![]() ![]()
A Guerra do Contestado: a luta de um povo contra a usurpação de Farquhar
Na próxima semana, em nossa edição do dia 21, em homenagem a Tiradentes e à Inconfidência Mineira, publicaremos, com o site América do Sol, suplemento sobre a espoliação de nossos minérios.
Hoje, nosso tema é o livro “A Sangrenta Guerra do Contestado”, do jornalista Paulo Ramos Derengoski.
Há tempos estávamos para escrever sobre o trabalho de Derengoski, uma raríssima reconstituição dos fatos de um dos episódios mais desconhecidos da nossa História. Por fim, optamos por expor um extrato da própria obra.
A Guerra do Contestado começou com a usurpação da “Southern Lumber Corporation”, uma gigantesca serraria pertencente ao notório norte-americano Percival Farquhar, sobre as terras da região fronteiriça na época disputada pelo Paraná e Santa Catarina. Em uma região onde o Estado nacional estava ausente, uma extensa área foi expropriada - o que fez a revolta, que tomou forma mística, explodir.
C.L.
PAULO RAMOS DERENGOSKI
Os Sertões do “Contestado”, nos atuais limites entre Paraná e Santa Catarina: seus primeiros habitantes foram índios kaingang e xokleng que ali corriam livremente, pescando e caçando nos afluentes do Iguaçu e do Negro, por entre os verdes vales do rio do Peixe e as escarpas azuladas do morro do Taió.
Só bem mais tarde é que vieram bandeirantes e predadores paulistas, com instruções precisas do preposto colonial do Marquês de Pombal - o Morgado de Mateus - para impedir que bugres guaranis, padres jesuítas, irregulares gaúchos e o rebotalho da soldadesca castelhana fincassem pé na margem direita do rio Uruguai, ocupando os ricos campos nativos da Serra-Acima, onde se espalhava gado selvagem e bagualada xucra.
Assim, desde o início, estabeleceu-se naqueles ermos uma aguerrida frente patriarcal, pastoril e paramilitar.
Com o tempo, o sistema de estratificação social tornou-se rígido. Ali, nos carrascais, a presença da religião era quase nula - e a cruz não chegou a acompanhar de perto a marcha desbravadora da espada, do bacamarte e do chicote, como aconteceu no resto do país.
Na virada do século, acentuou-se a exploração da erva-mate, então exportada em grandes quantidades para o Prata, tornando a área cobiçada por negociantes vindos do Norte.
Nesta ocasião, o governo republicano fez uma grande concessão à “Southern Lumber Corporation” - a maior serraria do mundo — outorgando-lhe quinze quilômetros de terras, campos e pinheirais para cada lado dos trilhos de uma longa e sinuosa ferrovia, que a “South Brazil Railway” e o “Sindicato Farquhar” se comprometiam a construir entre o Paraná e o Sul.
Foi então que milhares de caboclos que estavam ali fixados perderam seus “teres e haveres” do dia para a noite, desalojados para sempre de suas roças miseráveis e de seus ranchos improvisados, criando-se um clima de tensão social.
Até mesmo os médicos e grandes proprietários foram atingidos pela brutal desapropriação. E muitos deles eram imigrantes gaúchos, afeitos às lutas e entreveros do Sul, com a cabeça feita pelas antigas façanhas dos farrapos, com antepassados egressos das campanhas militares fronteiriças.
A “GUERRA”
A Guerra do Contestado — corria o ano de 1912 e muitas foram suas causas remotas e iniciais: aberrações sociais, patologia econômica, questões limítrofes entre estados, arrocho fiscal, surto messiânico, fanatismo religioso, disputas políticas provincianas, luta pela posse de terras, cobiça por pinheirais, açambarcamento de erva-mate, avanço de grupos estrangeiros, grilagem, ignorância, milenarismo, miséria...
Devido à falta da presença física da Igreja na região, o alimento espiritual daquele povo sempre fora fornecido pelos profetas, mandraqueiros, mágicos e benzedores que por ali viviam.
Dentre eles, destacou-se a figura patética de “São” João Maria(e os historiadores depois provariam ter existido mais de um João Maria), milagreiro e líder nato, venerado por populacho de Serra-Acima. Mas foi um de seus discípulos mais ousados — José Maria — quem acendeu o pavio da guerra.
Barbudo, atarracado, cabeçudo, indiático, José Maria havia sido soldado raso da Polícia Militar do Paraná e não era um despreparado, embora trouxesse estampado (no fácies e na fala) os traços característicos da paranoia. Não por acaso, seu livro de cabeceira — do qual nunca se separava — era “Carlos Magno e os Doze Pares de França”, donde tirava histórias fantásticas para contar e recontar aos caboclos embevecidos.
Depois de muito perambular pelo sertão, ele se estabeleceu nos campos do Irani e resolveu “proclamar a monarquia” nos sertões de Taquaruçu.
E o Estado do Paraná, que então cobiçava a região, logo embalou uma expedição militar que seria chefiada pelo coronel João Gualberto, com ordens precisas para dispensar os fanáticos e trazê-los maneados um a um, para fazê-los desfilar nas ruas de Curitiba.
O choque armado que, em breve, iria se travar foi uma escaramuça quase. Um entrevero apenas. Uma pequena fagulha, se comparada com o vasto e incontrolável incêndio que durante quatro longos anos iria se alastrar pelos sertões do planalto em chamas.
A chamada “Guerra do Contestado” foi um dos episódios mais sangrentos da nossa história. Uma saga à altura do grande massacre de Canudos, lá nos sertões do Vaza Barris.
Mas que não teve, a descrevê-la, o talento de um Euclides da Cunha.
CAUSAS
A duplicidade entre o fato e o argumento, entre o sono e o sonho, entre o real e o imaginário, entre o consciente e o inconsciente, sempre foi uma característica dos apocalípticos, dos catastróficos, dos profetas do caos, dos adventistas do “Millenium”.
É só isso que os mantém suspensos entre o céu e a terra - entre o inferno e o paraíso...
Em todo o mundo, das várzeas lamacentas do Ganges aos abismos do delírio místico de Machu Picchu, atravessando os desertos ressequidos da Palestina ou as montanhas escarpadas do Tibet, as promessas messiânicas - seus paraísos e seus infernos - nunca se destinaram a indivíduos isolados, mas sim às grandes coletividades.
O reino milenarista sempre foi - sempre será - um reino futuro: pelo qual se espera em expectativa mística, em respeito, em genuflexão, em sofrimento, em dor... Como veremos a seguir.
AS BAIONETAS DE SANTO ANTONIO
A vitória dos jagunços catarinenses na sangrenta batalha de Caragoatá - em 8 de março de 1914 - alterou completamente a correlação de forças na região contestada com o Paraná.
O incêndio continuou a se alastrar cada vez mais forte, empurrado pelo vento milenar da vingança, crepitando, estalando pelas trilhas do planalto em chamas, alimentado pela fome das alucinações místicas, dos transes - das visões se clareando...
Entusiasmados com os próprios êxitos, novos cabecilhas rebeldes - como o tropeiro Chico Alonso, o rábula Antônio Tavares, o ex-marinheiro alemão Henrique Wolland, o peão Adeodato Ramos e os irmãos Sampaio - fundam outros redutos e se espalham como água pelas veredas do sertão. Desde a margem esquerda do áspero Iguaçu, descendo pelos íngremes vales do Peixe, até as barrancas pegajosas do Uruguai, tudo aquilo era um território em ebulição: um tremedal.
A partir de abril de 1914, audaciosos bandos de fanáticos fortemente armados e sempre com uma fita branca amarrada no chapéu de abas largas - símbolo da “Irmandade Santa” - passaram a varejar as estradas em todas as direções da rosa dos ventos. Invadiam fazendas, preavam animais, confiscaram gêneros e arreios - e ainda submetiam os prisioneiros a brutais julgamentos sumários.
O menor castigo que aplicavam era uma surra de vara de marmelo: sobre as feridas sanguinolentas derramavam salmoura viva. Mas também recorriam à degola pura e simples — o “refresco”, na gíria dos carrascais.
O GENERAL MESQUITA
Tal efervescência logo acionou uma reação ainda mais forte. Um veterano da campanha dos Canudos, o general Carlos Mesquita, recebeu ordens do Rio de Janeiro para se dirigir ao teatro das operações e “liquidar de vez com a agitação fanática”.
Tratava-se de um oficial da velha escola, estudioso da obra de Napoleão Bonaparte e com uma concepção clássica da arte bélica.
Chegando ao local do conflito, ele caiu na realidade: um clima de surdo descontentamento minava toda a região. A tropa estava extenuada - a pé - e a alimentação era rala. O moral era zero: muitos habitantes do lugar achavam que os jagunços eram imbatíveis, que tinham se transformado em “acauãs”, guerrilheiros sagrados da Mãe da Lua, que só apareciam à noite, nas trevas invisíveis. Além disso, os conflitos entre os militares que provinham de outras regiões do país e os potentados locais eram constantes. O próprio general Mesquita chegou a mandar prender - amarrado na roda de uma carreta - um negociante local de erva-mate (de nome Micchinis), acusando-o de “negativamente patriota e supinamente explorador”.
O ATAQUE
No dia 17 de maio de 1914, depois de fazer um rápido levantamento cartográfico da área, o general Mesquita atacou, à frente de 1.700 homens, aos quais haviam se incorporado duas seções de artilharia de montanha. A força atacante se dividiu em duas colunas, e num movimento de pinças cercou o Reduto de Santo Antônio, encravado no alto de um chapadão, cercado de rincões, mataria e itaimbezais. Mas depois de algumas horas de marchas forçadas por entre as galharias, troncos podres e raízes, uma chuva de balas deteve uma das colunas.
Apesar disso, o general Mesquita manteve o plano original e continuou a avançar. Por volta das cinco horas da tarde suas metralhadoras já cuspiam fogo sobre o acampamento rebelde.
Consciente de sua superioridade e rápido na ação, o comandante logo ordenou um assalto à baioneta calada, e antes de a noite cair, o toque de vitória ressoou dentro do reduto - que, no entanto, tinha sido abandonado. Até ali as baixas legalistas tinham sido cinco mortos e três feridos. Doze cadáveres de jagunços foram contados entre os destroços.
Temeroso de um contra-ataque, o general Mesquita mandou levantar acampamento de volta na madrugada de 18 de maio - um dia chuvoso, frio e borrascoso, como acontece nessa época no planalto. Durante a penosa marcha de retorno, a tropa foi alvejada inúmeras vezes por tiroteios esparsos e certeiros, vindos do alto das copas dos pinheirais e do oco das imbuias seculares. Era um aviso de que o jaguncedo não pretendia arredar pé das montanhas.
Assim - antes de terminar - a luta recomeçava. Os canhões ainda abriam fogo com grandes estrondos no interior da mataria: a galhada se quebrava, os troncos despencavam - as cobras se encolhiam em seus ninhos - e os jagunços davam gritos e gargalhadas medonhas. Avisavam: dali não sairiam.
No dia 19 de maio, a tropa do general Carlos de Mesquita entrava em Porto União carregando seus mortos e feridos. Havia arrasado o Reduto de Santo Antônio, mas deixara incólumes as “cidades-santas” de Caragoatá, Tamanduá, Tavares, Perdizes, Aleixo e Santa Maria.
Depois desse episódio, dessa vitória (ou derrota, ninguém sabe), os fanáticos ficaram ainda mais convencidos de que o “exército encantado de São João Maria” - o Colosso - já descia das nuvens do céu para intervir na luta e decidir a sorte da guerra santa.
Para aumentar a confusão, o general Mesquita pediu demissão sumária no dia 29 de maio, dando por encerrada sua missão. Dizia ele textualmente, conforme reprodução do “Relatório Soares” (págs. 47-48): ... “Não me competia mais andar com forças federais à caça de bandidos, como capitão- do-mato do tempo de escravatura. Aos governos compete agora, com suas forças policiais, exterminar os bandidos que apareceram, limpando assim a zona de elementos perniciosos. Em parte a culpa é dos referidos governos... que descuram da instrução, deixando a ignorância campear livremente... chegando o fanatismo a constituir grupos, como o que acabo de liquidar numa vitória inglória...”
Palavras, palavras, palavras...
Mas o fato é que, depois da Expedição Mesquita, a caboclada passou a acreditar como nunca nos sonhos e fantasias de seus profetas, na espera do advento do “Milênio”, na expectativa paradisíaca da ressurreição do “deus dos carrascais...”
O caudal do messianismo engrossava. A loucura desembestava...
|
Sou Bàbá Kytalamy, Afro - Religioso da Nação Vodun Jeje ( Tambor de Mina) Filho do Grandioso João de Guapindaia ( Afro - Religioso, Folclorista) Neto de Manoel Colaço, Filho de Oxóssy com Iansã ( Toy Vondereji com Fina Jóia). Tenho 26 anos de Santo, defensor da Liberdade de Cultos, luta contra intolerância de uma sociedade que não conhece suas raízes afro. Também sou Mestre em Cultura Popular ( Pássaro Junino - Reconhecido pelo Minc)
segunda-feira, 18 de abril de 2016
A Guerra do Contestado: a luta de um povo contra a usurpação de Farquhar
Impeachment de Dilma ainda precisa passar pelo Senado; saiba como vai funcionar
Com o sinal verde dado neste domingo (17) pela Câmara dos Deputados para abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o futuro do mandato presidencial está agora nas mãos dos 81 senadores.
Nesta segunda-feira (18), o processo será enviado ao Senado e no dia seguinte (19) lido no plenário da Casa. Ainda na terça-feira, os líderes partidários deverão indicar os 42 parlamentares que vão compor a comissão que analisará o assunto no Senado, com 21 titulares e 21 suplentes. A comissão tem prazo de 48 horas para eleger o presidente e o relator. Por causa do feriado de 21 de abril, nesta quinta-feira, isso deverá ocorrer somente na segunda-feira (25).
Os integrantes da comissão especial serão definidos conforme a proporcionalidade dos partidos ou dos blocos partidários. A partir daí, o colegiado terá dez dias para apresentar um relatório pela admissibilidade ou não do processo de impeachment. O que ainda não está claro é se são dias corridos ou dias úteis. O parecer será votado na comissão e independentemente do resultado também será apreciado pelo plenário do Senado. Em ambos os casos, a votação será por maioria simples.
Afastamento
Caso aprovada a admissibilidade do processo pelo Senado, o que deve ser decidido entre os dias 10 e 11 de maio, a presidenta Dilma Rousseff será notificada e afastada do cargo por um prazo máximo de 180 dias, para que os senadores concluam o processo. O vice-presidente da República, Michel Temer, assume o posto. Mesmo se for afastada, Dilma manterá direitos como salário, residência no Palácio da Alvorada e segurança. Nesse período, ela fica impedida apenas de exercer suas funções de chefe de Estado.
Assinar:
Postagens (Atom)