produto da educação frívola e da vida ociosa; não obstante, há aí traços que fazem supor, à primeira vista, uma vocação sensual. A razão disso é a fatalidade das obras do Sr. Eça de Queirós - ou, noutros termos, do seu realismo sem condescendência: é a sensação física. Os exemplos acumulam-se de página a página; apontá-los, seria reuni-los e agravar o que há neles desvendado e cru. Os que de boa fé supõem defender o livro, dizendo que podia ser expurgado de algumas cenas, para só ficar o pensamento moral ou social que o engendrou, esquecem ou não reparam que isso é justamente a medula da composição. Há episódios mais crus do que outros. Que importa eliminá-los? Não poderíamos eliminar o tom do livro. Ora, o tom é o espetáculo dos ardores, exigências e perversões físicas. Quando o fato lhe não parece bastante caracterizado com o termo próprio, o autor acrescenta-lhe outro impróprio. De uma carvoeira, à porta da loja, diz ele que apresentava a "gravidez bestial". Bestial por quê? Naturalmente, porque o adjetivo avolume o substantivo e o autor não vê ali o sinal da maternidade humana; vê um fenômeno animal, nada mais. Com tais preocupações de escola, não admira que a pena do autor chegue ao extremo de correr o reposteiro conjugal; que nos talhe as suas mulheres pelos aspectos e trejeitos da concupiscência; que escreva reminiscências e alusões de um erotismo, que Proudhon chamaria onissexual e onímodo; que no meio das tribulações que assaltam a heroína, não lhe infunda no coração, em relação ao esposo, as esperanças de um sentimento superior, mas somente os cálculos da sensualidade e os "ímpetos de concubina"; que nos dê as cenas repugnantes do Paraíso; que não esqueça sequer os desenhos torpes de um corredor de teatro. Não admira; é fatal; tão fatal como a outra preocupação correlativa. Ruim moléstia é o catarro; mas por que hão de padecer dela os personagens do Sr. Eça de Queirós? N’O Crime do Padre Amaro há bastantes afetados de tal achaque; n’O Primo Basílio fala-se apenas de um caso: um indivíduo que morreu de catarro na bexiga. Em compensação há infinitos "jactos escuros de saliva". Quanto à preocupação constante do acessório, bastará citar as confidências de Sebastião a Juliana, feitas casualmente à porta e dentro de uma confeitaria, para termos ocasião de ver reproduzidos o mostrador e as suas pirâmides de doces, os bancos, as mesas, um sujeito que lê um jornal e cospe a miúdo, o choque das bolas de bilhar, uma rixa interior, e outro sujeito que sai a vociferar contra o parceiro; bastará citar o longo jantar do Conselheiro Acácio (transcrição do personagem de Henri Monier); finalmente, o capítulo do Teatro de São Carlos, quase no fim do livro. Quando todo o interesse se concentra em casa de Luísa, onde Sebastião trata de reaver as cartas subtraídas pela criada, descreve-nos o autor uma noite inteira de espetáculos, a plateia, os camarotes, a cena, uma altercação de espectadores. Que os três quadros estão acabados com muita arte, sobretudo o primeiro, é coisa que a crítica imparcial deve reconhecer; mas por que avolumar tais acessórios até o ponto de abafar o principal? Talvez estes reparos sejam menos atendíveis, desde que o nosso ponto de vista é diferente. O Sr. Eça de Queirós não quer ser realista mitigado, mas intenso e completo; e daí vem que o tom carregado das tintas, que nos assusta, para ele é simplesmente o tom próprio. Dado, porém, que a doutrina do Sr. Eça de Queirós fosse verdadeira, ainda assim cumpria não acumular tanto as cores, nem acentuar tanto as linhas; e quem o diz é o próprio chefe da escola, de quem li, há pouco, e não sem pasmo, que o perigo do momento realista é haver quem suponha que o traço grosso é o traço exato. Digo isto no interesse do talento do Sr. Eça de Queirós, não no da doutrina que lhe é adversa; porque a esta o que mais importa é que o Sr. Eça de Queirós escreva outros livros como O Primo Basílio. Se tal suceder, o Realismo na nossa língua será estrangulado no berço; e a arte pura, apropriando-se do que ele contiver aproveitável (porque o há, quando se não despenha no excessivo, no tedioso, no obsceno, e até no ridículo), a arte pura, digo eu, voltará a beber aquelas águas sadias, d’O Monge de Cister, d’O Arco de Sant’ Ana e d’O Guarani. A atual literatura portuguesa é assaz rica de força e talento para podermos afiançar que este resultado será certo, e que a herança de Garrett se transmitirá intacta às mãos da geração vindoura.

sexta-feira, 22 de março de 2013

POMBAGIRA

..Guardiãs Pombo Gira Pomba gira é vista como um Exu feminino, um mensageiro entre este mundo e o mundo espiritual, um espírito, ( que nas religiões Abraamicas do deserto seria certamente visto como um anjo), de forte e vincada personalidade. Pomba gira é um espírito feminino também de luxúria, sendo que todos os prazeres e coisas deste mundo lhe são agradáveis. Muitos crentes, afirmam que pomba gira não é uma entidade, mas sim um conceito que serve para identificar uma certa categoria de espíritos. Há quem também afirme que os espíritos chamados «pomba gira», são espíritos de mulheres que em vida foram amantes, prostitutas, ou simplesmente mulheres especialmente ligadas ao prazer das coisas da carne, e que morrendo se transformam em poderosas entidades espirituais. Estes espíritos femininos, são capazes tanto de um grande mal , ( desviar comportamentos sexuais, causar tentações, separar casais, concretizar cruéis vinganças, separar famílias, etc), como de um grande bem ( unir casais, salvar casamentos, devolver harmonia ao lar, etc). Sendo espíritos de mulheres falecidas, essas entidades tendem a reencarnar periodicamente neste mundo. As que ainda não reencarnaram, tendem a procurar médiuns com os quais se possam relacionar e assim incorporar temporariamente. Normalmente um espirito Pomba Gira incorpora numa mulher, embora haja casos em que se afirma que tal sucede em homens. Afirma-se também que nesses casos, a fortíssima influencia espiritual de pomba gira num homem, poderá distorcer a sua orientação sexual, mas tal não se encontra provado. Afirma-se na teologia Umbanda e Kimbanda, que Pomba-Gira, ( o conceito que serve para distinguir toda uma linhagem de espíritos feminis), constitui na verdade uma enorme legião, subdividida em ramos distintos: existem pombas giras ligadas ás encruzilhadas, ( Pomba Gira das 7 encruzilhadas), bem como pombas giras ligadas a locais ermos, ( Pomba Gira Maria Mulambo), como pombas giras relacionadas com ciganas, ( pomba gira Cigana), como pombas giras afetas aos cemitérios, ( pomba gira Calunga) No decorrer de um processo espiritual, milhares de pessoas já afirmaram ter visto os seus desejos concretizados através deste tipo de entidade, ao passo que outras viram todo o tipo de alterações milagrosas suceder na sua vida. As oferendas realizadas a pomba gira, são: charutos, bebidas fortes, cigarros de boa qualidade, flores vermelhas, espelhos, jóias bonitas e brilhantes, licores, bijuterias, perfumes e tudo aquilo que um espirito feminino adora. Os locais de oferenda, variam consoante a natureza da pomba gira em questão. As pomba gira são entidades espirituais de forte personalidade, pelo que jamais se poderá quebrar a palavra dada, nem violar os termos de uma instrução, nem mostrar desrespeito. Qualquer uma dessas falhas, pode resultar em trágica conseqüência. Contam os crentes, que em certas noites, podemos ouvi-las cantando e dançando nos locais mais inesperados, ( lugares ermos, cemitérios), e sentir o perfume doce e feminino das suas presenças invisíveis. Nessas noites, convém afastar-se rapidamente desse local, sem olhar para traz, com todo o respeito e discrição, respeitando a intimidade dessas valorosas Exu femininas. Pomba Gira Dama da Noite As entidades que atendem pelo nome Pomba Gira Dama da Noite, pertencem a todas as falanges, tal qual as Pomba Giras do Cabaré. Fazem a comunicação e a troca de informações entre essas falanges. São uma espécie de informantes, estão em toda a parte, "correm a gira" no astral para avaliar todas as questões que envolvem um caso que esteja sendo tratado por outras Guardiãs. São muito versáteis e conhecem de tudo um pouco. Uma outra atribuição muito importante, dessas Pomba Giras, é o desenvolvimento mediúnico de médiuns iniciantes. Portanto podem se manifestar em qualquer ponto cantado, ou, mesmo não sendo, a Pomba Gira que irá trabalhar com o médium, pode dar ao mesmo "insights" de quem será sua Pomba Gira de trabalho, incorporando ou passando vibração ao médium apenas no ponto cantado de sua Pomba Gira. Dificilmente riscam ponto e dão consulta, ficam de pé no meio do terreiro dançando e preparando o médium, por isso, é muito comum incorporações de curta duração, para evitar desgaste e fadiga do médium. Outra forte atuação dessas Senhoras é a comunicação intuitiva, já que o médium em desenvolvimento não está "pronto" para identificar mensagens claras, pois ainda não sabe se quer o nome de sua Pomba Gira. Isso não ocorre com todos os médiuns, em alguns casos, dependendo da história, do grau de mediunidade e da relação "entidade-médium", a Pomba Gira de trabalho, já informa ao médium, quem é e o que quer. As Pombas Giras Damas da Noite, após um período, que varia, de caso para caso, acabam por optar por uma atividade mais especializada, aí sim, ingressando numa falange específica. São muito bem humoradas e passam ao médium, uma sensação de alegria e descontração. Estão sempre presentes nos terreiros, e mesmo que um determinado médium da corrente, não seja médium de incorporação, recebe sua vibração, o que o protege das energias densas que são desagregadas nas giras de Exú. Seu nome "Dama da Noite" pode fazer com que seja associada à "Pomba Gira do Cabaré". Mas essas guardiãs têm funções distintas, as Damas da Noite, por serem entidades responsáveis pelo desenvolvimento mediúnico da maioria dos médiuns, não costumam enfrentar o astral inferior, de modo frontal, pois precisam manter uma vibração periespiritual menos densa, para a proteção dos médiuns que estão sendo por elas desenvolvidos. Em sua denominação simbólica, são conhecidas apenas por Pomba Gira Dama da Noite, não havendo a complementação, como por exemplo, Pomba Gira Dama da Noite das Almas, ou Pomba Gira Dama da Noite da Encruzilhada, etc. Como existem milhares de Pomba Giras Damas da Noite, também existem milhares de histórias sobre cada uma.

POMBAGIRA DAS ALMAS .

Possui rara beleza, exala sensualidade, transmite segurança aqueles que por ela procura; é forte e determinada quando assume um trabalho, não deixando nada para depois; personalidade marcante, severa e disciplinadora, ao mesmo tempo em que é terna e doce. Sobre sai muito seu lado passional,emocional, sentindo muito quando vê alguém aos frangalhos por causa de um relacionamento com desfeche ruim, auxiliando a pessoa de maneira inconfundível e decisiva neste aspecto. Auxilia também de maneira marcante as mulheres que recorrem a ela com problemas de fertilidade ou de ordem sexual. Da grande valor ao conceito família. Esta entidade recebe seus trabalhos, despachos ou oferendas tanto no Cruzeiro do cemitério, quanto nas encruzilhadas, isto dependera exclusivamente dela. Trabalha com os Exus da Linha da Almas, ela é uma das companheiras do Exu Tranca Ruas das Almas. Apresenta-se esta entidade, sob a forma de uma linda mulher de estatura mediana-alta, magra, de cabelos e olhos negros, sendo seus cabelos compridos e muito lisos, enrolando apenas em suas extremidades. Ela é também muito temperamental, procura saber tudo sobre o consulente antes de esboçar qualquer tipo de ajuda, contudo uma vez que entra em trabalho, ela não sai enquanto tudo não estiver direitinho, como ela diz: "Formoso"; ela vai ate o fim, e nunca ouvi se quer uma reclamação, o que ela promete cumpre e pontualmente.

terça-feira, 12 de março de 2013

Euclides, a saga de Canudos e a formação do povo brasileiro

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados EUCLIDES DA CUNHA Por fim, às duas horas da tarde, se paralisou inteiramente o assalto; cessaram de todo as cargas; e no ânimo dos sitiantes, em franca defensiva nas posições primitivas, doíam desapontamentos de derrota. Defluindo da baixada, a leste da praça, continuou largo tempo a romaria penosa dos feridos, em busca do hospital de sangue. Em padiolas, em redes, ou suspensos pelos braços entre os companheiros, ascendiam exaustos, titubeantes, arrimando-se e cosendo-se às casas. E sobre eles, sobre as colinas, varrendo-as, sobre os morros artilhados, varejando-os, sobre o acampamento todo, ao cair da tarde, ao anoitecer e durante a noite toda, visando todos os pontos da periferia do assédio, sibilando em todos os tons pelos ares, da zona reduzidíssima onde se acantonavam os jagunços, irrompiam as balas. O combate fora cruento e estéril. Desfalcara-nos de quinhentos e sessenta e sete lutadores, sem resultado apreciável. Como sempre, a vibração forte da batalha amortecera a pouco e pouco, atenuando-se em tiroteios escassos; e toda a noite passou, velando-a, a tropa combalida, na expectativa cruel de novos recontros, novos sacrifícios inúteis e novos esforços malogrados. Entretanto a situação dos sertanejos piorara. Tinham, pela perda da igreja nova, perdido as últimas cacimbas e ardiam em braseiros enormes, progredindo-lhes em roda e avançando de três pontos - do norte, leste e oeste - obstringindo-os no último reduto. Mas à madrugada de 2 os triunfadores fatigados foram despertados com uma descarga desafiadora e firme. DIÁRIO Nesse dia... Translademos, sem lhes alterar uma linha, as últimas notas de um "Diário", escritas à medida que se desenrolavam os acontecimentos. "... Chegam à uma hora em grande número novos prisioneiros — sintoma claro de enfraquecimento entre os rebeldes. Eram esperados. Agitara-se pouco depois do meio-dia uma bandeira branca no centro dos últimos casebres e os ataques cessaram imediatamente do nosso lado. Rendiam-se, afinal. Entretanto não soaram os clarins. Súbito silêncio avassalou as linhas e o acampamento. A bandeira, um trapo nervosamente agitado, desapareceu; e, logo depois, dois sertanejos, saindo de um atravancamento impenetrável, se apresentaram ao comandante de um dos batalhões. Foram para logo conduzidos à presença do comandante em chefe, na comissão de engenharia. Um deles era Antônio, o Beatinho, acólito e auxiliar do Conselheiro. Mulato claro e alto, excessivamente pálido e magro; ereto o busto adelgaçado. Levantava, com altivez de resignado, a fronte. A barba rala e curta emoldurava-lhe o rosto pequeno animado de olhos inteligentes e límpidos. Vestia camisa de azulão e, a exemplo do chefe da grei, arrimava se a um bordão a que se esteava, andando. Veio com outro companheiro, entre algumas praças, encalçado de um séquito de curiosos. Ao chegar à presença do general, tirou tranquilamente o gorro azul, de listras e borlas brancas, de linho; e quedou, correto, esperando a primeira palavra do triunfador. Não foi perdida uma sílaba única do diálogo prontamente travado. - "Quem é você ? - "Saiba o seu doutor general que sou Antônio Beato e eu mesmo vim por meu pé me entregar porque a gente não tem mais opinião e não aguenta mais. E rodava lentamente o gorro nas mãos lançando sobre circunstantes um olhar sereno. - O Bem. E o Conselheiro ? - O nosso bom Conselheiro está no céu ... Explicou então que aquele, agravando-se antigo ferimento, que recebera de um estilhaço de granada atingindo-o quando em certa ocasião passava da igreja para o Santuário, morrera a 22 de setembro, de uma disenteria, uma caminheira — expressão horrendamente cômica que pôs repentinamente um burburinho de risos irreprimidos naquele lance doloroso e grave. O Beato não os percebeu. Fingiu, talvez, não os perceber. Quedou imóvel, face impenetrável e tranquila, de frecha sobre o general, o olhar a um tempo humilde e firme. O diálogo prosseguiu: - E os homens não estão dispostos a se entregarem ? - Batalhei com uma porção deles para virem e não vieram porque há um bando lá que não querem. São de muita opinião. Mas não aguentam mais. Quase tudo mete a cabeça no chão de necessidade. Quase tudo está seco de sede... - E não podes trazê-los ? - Posso não. Eles estavam em tempo de me atirar quando saí... - Já viu quanta gente aí está, toda bem armada e bem disposta? - Eu fiquei espantado! A resposta foi sincera, ou admiravelmente calculada. O rosto do altareiro desmanchou-se numa expressão incisiva e rápida, de espanto. - Pois bem. A sua gente não pode resistir, nem fugir. Volte para lá e diga aos homens que se entreguem. Não morrerão. Garanto-lhes a vida. Serão entregues ao governo da República. E diga-lhes que o governo da República é bom para todos os brasileiros. Que se entreguem. Mas sem condições; não aceito a mais pequena condição. O Beatinho, porém, recusava-se, obstinado, à missão. Temia os próprios companheiros. Apresentava as melhores razões para não ir. Nessa ocasião interveio o outro prisioneiro, que até então permanecera mudo. Viu-se, pela primeira vez, um jagunço bem nutrido e destacando-se do tipo uniforme dos sertanejos. Chamava-se Bernabé José de Carvalho e era um chefe de segunda linha. Tinha o tipo flamengo, lembrando talvez, o que não é exagerada conjectura, a ascendência de holandeses que tão largos anos por aqueles territórios do norte trataram com o indígena. Brilhavam-lhe, varonis, os olhos azuis e grandes; o cabelo alourado revestia-lhe, basto, a cabeça chata e enérgica. Apresentou logo como credencial o mostrar-se duma linhagem superior. Não era um matuto largado. Era casado com uma sobrinha do capitão Pedro Celeste, de Bom Conselho. Depois contraveio, num desgarre desabusado, insistindo com o Beatinho recalcitrante: - Vamos! Homem! Vamos embora... Eu falo uma fala com eles... deixe tudo comigo. Vamos! E foram. O efeito da comissão, porém, foi de todo em todo inesperado. O Beatinho voltou, passada uma hora, seguido de umas trezentas mulheres e crianças e meia dúzia de velhos imprestáveis. Parecia que os jagunços realizavam com maestria sem par o seu último ardil. Com efeito, viam-se libertos daquela multidão inútil, concorrente aos escassos recursos que acaso possuíam, e podiam, agora, mais folgadamente delongar o combate. O Beatinho dera — quem sabe ? — um golpe de mestre. Consumado diplomata, do mesmo passo poupara às chamas e às balas tantos entes miserandos e aliviara o resto dos companheiros daqueles trambolhos prejudiciais. A crítica dos acontecimentos indica que aquilo foi, talvez, uma cilada. Nem a exclui a circunstância de ter voltado o asceta ardiloso que a engenhara. Era uma condição favorável, adrede e astuciosamente aventurada como prova iniludível da boa fé com que agira. Mas mesmo que assim não considerassem, alentava-o uma aspiração de todo admissível: fazer o último sacrifício em prol da crença comum: devotar-se, volvendo ao acampamento, à sagração do martírio, que desejava, porventura, ardentemente, com o misticismo doentio de um iluminado. Não há interpretar de outra maneira o fato, esclarecido, ademais, pelo proceder do outro parlamentar, que não voltara, permanecendo entre os lutadores, instruindo-os sem dúvida da disposição das forças sitiantes. A entrada dos prisioneiros foi comovedora. Vinha solene, na frente, o Beatinho, teso o torso desfibrado, olhos presos no chão, e com o passo cadente e tardo exercitado desde muito nas lentas procissões que compartira. O longo cajado oscilava-lhe à mão direita, isocronamente, feito enorme batuta, compassando a marcha verdadeiramente fúnebre. A um de fundo, a fila extensa, tracejando ondulada curva pelo pendor da colina, seguia na direção do acampamento, passando ao lado do quartel da primeira coluna e acumulando-se, cem metros adiante, em repugnante congérie de corpos mumificados e em andrajos. Os combatentes contemplavam-nos entristecidos. Surpreendiam-se; comoviam-se. O arraial, in extremis, punha-lhes adiante, naquele armistício transitório, uma legião desarmada, mutilada, faminta e claudicante, num assalto mais duro que o das trincheiras em fogo. Custava-lhes admitir que toda aquela gente inútil e frágil saísse tão numerosa ainda dos casebres fulminados durante três meses. Contemplando-lhes os rostos baços, os arcabouços esmirrados e sujos, cujos mulambos em tiras não encobriam lanhos, escaras e escalavros — a vitória tão longamente anelada decaía de súbito. Repugnava aquele triunfo. Envergonhava. Era, com efeito, contraproducente compensação a tão luxuosos gastos de combates, de reveses e de milhares de vidas, o apresamento daquela caqueirada humana — do mesmo passo angulhenta e sinistra, entre trágica e imunda, passando-lhes pelos olhos, num longo enxurro de carcaças e molambos. Nem um rosto viril, nem um braço capaz de suspender uma arma, nem um peito resfolegante de campeador domado: mulheres, sem número de mulheres, velhas espectrais, moças envelhecidas, velhas e moças indistintas na mesma fealdade, escaveiradas e sujas, filhos escanchados nos quadris desnalgados, filhos encarapitados às costas, filhos suspensos aos peitos murchos, filhos afastados pelos braços, passando; crianças, sem número de crianças; velhos, sem número de velhos; raros homens, enfermos opilados, faces túmidas e mortas, de cera, bustos dobrados, andar cambaleante. Pormenorizava-se. Um velho absolutamente alquebrado, soerguido por alguns companheiros, perturbava o cortejo. Vinha contrafeito. Forçava por se livrar e volver atrás os passos. Voltava-se, braços trêmulos e agitados, para o arraial onde deixara certo os filhos robustos, na última refrega. E chorava. Era o único que chorava. Os demais prosseguiam impassíveis. Rígidos anciãos, aquele desfecho cruento, culminando-lhes a velhice, era um episódio somenos entre os transes da vida nos sertões. Alguns respeitosamente se desbarretavam ao passarem pelos grupos de curiosos. Destacou-se, por momentos, um. Octogenário, não se lhe dobrava o tronco. Marchava devagar e de quando em quando parava. Fitava por instantes a igreja e reatava a marcha; para estacar outra vez, dados alguns passos, voltar-se lançando novo olhar ao templo arruinado e prosseguir, intermitentemente, à medida que se escoavam pelos seus dedos as contas de um rosário. Rezava. Era um crente. Aguardava talvez ainda o grande milagre prometido. Alguns enfermos graves vinham carregados. Caídos logo aos primeiros passos, passavam, suspensos pelas pernas e pelos braços, entre quatro praças. Não gemiam, não estortegavam; lá se iam imóveis e mudos, olhos muito abertos e muito fixos, feito mortos. Aos lados, desorientadamente, procurando os pais que ali estavam entre os bandos ou lá embaixo mortos, adolescentes franzinos, chorando, clamando, correndo. Os menores vinham às costas dos soldados agarrados às grenhas despenteadas há três meses daqueles valentes que havia meia hora ainda jogavam a vida nas trincheiras e ali estavam, agora, resolvendo desastradamente, canhestras amas-secas, o problema difícil de carregar uma criança. Uma megera assustadora, bruxa rebarbativa e magra — a velha mais hedionda talvez destes sertões — a única que alevantava a cabeça espalhando sobre os espectadores, como faúlhas, olhares ameaçadores; e nervosa e agitante, ágil apesar da idade, tendo sobre as espáduas de todo despidas, emaranhados, os cabelos brancos e cheios de terra — rompia, em andar sacudido pelos grupos miserandos, atraindo a atenção geral. Tinha nos braços finos uma menina, neta, bisneta, tataraneta talvez. E essa criança aterrava. A sua face esquerda fora arrancada, havia tempos, por um estilhaço de granada; de sorte que os ossos dos maxilares se destacavam alvíssimos, entre os bordos vermelhos da ferida já cicatrizada. A face direita sorria. E espantava aquele riso incompleto e dolorosíssimo aformoseando uma face e extinguindo-se repentinamente na outra, no vácuo de um gilvaz. Aquela velha carregava a criação mais monstruosa da campanha. Lá se foi com o seu andar agitante, de atáxica, seguindo a extensa fila de infelizes. Esta parara adiante, a um lado das tendas do esquadrão de cavalaria, represando entre as quatro linhas de um quadrado. Via-se, então, pela primeira vez, em globo, a população de Canudos; e, à parte as variantes impressas pelo sofrer diversamente suportado, sobressaía um traço de uniformidade rara nas linhas fisionômicas mais características. Raro um branco ou negro puro. Um ar de família em todos delatando, iniludível, a fusão perfeita de três raças. Predominava o pardo lídimo, misto de cafre, português e tapuia — faces bronzeadas, cabelos corredios e duros ou anelados, troncos deselegantes; e aqui, e ali, um perfil corretíssimo recordando o elemento superior da mestiçagem. Em roda, vitoriosos, díspares e desunidos, o branco, o negro, o cafuz e o mulato proteiformes com todas as gradações da cor. Um contraste: a raça forte e íntegra abatida dentro de um quadrado de mestiços indefinidos e pusilânimes. Quebrara-a de todo a luta. Humilhava-se. Do ajuntamento miserando partiam pedidos flébeis e lamurientos de esmola. Devoravam-na a fome e a sede de muitos dias". ÚLTIMA TRÉGUA O comandante geral concedera naquele mesmo dia aos últimos rebeldes um armistício de poucas horas. Mas este só teve o efeito contraproducente de retirar do trecho combatido aqueles prisioneiros inúteis. Ao cair da tarde estavam desafogados os jagunços. Deixaram que se esgotasse a trégua. E quando lhes anunciou o termo uma intimativa severa de dois tiros de pólvora seca seguidos logo de outro, de bala rasa, estenderam sobre os sitiantes uma descarga divergente e firme. A noite de 2 entrou, ruidosamente, sulcada de tiroteios vivos. VI Não há relatar o que houve a 3 e a 4. A luta, que viera perdendo dia a dia o caráter militar, degenerou, ao cabo, inteiramente. Foram-se os últimos traços de um formalismo inútil: deliberações de comando, movimentos combinados, distribuições de forças, os mesmos toques de cornetas, e por fim a própria hierarquia, já materialmente extinta num exército sem distintivos e sem fardas. Sabia-se de uma coisa única: os jagunços não poderiam resistir por muitas horas. Alguns soldados se haviam abeirado do último reduto e colhido de um lance a situação dos adversários. Era incrível: numa cava quadrangular, de pouco mais de metro de fundo, ao lado da igreja nova, uns vinte lutadores, esfomeados e rotos, medonhos de ver-se, predispunham-se a um suicídio formidável. Chamou-se aquilo o "hospital de sangue" dos jagunços. Era um túmulo. De feito, lá estavam, em maior número, os mortos, alguns de muitos dias já, enfileirados ao longo das quatro bordas da escavação e formando o quadrado assombroso dentro do qual uma dúzia de moribundos, vidas concentradas na última contração dos dedos nos gatilhos das espingardas, combatiam contra um exército. E lutavam com relativa vantagem ainda. Pelo menos fizeram parar os adversários. Destes os que mais se aproximaram lá ficaram, aumentando a trincheira sinistra de corpos esmigalhados e sangrentos. Viam-se, salpintando o acervo de cadáveres andrajosos dos jagunços, listras vermelhas de fardas e entre elas as divisas do sargento-ajudante do 39º, que lá entrara, baqueando logo. Outros tiveram igual destino. Tinham a ilusão do último recontro feliz e fácil: romperem pelos últimos casebres envolventes, caindo de chofre sobre os titãs combalidos, fulminando-os, esmagando-os. Mas eram terríveis lances, obscuros para todo o sempre. Raro tornavam os que os faziam. Aprumavam-se sobre o fosso e sopeava-lhes o arrojo o horror de um quadro onde a realidade tangível de uma trincheira de mortos, argamassada de sangue e esvurmando pus, vencia todos os exageros da idealização mais ousada. E salteava-os a atonia do assombro... FIM Fechemos este livro. Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados. Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos. Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma perspectiva maior, a vertigem. Ademais, não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que repontassem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos próprios lares, abraçadas aos filhos pequeninos? E de que modo comentaríamos, com a só fragilidade da palavra humana, o fato singular de não aparecerem mais, desde a manhã de 3, os prisioneiros válidos colhidos na véspera, e entre eles aquele Antônio Beatinho, que se nos entregara, confiante — e a quem devemos preciosos esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa história ? Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5.200, cuidadosamente contadas.

terça-feira, 5 de março de 2013

Euclides, a saga de Canudos e a formação do povo brasileiro (1)

Já abordamos anteriormente, a obra de Euclides da Cunha, ao introduzir o seu texto sobre a Independência do Brasil. Resta agora dizer que a sua obra mais conhecida, "Os Sertões", justamente famosa, além de ser um prodígio literário, tentava ir muito além da historiografia e sociologia da sua época, na compreensão do nosso país e de sua formação. Sucintamente: o domínio da oligarquia cafeeira na República Velha produzira, desde cedo, uma estranha historiografia, para a qual o Brasil era a consequência de uma conta de somar: ao território concedido aos portugueses pelo papa Alexandre VI (o notório Rodrigo Bórgia) no Tratado de Tordesilhas, os bandeirantes adicionaram o resto do país. As famílias da oligarquia, segundo seu principal ideólogo, Júlio de Mesquita Filho, eram descendentes dos bandeirantes. Mas não dos bandeirantes reais – que se constituíam em bandos de mestiços que nem falavam português, mas o nheengatu, a língua geral tupi compilada pelos jesuítas, ou a "língua geral paulista", formada a partir do tupi-guarani específico dos tupinambás. Porém, segundo os arautos da oligarquia, os bandeirantes teriam sido nobres portugueses da melhor estirpe, portanto as raízes das famílias oligárquicas estariam em Portugal, na corte de D. Manuel, o Venturoso, ou de D. João I, mestre D’Avis. Toda essa construção ideológica, além de falsa, era ridícula. Sobretudo não se entendia, nela, porque o Brasil deveria ser um país independente. Mas era assim a concepção dominante nos primeiros anos da República, até que a Revolução de 30 terminasse de vez com essa comédia. Alguns autores, no entanto, se opuseram na própria época às falsificações dessa historiografia de ilusões reacionárias. Todo o esforço de Capistrano de Abreu para localizar a origem da nossa civilização na grande curva do São Francisco - "na grande curva traçada a Nordeste por ele antes de se lançar no oceano", como escreveu em "Capítulos de História Colonial" (1907) – é uma polêmica não somente com o historiador-mor do II Império (o visconde de Porto Seguro, Francisco Adolfo de Varnhagen), mas também com a historiografia, dita republicana, da oligarquia cafeeira. No entanto, o cearense Capistrano de Abreu também tinha um lado reacionário que impediu sua influência de ir além de certos limites: o sinal mais agudo disso foi sua recusa a reconhecer importância na Inconfidência Mineira e na figura de Tiradentes, que, em seu principal livro, justamente sobre a história colonial, passam sem menção. Para que se faça inteira justiça, esta não foi sempre a posição de Capistrano. Em seu "Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro" (1878), ele ataca o então recém-falecido historiador favorito de Pedro II, exatamente nesses termos: "A falta de espírito plástico e simpático — eis o maior defeito do Visconde de Porto Seguro. A História do Brasil não se lhe afigurava um todo solidário e coerente. Os pródromos da nossa emancipação política, os ensaios de afirmação nacional que por vezes percorriam as fibras populares, encontram-no severo e até prevenido. Para ele, — a Conjuração Mineira é uma cabeçada e um conluio; a Conjuração Baiana de João de Deus, um cataclisma de que rende graças à Providência por nos ter livrado; a Revolução Pernambucana de 1817, uma grande calamidade, um crime em que só tomaram parte homens de inteligência estreita, ou de caráter pouco elevado. Sem D. Pedro a independência seria ilegal, ilegítima, subversiva, digna da forca ou do fuzil. Juiz de Tiradentes e Gonzaga, ele não teria hesitado em assinar a mesma sentença que o desembargador Diniz e seus colegas" (cf. Capistrano de Abreu, "Ensaios e Estudos (Crítica e História) 1ª série", SCA, Briguiet, 1931, pág. 138). "Os Sertões", de Euclides da Cunha, inscreve-se dentro desta tradição de conhecer e procurar o Brasil naquilo que lhe é mais próprio e legítimo – o seu povo – e não em fantasias de falsa nobreza. Não importa muito que o aparato teórico seja algo inadequado para a tarefa ou, até mesmo, que a consciência do autor seja algo confusa. Há momentos em que Euclides é mais notável pelo que conclui através do sentimento que da teoria, que fica bem atrás desse sentimento. Um excelente exemplo é o seu próprio prefácio: "O jagunço destemeroso, o tabaréu ingênuo e o caipira simplório serão em breve tipos relegados às tradições evanescentes, ou extintas. "Primeiros efeitos de variados cruzamentos, destinavam-se talvez à formação dos princípios imediatos de uma grande raça. Faltou-lhes, porém, uma situação de parada ou equilíbrio, que lhes não permite a velocidade adquirida pela marcha dos povos neste século. Retardatários hoje, amanhã se extinguirão de todo. "A civilização avançará nos sertões impelida por essa implacável ‘força motriz da História’ que Gumplowicz, maior do que Hobbes, lobrigou, num lance genial, no esmagamento inevitável das raças fracas pelas raças fortes. "A campanha de Canudos tem por isto a significação inegável de um primeiro assalto, em luta talvez longa. Nem enfraquece o asserto o termo-la realizado nós, filhos do mesmo solo, porque, etnologicamente indefinidos, sem tradições nacionais uniformes, vivendo parasitariamente à beira do Atlântico dos princípios civilizadores elaborados na Europa, e armados pela indústria alemã — tivemos na ação um papel singular de mercenários inconscientes. Além disso, mal unidos àqueles extraordinários patrícios pelo solo em parte desconhecido, deles de todo nos separa uma coordenada histórica — o tempo. "Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. "E foi, na significação integral da palavra, um crime. "Denunciemo-lo." Pela sua importância, começamos hoje a publicação dos trechos finais de "Os Sertões". Esperemos que sirva de estímulo aos leitores, especialmente aos mais jovens, para que empreendam a leitura de toda a obra. O livro de Euclides, aliás, é um destes que melhor é lido quando de trás para a frente. O motivo é esclarecido pelo próprio autor, que, quando publicou a obra, achou o acontecimento histórico algo desatualizado – daí as duas introduções que fez ao tema: "A terra" e "O homem". Pareceria que, nisso, Euclides se equivocou. No entanto, a campanha de Canudos só não foi esquecida por causa de "Os Sertões". Basta comparar com a difusa memória que temos de um acontecimento semelhante, mas que não teve ainda um grande autor a consagrá-lo: a revolta do Contestado, em Santa Catarina. Por último, uma palavra sobre as dificuldades para estabelecer o texto: para nossa surpresa, as várias edições que consultamos de "Os Sertões" apresentavam diferenças visíveis entre si – palavras que foram substituídas, principalmente. No entanto, Euclides é notável por seu estilo. Como Flaubert, ele tinha a opinião de que a literatura é uma luta constante contra o lugar-comum. Para autores desse tipo, não existem sinônimos: somente a palavra justa ("mot juste", como chamam os franceses), o vocábulo insubstituível em cada contexto, a cada momento, a cada trecho da obra - o que exige, às vezes, um certo esforço do leitor, mas um esforço recompensador. Logo, decidimos nos orientar pela 3ª edição, corrigida pelo próprio autor e publicada em 1905 por Laemmert & Companhia. Usamos um exemplar digitalizado dessa edição, pertencente à coleção Brasilianas, da USP, proveniente da biblioteca José Mindlin. O problema é que isso demandou uma extensa correção ortográfica. Fizemos o trabalho que nos foi possível. Se algo escapou, que nos perdoem os leitores. C.L. EUCLIDES DA CUNHA Reunidos a 30 de setembro os principais chefes militares, concertaram nos dispositivos do recontro para o dia imediato. E, de acordo com os lineamentos do plano adotado, naquele mesmo dia à noite mobilizaram-se as unidades do combate, ocupando, assim, de véspera, as posições para a investida [NOTA DE EUCLIDES: Segundo os mapas dos batalhões havia, no dia 30 de Setembro, 5.871 homens sob as armas]. O assalto seria iniciado por duas brigadas, a 3ª e 6ª, dos coronéis Dantas Barreto e João César Sampaio, a primeira endurada por três meses de contínuos recontros e a última, recém-vinda, de combatentes que ansiavam a medir-se com os jagunços. Aquela deixou, então, a sua antiga posição na linha negra, sendo substituída por três batalhões, 9º, 22º e 34º, e, contramarchando para a direita, seguiu rumo à Fazenda Velha, de onde juntamente com a outra, formada dos 29º, 39º e 4º batalhões, se moveu até estacionar à retaguarda e flancos da igreja nova, objetivo central do acometimento. Completariam este movimento primordial outros, secundários e supletivos: no momento da carga, o 26º de linha, o 5º da Bahia e ala direita do batalhão de S. Paulo, tomariam rapidamente posições junto à barranca esquerda do Vaza-Barris, à ourela da praça, onde se conservariam até nova ordem. À sua retaguarda se estenderiam em apoio os dois corpos do Pará, prontos a substituírem-nos, ou a reforçarem-nos, segundo as eventualidades do combate. De sorte que este, iniciado à retaguarda e aos flancos da igreja, iria a pouco e pouco, deslocando-se para a linha de baionetas que se cosia à barranca lateral do rio, na face sul da praça. Era, como se vê, um arrochar vigoroso - em que colaborariam os demais corpos guarnecendo as posições recém-conquistadas e o acampamento. Interviriam na ação à medida das circunstâncias, ou quando tombassem diante das trincheiras e das barrancas as chusmas de inimigos repulsados. Sobre tudo isto - preliminar preparatória e indispensável - um bombardeio firme, em que entrariam todos os canhões do sítio, batendo por espaço de uma hora a estreita área a expugnar-se. Somente depois que eles emudecessem, arremeteriam as brigadas assaltantes, de baionetas caladas, sem fazerem fogo, salvo se o exigissem as circunstâncias. Em tal caso, porém, devia ser feito na direção única da meridiana, a fim de não serem atingidos os batalhões jazentes nas posições próximas ao conflito. A 3ª brigada, ao toque geral partido do comando em chefe, de "infantaria avançar!", seguiria a marche-marche, procurando o flanco esquerdo da igreja, junto ao qual se estenderia distante cento e cinquenta metros; enquanto dois batalhões da 6ª, o 29º e o 39º, investissem para a retaguarda daquela, e o 4º, transpondo também o Vaza-Barris, a acometesse pelo flanco direito. Os demais combatentes seriam, a não ser que o imprevisto determinasse ulteriores combinações, simples espectadores da ação. O ASSALTO E no amanhecer de 1º de outubro começou o canhoneio. Convergia sobre o núcleo reduzido dos últimos casebres, partindo de longo semicírculo de dois quilômetros, das baterias próximas ao acampamento até ao redente extremo, da outra banda, onde findava a estrada do Cambaio. Durou quarenta e oito minutos apenas, mas foi esmagador. As pontarias estavam feitas de véspera e não havia errar o alvo imóvel. Dava-se, além disto, a última lição à rebeldia impenitente. Era preciso que, francamente desbravado o chão para o assalto, não sobreviessem mais surpresas dolorosas e ele se executasse, de pronto, fulminante e implacável, com os entraves únicos de um passo de cargas sobre ruínas. Fizeram-se as ruínas. Via-se a transmutação do trecho torturado: tetos em desabamentos, prensando, certo, os que se lhes acolhiam por baixo, nos cômodos estreitos; tabiques esboroando, voando em estilhas e terrões, arrombados; e aqui, ali, em começo dispersos e logo depois ligando rapidamente, sarjando de flamas a poeira dos escombros, novos incêndios, de súbito deflagrando. Por cima - toldada a manhã luminosa dos sertões - uma rede vibrante de parábolas. Não havia perder-se uma granada única. Batiam nas cimalhas rotas das igrejas, explodindo em estilhas, ou saltando em ricochetes largos, para diante, sobre o santuário e a latada; arrebentavam nos ares; arrebentavam sobre a praça; arrebentavam sobre os colmos, esfarelando as coberturas de barro; entravam, arrebentando, pelos colmos dentro; basculhavam os becos enredados, revolvendo-lhes os ciscalhos; e revolviam, de ponta à ponta, inflexivelmente, batendo-o casa por casa, o ultimo segmento de Canudos. Não havia anteparos ou pontos desenfiados, que o resguardassem. O abrigo de um ângulo morto formado pelos muros da igreja nova, antepostos aos disparos da Sete de Setembro, era inteiramente destruído pelas trajetórias das baterias de leste e oeste. Os últimos jagunços tinham, intacta, fulminando-os, sem perda de uma esquirola de ferro, toda virulência daquele bombardeio impiedoso. Entretanto não se notou um brado irreprimível de dor, um vulto qualquer, fugindo, ou a agitação mais breve. E quando, dado o ultimo disparo, cessou o fragor dos estampidos, a inexplicável quietude do casario fulminado fazia supor o arraial deserto, como se durante a noite a população houvesse, miraculosamente, fugido. Houve um breve silencio. Vibrou um clarim no alto da Fazenda Velha. Principiou o assalto. Consoante as disposições anteriores, os batalhões abalaram, convergentes de três pontos, sobre a igreja nova. Seguiram, invisíveis, entre os casebres ou pelo thalweg do Vaza-Barris. Um único, pela direção que trilhava, se destacou à contemplação do resto dos combatentes, o 4º de infantaria. Viram-no atravessar a marche-marche, de armas suspensas, o rio; transpô-lo; galgar a barranca e aparecer, alinhado e firme, à entrada da praça. Era a primeira vez que ali chegavam lutadores numa atitude corretamente militar. Feito este movimento, aquele corpo marchou heroicamente, avançando. Mas desarticulou-se, dados alguns passos, num desequilíbrio instantâneo. Baquearam alguns soldados, de bruços, como se se preparassem para atirar melhor por traz dos blocos da fachada destruída: viram-se outros, recuando, fora da fôrma; distanciarem - se, arremetendo para frente, outros; depois um enredado de baionetas entrebatendo-se, em grupos dispersos — erradios. E logo após, pelos ares ainda silenciosos, um estouro, lembrando arrebentamento de minas. O jagunço despertava, como sempre, de improviso, surpreendedoramente, teatralmente e gloriosamente, renteando o passo aos agressores Estacou o 4º, batido de chapa pelos adversários emboscados à ourela da praça; estacaram o 39° e o 29°, ante descargas à queima-roupa, rompentes das paredes ao fundo do santuário; e, pela sua esquerda, imobilizou-se a carga da brigada Dantas Barreto. Fortemente atacada por um dos flancos esta teve que avançar naquele sentido, abandonando a direção inicial da investida, o que foi imperfeitamente conseguido por três companhias dispersas, destacadas do grosso dos batalhões. Modificavam-se todos os movimentos táticos preestabelecidos Ao invés da convergência sobre a igreja, as brigadas paravam ou fraccionavam-se embitesgando nas vielas Durante cerca de uma hora os combatentes que contemplavam a refrega, no alto das colinas circunjacentes, nada mais distinguiram, fora da assonância crescente dos estampidos e brados longínquos — arruido confuso de onde expluíam, constantes, sucessivos, quase angustiosos, abafados clangores de cometas. Desapareceram as duas brigadas, embebidas de todo na casaria indistinta Mas contra o que era de esperar, os sertanejos permaneceram invisíveis e nem um só repontou, correndo para a praça. Atacados entretanto por três lados, deviam, recuando por ali e precipitando - se na fuga, ir de encontro ás baionetas das forças estacionadas nas linhas centrais e beiradas do rio. Era este, como vimos, o objetivo primordial do assalto. Falhou completamente. E o malogro valia por um revez. Porque os assaltantes, deparando resistências com que não contavam, paravam, entrincheiravam-se, e assumiram atitude de todo contraposta á missão que levavam. Quedaram na defensiva franca. Caíam-lhes em cima, desbordando dos casebres fumegantes e assaltando-os, os jagunços. Apenas a igreja nova fora tomada e dentro da sua nave atravancada os soldados do 4º, trepados em montões de blocos e caliça, embaralhavam-se, em tumulto, com os das companhias pertencentes à 3ª brigada. Este sucesso, porém, verificara-se inútil. A um lado, estrepitava, feroz, continua, ensurdecedora, a trabucada dos guerrilheiros, que enchiam o santuário. E a praça, onde devia aparecer o inimigo repelido, ferretoado à baioneta, permanecia deserta. Era urgente ampliar o plano primitivo do recontro, lançando no conflito novos lucradores Do alto da Sete de Setembro partiu o sinal do comando em chefe, e logo depois o toque de avançada para o 5º da Bahia. Lançava-se o jagunço contra o jagunço. O batalhão de sertanejos avançou. Não foi a investida militar, cadente, derivando a marche-marche, num ritmo seguro. Viu-se um como serpear rapidíssimo de baionetas ondulantes, desdobradas, de chofre, numa deflagração luminosa, traçando em segundos uma listra de lampejos desde o leito do rio até aos muros da igreja.