segunda-feira, 18 de abril de 2011

A devastação do Brasil no governo tucano-neoliberal: uma memória (3)

Diziam que seu Plano penalizou os bancos e beneficiou o povo. Vimos que os bancos que quebraram, empanturrados pela inadimplência parida pelos juros altos e encilhados pelo aperto da liquidez, foram apenas aqueles que o governo pretendia entregar a grupos estrangeiros

NILSON ARAÚJO DE SOUZA

Com os pés no chão estavam os empresários. Depois de mais de um ano de grandes dificuldades, com queda do faturamento e das margens de lucro, suas expectativas em relação ao futuro imediato não eram nada boas. Pesquisa feita pela FIESP, na primeira quinzena de junho, junto a 1.150 industriais paulistas, revelou que apenas 29% dos empresários acreditavam que despontava um início de recuperação econômica ou se caminhava para uma recuperação, enquanto 71% deles avaliavam que a situação estava incerta, indefinida, caminhando para uma recessão ou desindustrialização. De nada adiantaram as perorações da revista Exame, que, tentando prestar um serviço ao governo, buscara, em matéria com chamada de capa, em maio, combater a “onda de pessimismo”. Perguntara: “Estamos tão mal assim?”. O pior é que estávamos. Os empresários estavam retratando a realidade. Ainda não haviam conseguido ultrapassar o choque do fechamento de duas importantes empresas do país, a Sofunge e a Vicunha.

Foi nesse clima que o governo de FH sofreu duas importantes derrotas. Pressionado pela mobilização popular, o Congresso Nacional rejeitou a emenda constitucional que visava quebrar os direitos previdenciários e criou uma CPI para investigar as irregularidades do Banco Central, sobretudo as praticadas por conta do PROER. A reação de FH foi chamar os parlamentares de irresponsáveis e responsabilizá-los pela desvalorização dos títulos brasileiros no exterior, o que, segundo ele, expressaria uma redução da confiança dos financistas internacionais em relação ao Brasil. Tudo o que ele gostava de fazer era de agradar a essa casta financeira.

Nessa época, a CNBB, através da mensagem quaresmal de seu presidente, D. Lucas Moreira Neves, declarou: “Não é justo que se roube o pouco dinheiro dos aposentados, dos pequenos produtores e dos trabalhadores em geral para injetar no sistema financeiro”.

No dia 6 de março de 1996, o plenário da Câmara Federal rejeitou o “pacote” da Previdência, impondo uma importante derrota ao programa do governo Fernando Henrique.

Mas o governo não desistiu: depois das pressões e chantagens de sempre, conseguiu sua aprovação, em primeira instância, no dia 21 de março no plenário da Câmara. Provocado pela oposição, o Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar, suspendeu a votação da Câmara porque, contrariando o artigo 60 da Constituição, o substitutivo reproduzia trechos literais do projeto rejeitado. Estranhamente, em decisão posterior, no começo de maio, o plenário do STF derrubaria a própria liminar, legalizando uma decisão do Congresso que contrariava a Constituição.

Na votação dos destaques, o governo sofreria novas derrotas – manteve-se a aposentadoria proporcional para servidores, derrubou-se a exigência de idade mínima para aposentadoria proporcional para trabalhadores das empresas privadas – e quase foi derrotado em seu objetivo principal: a substituição do “tempo de serviço” pelo “tempo de contribuição” teve apenas um voto a mais do exigido para sua aprovação. O governo conseguiu ao final, depois de muita tensão e algumas derrotas, aprovar seu projeto contra os direitos previdenciários dos trabalhadores, mas não teve força para impor o projeto de seus sonhos: além de substituir o “tempo de serviço” pelo “tempo de contribuição”, o governo queria estabelecer um teto para a contribuição e aposentadoria do servidor público, como forma de abrir espaço para a previdência complementar, que seria administrada pelos bancos. A ampla mobilização dos trabalhadores impediu esse intento governamental de privatizar a Previdência.


CORTES

Premido pelo incontrolável crescimento da dívida pública mobiliária interna (que já atingira R$ 151 bilhões), o governo decidiu cortar investimentos e demais gastos públicos como forma de produzir superávit primário para pagar a “mesada” dos banqueiros.

Ao final do ano, o PIB só havia crescido 2,7% contra 4,2% no ano anterior. A taxa de investimento sofrera pequena baixa: caiu de 16,7% em 1995 para 16,48% em 1996. Enquanto isso, a taxa de desemprego havia aumentado: a do IBGE, mais restrita, subira de 4,6% em 1995 para 5,4% em 1996; ao do DIEESE/SEADE, que soma o desemprego aberto e o oculto, pulou de 13,2% para 14,9% na Grande São Paulo.

A sobrevalorização da moeda seguia alavancando o importacionismo e dando continuidade ao processo de desindustrialização da economia. A participação do produto industrial no PIB baixou de 41,61% em 1993 para 40% em 1994, 36,67% em 1995 e 34,7% em 1996. A outra face da moeda era o aumento da participação dos produtos importados na produção interna: a participação das importações industriais no PIB da indústria de transformação, que já havia subido de 12,1% em 1989 para 20,6% em 1993, atingiu 30,5% em 1996.

Em consequência, conforme levantamento do IBGE, o número de trabalhadores industriais ao final de 1996 era 34,2% menor do que em 1989. Foi isso certamente que inspirou o então ministro da Indústria e do Comércio, o ultraconservador Francisco Dornelles, em palestra para os empresários da FIESP, a qualificar a política de comércio exterior adotada pelo governo de “abertura estabanada, repentina e apressada”.

As decisões do governo também aumentaram o sufoco dos entes federados. A dívida total dos estados, que, por força dos juros altos praticados pelo governo, já havia atingido R$ 92,6 bilhões, implicava em encargos financeiros em torno de R$ 30,6 bilhões por ano (à taxa de juros de 33% ao ano). Isso representaria 56,7% da receita estimada de ICMS (R$ 54 bilhões) para aquele ano. Sua dívida mobiliária havia dobrado nos dois primeiros anos de governo FH, passando de R$ 24,9 bilhões em dezembro de 1994 para R$ 51,7 bilhões em dezembro de 1996. Para seguir pagando esses encargos, os estados estavam deixando de honrar suas folhas salariais e paralisando as atividades da administração. Houve estado que chegou a atrasar os salários por mais de cinco meses. Foi nesse quadro que o governo, através da Lei Kandir, resolveu isentar de ICMS os produtos exportados, confiscando, na prática, cerca de R$ 3,6 bilhões por ano dos estados.

Além disso, para auxiliar o processo de recomposição das dívidas estaduais, em grande medida geradas por sua política de juros altos, o governo de FH impôs condições tão draconianas que não chegaram a ser exigidas sequer pelas metrópoles imperiais de suas colônias ou pelo FMI dos países a quem impõe seu receituário. A condição básica era a doação dos patrimônios estaduais (principalmente, empresas de energia elétrica, de água e saneamento, de telefonia e dos bancos estaduais). Para garantir que essa exigência fosse cumprida, chegou a realizar um verdadeiro processo de intervenção nos estados que não chegou a ser posto em prática sequer quando, na época ditatorial, os governadores eram nomeados. O mecanismo adotado foi a nomeação pelo BNDES de diretores para os cargos–chaves das empresas que iriam ser “privatizadas”.

O governo colheu o que plantou. Apesar de toda a demagogia de que o país já iniciara um novo ciclo de crescimento e de o governo haver preservado no orçamento as verbas destinadas às bases eleitorais de seus deputados, nas eleições municipais de 1996, o partido do Presidente, o PSDB, não elegeu prefeito em qualquer capital importante.


BANCOS


Nem bem as urnas se fecharam, o governo começou a preparar o terreno para apertar mais o cinto. Começou usando o IPEA e o Ministério do Trabalho para alardearem que estaria havendo um violento aumento da produtividade do trabalho: na indústria de transformação, ela teria aumentado 15,17% de junho de 1995 a maio de 1996. E completavam dizendo que a “hipótese mais provável” era que esses ganhos teriam sido transferidos “aos consumidores, via preços baixos”. Isso seria verdade se os preços houvessem caído e o salário real aumentado. Mas não foi isso o que ocorreu. A inflação naquele ano variou de 9% a 10%, a depender do índice. Enquanto isso, segundo a CNI, o salário real dos trabalhadores da indústria brasileira caiu 6,5% entre junho de 1995 e junho de 1996.

Mas os objetivos daquela notícia eram outros. Em lugar de comparar maio de um ano com junho de outro, como eles capciosamente fizeram, comparemos junho de 1996 com junho de 1995. O IBGE nos diz que a produção industrial caiu 5% nesse período; enquanto isso, o nível de emprego industrial, segundo a CNI, caiu 9%. Como a produção caiu menos que o nível de emprego, isso significa que os trabalhadores que permaneceram trabalhando passaram a produzir um pouco mais que antes, ou seja, cada trabalhador aumentou sua produção. Mas, como se percebe, muito aquém dos 15,17% alardeados.

Em segundo lugar, esse pequeno aumento de produção por trabalhador não significa, necessariamente, um aumento da produtividade real, isto é, que tenha resultado de avanço tecnológico. A maior parte desse aumento era fictícia, aparente. De um lado, pressionadas pelos juros altos, o câmbio sobrevalorizado e a concorrência predatória de produtos estrangeiros, as empresas aqui instaladas buscaram reduzir seus custos “terceirizando” parte de suas atividades. Ao enxugar sua folha salarial, viam-se livres de alguns custos trabalhistas. Com menos trabalhadores na própria planta fabril, tudo levava a crer que cada um estava produzindo mais. Na verdade, estava deixando-se de contar os trabalhadores “terceirizados” que também concorriam para a produção.

De outro lado, as transnacionais aqui instaladas, particularmente nas áreas automobilística e eletroeletrônica, passaram a importar de suas matrizes parte significativa dos componentes antes produzidos internamente. Segundo estudo do economista Luciano Coutinho, o “índice de nacionalização” dos produtos da indústria automobilística já baixara de 100% para 85%, caminhando rapidamente para 70%, e, no setor eletroeletrônico, o peso dos insumos importados subira para mais de 50%, alcançando em alguns produtos percentuais ao redor de 70%.

Era impossível um desenvolvimento tecnológico com as empresas locais acossadas por juros estratosféricos, pelo câmbio sobrevalorizado e pelo dumping praticado pelas empresas estrangeiras que estavam exportando para o Brasil. O que estava ocorrendo era que as empresas, sob essa pressão e inseguras em relação ao futuro, demitiam mais do que a queda da produção ou deixavam de contratar quando ocorria alguma melhoria eventual das vendas, optando por pagar horas extras (ou seja, aumentar a jornada de trabalho) ou usando mais intensivamente a força de trabalho existente.

Em síntese, as empresas estavam sendo impelidas não para as formas mais avançadas de obtenção de lucro (baseadas no progresso técnico), mas para as formas típicas da fase inicial do capitalismo (baseadas no aumento da jornada e da intensidade do trabalho, formas mais desbragadas, primitivas e predatórias de exploração da força de trabalho).

Secundando o governo, a revista Veja desencadeou uma campanha em meados de dezembro para provar que estaria havendo um “novo milagre brasileiro”, o qual estaria levando a classe operária – ou, na linguagem do articulista, o “pobre” - ao tão ansiado paraíso. Dizia a revista que estaria havendo uma “mudança revolucionária” no país: os pobres estariam comprando mais e tendo, por conseguinte, “uma vida mais farta”. O resultado seria que “o Brasil já colocou o primeiro sapato no vestíbulo de um novo ciclo de crescimento econômico”. Era uma espécie de repetição, para não dizer um plágio, do que a revista Exame já fizera no mês de maio.

Já vimos que o poder de compra dos que ganhavam menos diminuiu. Mas o governo, no seu costumeiro ilusionismo, divulgou, também através do IPEA, que não apenas preservou como, inclusive, aumentou o gasto público social em 1996: 7,78%. Para chegar a esse número, o órgão incluiu na rubrica de “gasto social federal” as despesas da Previdência Social e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (constituído por recursos dos trabalhadores, como o FGTS e o PIS-PASEP), que, como é fartamente sabido, têm receitas e administração próprias – portanto, independem de decisões do governo central. Segundo o próprio IPEA, os gastos sociais efetivamente sob controle do governo federal diminuíram em relação aos baixíssimos níveis a que os havia levado o governo Collor.

A matéria da Veja afirmava que a fartura havia tomado conta da mesa dos brasileiros mais pobres. No entanto, durante a Feira Internacional de Alimentação de 1997, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentação (ABIA) informou que, no primeiro semestre de 1996, as vendas de alimentos só aumentaram 2% em relação à difícil situação (por todas reconhecida) do primeiro semestre de 1995. A revista fez uma verdadeira apologia da venda de carne. É verdade que cresceram no primeiro momento do Real, porque, em face da forte crise na agricultura, os pecuaristas, endividados ao extremo, passaram a matar até suas matrizes, vendendo a carne a baixo preço, mas o resultado foi a deterioração do rebanho. A queda do salário falou mais alto e, depois da euforia inicial, o consumo de carne começou a cair. Segundo dados da FCESP, as vendas dos açougues cresceram apenas 1,63% de agosto de 1995 para agosto de 1996, mas as dos supermercados caíram 4,36% no período e 5,12% no acumulado do ano. Quanto ao feijão-com-arroz, a própria matéria reconheceu que o consumo caiu 4% desde o início do Real.

Essa peroração de que os “pobres” haviam melhorado de vida com o Real era também uma repetição do que vinham dizendo os homens do governo: citando a quebra dos bancos em 1995, diziam que seu Plano penalizou os bancos e beneficiou o povo. Vimos que os bancos que quebraram, empanturrados pela inadimplência parida pelos juros altos e encilhados pelo aperto da liquidez, foram apenas aqueles que o governo pretendia entregar a grupos estrangeiros.

O articulista da Folha Celso Pinto, repetindo o discurso governista, baseou-se na ressaca bancária de 1995, provocada pela inadimplência generalizada, para tentar demonstrar que, com a derrubada da inflação, os bancos haviam perdido peso na economia (ver matéria “Como o Real afetou os bancos”). Ele não percebeu que, com apoio do governo, eles rapidamente descobriram o caminho das pedras. Já vimos que sua rentabilidade média sobre o patrimônio líquido subiu de 8,5% em 1995 para 21,4% em 1996. Esses ganhos se deveram, em primeiro lugar, às receitas de suas operações com títulos públicos: estudo feito pelo jornal Gazeta Mercantil revelou que, no período 1994/96, 23% das receitas bancárias tiveram essa origem. A dívida mobiliária subiu 185,57% nos dois primeiros anos do governo FH, passando de R$ 61,7 bilhões em dezembro de 1994 para R$ 176,2 bilhões em dezembro de 1996, passando de 20,77% do PIB para 29,32%, conforme dados do Banco Central.

Essa trajetória explosiva da dívida pública recriara o déficit operacional (que inclui o pagamento de juros), que foi de 4,4% do PIB nos dois primeiros anos da gestão FH, acompanhando dali em diante a mesma trajetória explosiva da dívida.

O segundo mecanismo criado pelo governo para premiar os bancos foi a liberação das tarifas bancárias. O mesmo levantamento indicou que as receitas dos bancos com essas tarifas subiu de 2% de sua receita total em 1994 para 13% em 1996. O governo também ajudou os bancos com verbas públicas através do PROER, forçou o Banco do Brasil e a CEF a emprestarem a juros subsidiados rios de dinheiro para os bancos em dificuldades e determinou ao Banco Central que comprasse “moeda podre” dos bancos privados, como o Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS) da carteira de crédito imobiliário. Segundo Lázaro Brandão, presidente do Bradesco, “um terço do lucro foi resultado de uma operação de venda ao Banco Central de créditos de cerca de R$ 1 bilhão contra o FCVS”. Ajudados dessa forma pelo governo, os grandes bancos, além da substancial melhoria da rentabilidade, participaram ativamente, ao lado do capital estrangeiro, do processo de aquisição de empresas não-financeiras: segundo pesquisa da Engenheiros Financeiros & Consultores, os cinco maiores bancos privados (Bradesco, Itaú, Unibanco, Real e Bamerindus), que em 1993 haviam destinado 37% dos seus investimentos a empresas coligadas e controladas fora do sistema financeiro, aumentaram para 48% em 1994, 52% em 1995 e 58% no primeiro semestre em 1996, sendo que o índice do Bradesco chegou a 77%. O setor produtivo brasileiro, além de estar encolhendo, passava crescentemente para as mãos do capital estrangeiro e dos bancos.


DESAQUECER


Não tardou muito para que ficasse claro qual era o objetivo do governo e da Veja com a campanha de que estaria havendo um “novo milagre brasileiro”, alavancado por um espetacular crescimento da produtividade e por uma “febre de consumo”. O então presidente do Banco Central declarou na primeira quinzena de novembro nos EUA que o governo pretendia desacelerar, desaquecer, esfriar, a economia. Em entrevista no Chile pouco depois, FH tentou consertar a inconfidência, mas já era tarde demais. Já havia se tornado público que o governo queria esfriar uma economia que não estava aquecida.

MARTVS ASSUME DIRETORIA NA PALMARES

Brasília - O ex-Secretário de Ações Afirmativas da SEPPIR, Martvs Chagas, é o novo Diretor de Fomento da Fundação Cultural Palmares, instituição vinculada ao Ministério da Cultura, presidida por Elói Ferreira de Araújo, que ocupou o cargo de ministro da SEPPIR até 31 de dezembro do ano passado. Martvs tomou posse anteontem, quinta-feira (07/04), após ter a sua nomeação publicada no Diário Oficial da União.


Um dos principais dirigentes da SEPPIR durante a gestão da ex-ministra Matilde Ribeiro e dos ex-ministros Edson Santos e Elói (chegou a ocupar interinamente o cargo de ministro), Martvs foi exonerado pela nova ministra Luiza Bairros, juntamente com quase todos os dirigentes integraram as equipes dos seus antecessores.


Dirigente do PT mineiro e elogiado por ativistas pela capacidade de diálogo com as várias correntes e articulações do Movimento Negro, Martvs disse que nos próximos dias divulgará seu plano de trabalho para a Diretoria de Fomento da Palmares.