segunda-feira, 18 de abril de 2016

A Guerra do Contestado: a luta de um povo contra a usurpação de Farquhar

A Guerra do Contestado: a luta de um povo contra a usurpação de Farquhar
Na próxima semana, em nossa edição do dia 21, em homenagem a Tiradentes e à Inconfidência Mineira, publicaremos, com o site América do Sol, suplemento sobre a espoliação de nossos minérios.
Hoje, nosso tema é o livro “A Sangrenta Guerra do Contestado”, do jornalista Paulo Ramos Derengoski.
Há tempos estávamos para escrever sobre o trabalho de Derengoski, uma raríssima reconstituição dos fatos de um dos episódios mais desconhecidos da nossa História. Por fim, optamos por expor um extrato da própria obra.
A Guerra do Contestado começou com a usurpação da “Southern Lumber Corporation”, uma gigantesca serraria pertencente ao notório norte-americano Percival Farquhar, sobre as terras da região fronteiriça na época disputada pelo Paraná e Santa Catarina. Em uma região onde o Estado nacional estava ausente, uma extensa área foi expropriada - o que fez a revolta, que tomou forma mística, explodir.
C.L.
PAULO RAMOS DERENGOSKI
Os Sertões do “Contestado”, nos atuais limites entre Paraná e Santa Catarina: seus primeiros habitantes foram índios kaingang e xokleng que ali corriam livremente, pescando e caçando nos afluentes do Iguaçu e do Negro, por entre os verdes vales do rio do Peixe e as escarpas azuladas do morro do Taió.
Só bem mais tarde é que vieram bandeirantes e predadores paulistas, com instruções precisas do preposto colonial do Marquês de Pombal - o Morgado de Mateus - para impedir que bugres guaranis, padres jesuítas, irregulares gaúchos e o rebotalho da soldadesca castelhana fincassem pé na margem direita do rio Uruguai, ocupando os ricos campos nativos da Serra-Acima, onde se espalhava gado selvagem e bagualada xucra.
Assim, desde o início, estabeleceu-se naqueles ermos uma aguerrida frente patriarcal, pastoril e paramilitar.
Com o tempo, o sistema de estratificação social tornou-se rígido. Ali, nos carrascais, a presença da religião era quase nula - e a cruz não chegou a acompanhar de perto a marcha desbravadora da espada, do bacamarte e do chicote, como aconteceu no resto do país.
Na virada do século, acentuou-se a exploração da erva-mate, então exportada em grandes quantidades para o Prata, tornando a área cobiçada por negociantes vindos do Norte.
Nesta ocasião, o governo republicano fez uma grande concessão à “Southern Lumber Corporation” - a maior serraria do mundo — outorgando-lhe quinze quilômetros de terras, campos e pinheirais para cada lado dos trilhos de uma longa e sinuosa ferrovia, que a “South Brazil Railway” e o “Sindicato Farquhar” se comprometiam a construir entre o Paraná e o Sul.
Foi então que milhares de caboclos que estavam ali fixados perderam seus “teres e haveres” do dia para a noite, desalojados para sempre de suas roças miseráveis e de seus ranchos improvisados, criando-se um clima de tensão social.
Até mesmo os médicos e grandes proprietários foram atingidos pela brutal desapropriação. E muitos deles eram imigrantes gaúchos, afeitos às lutas e entreveros do Sul, com a cabeça feita pelas antigas façanhas dos farrapos, com antepassados egressos das campanhas militares fronteiriças.
 A “GUERRA”
 A Guerra do Contestado — corria o ano de 1912 e muitas foram suas causas remotas e iniciais: aberrações sociais, patologia econômica, questões limítrofes entre estados, arrocho fiscal, surto messiânico, fanatismo religioso, disputas políticas provincianas, luta pela posse de terras, cobiça por pinheirais, açambarcamento de erva-mate, avanço de grupos estrangeiros, grilagem, ignorância, milenarismo, miséria...
Devido à falta da presença física da Igreja na região, o alimento espiritual daquele povo sempre fora fornecido pelos profetas, mandraqueiros, mágicos e benzedores que por ali viviam.
Dentre eles, destacou-se a figura patética de “São” João Maria(e os historiadores depois provariam ter existido mais de um João Maria), milagreiro e líder nato, venerado por populacho de Serra-Acima. Mas foi um de seus discípulos mais ousados — José Maria — quem acendeu o pavio da guerra.
Barbudo, atarracado, cabeçudo, indiático, José Maria havia sido soldado raso da Polícia Militar do Paraná e não era um despreparado, embora trouxesse estampado (no fácies e na fala) os traços característicos da paranoia. Não por acaso, seu livro de cabeceira — do qual nunca se separava — era “Carlos Magno e os Doze Pares de França”, donde tirava histórias fantásticas para contar e recontar aos caboclos embevecidos.
Depois de muito perambular pelo sertão, ele se estabeleceu nos campos do Irani e resolveu “proclamar a monarquia” nos sertões de Taquaruçu.
E o Estado do Paraná, que então cobiçava a região, logo embalou uma expedição militar que seria chefiada pelo coronel João Gualberto, com ordens precisas para dispensar os fanáticos e trazê-los maneados um a um, para fazê-los desfilar nas ruas de Curitiba.
O choque armado que, em breve, iria se travar foi uma escaramuça quase. Um entrevero apenas. Uma pequena fagulha, se comparada com o vasto e incontrolável incêndio que durante quatro longos anos iria se alastrar pelos sertões do planalto em chamas.
A chamada “Guerra do Contestado” foi um dos episódios mais sangrentos da nossa história. Uma saga à altura do grande massacre de Canudos, lá nos sertões do Vaza Barris.
Mas que não teve, a descrevê-la, o talento de um Euclides da Cunha.
CAUSAS
 A duplicidade entre o fato e o argumento, entre o sono e o sonho, entre o real e o imaginário, entre o consciente e o inconsciente, sempre foi uma característica dos apocalípticos, dos catastróficos, dos profetas do caos, dos adventistas do “Millenium”.
É só isso que os mantém suspensos entre o céu e a terra - entre o inferno e o paraíso...
Em todo o mundo, das várzeas lamacentas do Ganges aos abismos do delírio místico de Machu Picchu, atravessando os desertos ressequidos da Palestina ou as montanhas escarpadas do Tibet, as promessas messiânicas - seus paraísos e seus infernos - nunca se destinaram a indivíduos isolados, mas sim às grandes coletividades.
O reino milenarista sempre foi - sempre será - um reino futuro: pelo qual se espera em expectativa mística, em respeito, em genuflexão, em sofrimento, em dor... Como veremos a seguir.
 AS BAIONETAS DE SANTO ANTONIO
 A vitória dos jagunços catarinenses na sangrenta batalha de Caragoatá - em 8 de março de 1914 - alterou completamente a correlação de forças na região contestada com o Paraná.
O incêndio continuou a se alastrar cada vez mais forte, empurrado pelo vento milenar da vingança, crepitando, estalando pelas trilhas do planalto em chamas, alimentado pela fome das alucinações místicas, dos transes - das visões se clareando...
Entusiasmados com os próprios êxitos, novos cabecilhas rebeldes - como o tropeiro Chico Alonso, o rábula Antônio Tavares, o ex-marinheiro alemão Henrique Wolland, o peão Adeodato Ramos e os irmãos Sampaio - fundam outros redutos e se espalham como água pelas veredas do sertão. Desde a margem esquerda do áspero Iguaçu, descendo pelos íngremes vales do Peixe, até as barrancas pegajosas do Uruguai, tudo aquilo era um território em ebulição: um tremedal.
A partir de abril de 1914, audaciosos bandos de fanáticos fortemente armados e sempre com uma fita branca amarrada no chapéu de abas largas - símbolo da “Irmandade Santa” - passaram a varejar as estradas em todas as direções da rosa dos ventos. Invadiam fazendas, preavam animais, confiscaram gêneros e arreios - e ainda submetiam os prisioneiros a brutais julgamentos sumários.
O menor castigo que aplicavam era uma surra de vara de marmelo: sobre as feridas sanguinolentas derramavam salmoura viva. Mas também recorriam à degola pura e simples — o “refresco”, na gíria dos carrascais.
O GENERAL MESQUITA
 Tal efervescência logo acionou uma reação ainda mais forte. Um veterano da campanha dos Canudos, o general Carlos Mesquita, recebeu ordens do Rio de Janeiro para se dirigir ao teatro das operações e “liquidar de vez com a agitação fanática”.
Tratava-se de um oficial da velha escola, estudioso da obra de Napoleão Bonaparte e com uma concepção clássica da arte bélica.
Chegando ao local do conflito, ele caiu na realidade: um clima de surdo descontentamento minava toda a região. A tropa estava extenuada - a pé - e a alimentação era rala. O moral era zero: muitos habitantes do lugar achavam que os jagunços eram imbatíveis, que tinham se transformado em “acauãs”, guerrilheiros sagrados da Mãe da Lua, que só apareciam à noite, nas trevas invisíveis. Além disso, os conflitos entre os militares que provinham de outras regiões do país e os potentados locais eram constantes. O próprio general Mesquita chegou a mandar prender - amarrado na roda de uma carreta - um negociante local de erva-mate (de nome Micchinis), acusando-o de “negativamente patriota e supinamente explorador”.
 O ATAQUE
 No dia 17 de maio de 1914, depois de fazer um rápido levantamento cartográfico da área, o general Mesquita atacou, à frente de 1.700 homens, aos quais haviam se incorporado duas seções de artilharia de montanha. A força atacante se dividiu em duas colunas, e num movimento de pinças cercou o Reduto de Santo Antônio, encravado no alto de um chapadão, cercado de rincões, mataria e itaimbezais. Mas depois de algumas horas de marchas forçadas por entre as galharias, troncos podres e raízes, uma chuva de balas deteve uma das colunas.
Apesar disso, o general Mesquita manteve o plano original e continuou a avançar. Por volta das cinco horas da tarde suas metralhadoras já cuspiam fogo sobre o acampamento rebelde.
Consciente de sua superioridade e rápido na ação, o comandante logo ordenou um assalto à baioneta calada, e antes de a noite cair, o toque de vitória ressoou dentro do reduto - que, no entanto, tinha sido abandonado. Até ali as baixas legalistas tinham sido cinco mortos e três feridos. Doze cadáveres de jagunços foram contados entre os destroços.
Temeroso de um contra-ataque, o general Mesquita mandou levantar acampamento de volta na madrugada de 18 de maio - um dia chuvoso, frio e borrascoso, como acontece nessa época no planalto. Durante a penosa marcha de retorno, a tropa foi alvejada inúmeras vezes por tiroteios esparsos e certeiros, vindos do alto das copas dos pinheirais e do oco das imbuias seculares. Era um aviso de que o jaguncedo não pretendia arredar pé das montanhas.
Assim - antes de terminar - a luta recomeçava. Os canhões ainda abriam fogo com grandes estrondos no interior da mataria: a galhada se quebrava, os troncos despencavam - as cobras se encolhiam em seus ninhos - e os jagunços davam gritos e gargalhadas medonhas. Avisavam: dali não sairiam.
No dia 19 de maio, a tropa do general Carlos de Mesquita entrava em Porto União carregando seus mortos e feridos. Havia arrasado o Reduto de Santo Antônio, mas deixara incólumes as “cidades-santas” de Caragoatá, Tamanduá, Tavares, Perdizes, Aleixo e Santa Maria.
Depois desse episódio, dessa vitória (ou derrota, ninguém sabe), os fanáticos ficaram ainda mais convencidos de que o “exército encantado de São João Maria” - o Colosso - já descia das nuvens do céu para intervir na luta e decidir a sorte da guerra santa.
Para aumentar a confusão, o general Mesquita pediu demissão sumária no dia 29 de maio, dando por encerrada sua missão. Dizia ele textualmente, conforme reprodução do “Relatório Soares” (págs. 47-48): ... “Não me competia mais andar com forças federais à caça de bandidos, como capitão- do-mato do tempo de escravatura. Aos governos compete agora, com suas forças policiais, exterminar os bandidos que apareceram, limpando assim a zona de elementos perniciosos. Em parte a culpa é dos referidos governos... que descuram da instrução, deixando a ignorância campear livremente... chegando o fanatismo a constituir grupos, como o que acabo de liquidar numa vitória inglória...”
Palavras, palavras, palavras...
Mas o fato é que, depois da Expedição Mesquita, a caboclada passou a acreditar como nunca nos sonhos e fantasias de seus profetas, na espera do advento do “Milênio”, na expectativa paradisíaca da ressurreição do “deus dos carrascais...”
O caudal do messianismo engrossava. A loucura desembestava...

Impeachment de Dilma ainda precisa passar pelo Senado; saiba como vai funcionar

Com o sinal verde dado neste domingo (17) pela Câmara dos Deputados para abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o futuro do mandato presidencial está agora nas mãos dos 81 senadores.
Nesta segunda-feira (18), o processo será enviado ao Senado e no dia seguinte (19) lido no plenário da Casa. Ainda na terça-feira, os líderes partidários deverão indicar os 42 parlamentares que vão compor a comissão que analisará o assunto no Senado, com 21 titulares e 21 suplentes. A comissão tem prazo de 48 horas para eleger o presidente e o relator. Por causa do feriado de 21 de abril, nesta quinta-feira, isso deverá ocorrer somente na segunda-feira (25).
Os integrantes da comissão especial serão definidos conforme a proporcionalidade dos partidos ou dos blocos partidários. A partir daí, o colegiado terá dez dias para apresentar um relatório pela admissibilidade ou não do processo de impeachment. O que ainda não está claro é se são dias corridos ou dias úteis. O parecer será votado na comissão e independentemente do resultado também será apreciado pelo plenário do Senado. Em ambos os casos, a votação será por maioria simples.
Afastamento
Caso aprovada a admissibilidade do processo pelo Senado, o que deve ser decidido entre os dias 10 e 11 de maio, a presidenta Dilma Rousseff será notificada e afastada do cargo por um prazo máximo de 180 dias, para que os senadores concluam o processo. O vice-presidente da República, Michel Temer, assume o posto. Mesmo se for afastada, Dilma manterá direitos como salário, residência no Palácio da Alvorada e segurança. Nesse período, ela fica impedida apenas de exercer suas funções de chefe de Estado.