terça-feira, 23 de março de 2010

Santo Daime: mídia deturpa e agride história da única religião genuinamente brasileira

POR MOISÉS DINIZ
A revista Veja acaba de publicar uma sensacionalista reportagem sobre o assassinato do cartunista Glauco Vilas Boas, 53, e de seu filho Raoni, 25. Na reportagem, sem nenhuma base material, a revista acusa o criminoso Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, 24, Cadu, de ter ingerido ayahuasca, levando-o a cometer o crime.
De forma irresponsável e leviana, a revista acusa o uso da ayahuasca como causa do crime e passa a agredir a história dos três líderes que, aqui no Acre, fundaram religiões amazônicas, de raízes indígenas: o mestre Raimundo Irineu Serra, o mestre Daniel Pereira de Matos e mestre Gabriel.
Na tentativa de dar base científica à reportagem, a revista Veja produz um Frankenstein de intolerância religiosa, de desinformação e de preconceito com religiões amazônicas e indígenas. Em nenhum momento cita um estudo científico, com suas fontes e suas provas acadêmicas.
Quando cita a Associação Brasileira de Psiquiatria, não apresenta nenhum especialista, nenhuma fonte demonstrativa ou qualquer prova do que escreve na reportagem. Apenas apresenta a caricatura de um “bacana” com transtorno psíquico, esquizofrênico, que fumava maconha, e que tinha uma mãe e uma tia-avó também esquizofrênicas.
Não apresenta outros casos semelhantes pelo Brasil afora. São mais de 200 centros, entre União do Vegetal e Santo Daime, com mais de 30 mil seguidores. Por que o caso Glauco deveria servir de regra para uma religião que já completou mais de meio século sem um único caso de violência ou morte entre aqueles que a praticam?
Aqui no Acre, entre as igrejas do Alto Santo, Barquinha e União do Vegetal, são milhares de seguidores gozando de elevada qualidade de vida, respeitados socialmente e livres das pragas do alcoolismo e do consumo de drogas.
Aqui no Acre, entre os seguidores do Santo Daime, da UDV e da Barquinha, há juízes e promotores, jornalistas renomados, deputados e prefeitos, médicos e economistas, empresários, professores de universidades, delegados, policiais, membros de academias e de instituições laicas e respeitadas.
Homens e mulheres que estudam, acessam as bibliotecas e estão informados sobre os avanços da ciência, as curvas da economia e da política e as reportagens fantasiosas, levianas, preconceituosas, anticientíficas e mentirosas de Veja.
Milhares de jovens escaparam das grades dos presídios e até da morte porque abraçaram a religião dos entes mágicos da floresta, das ancestrais aldeias indígenas e da fraternidade de viver como irmãos nos dias de louvor, sob a simplicidade de seus hinos e do consumo ritualístico da ayahuasca.
Não há um único caso de agressão física, de violência, de distúrbio ou de morte entre os seguidores da UDV, do Santo Daime ou da Barquinha, em mais de meio século de religião, entre milhares de seguidores.
A revista Veja deturpou tudo: a história e a resistência dos líderes religiosos, o papel espiritual e social que cumpre as igrejas ayahuasqueiras, a origem indígena milenar e a longa tradição de vida saudável de seus membros. A revista Veja só não esqueceu daquilo que está lhe ficando peculiar: escrever com preconceito e leviandade. Veja sequer respeitou a história.
A ayahuasca serviu como base para o estabelecimento de diferentes tradições espirituais por comunidades indígenas nos países amazônicos desde tempos imemoriais. Os povos indígenas utilizaram a ayahuasca como um elo imaterial com o divino que estava entre as árvores, os lagos silenciosos, os igarapés. É que, para eles, a natureza possuía alma e vontade própria.
Povos indígenas do Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador, há quatro mil anos, utilizam a ayahuasca em seus rituais sagrados, como o padre usa o vinho sacramental na Eucaristia e os indígenas bebem o peyote nas cerimônias sincréticas da Igreja Nativa Americana.
O uso ritualístico da ayahuasca é bem mais antigo que o consumo do saquê ou Ki, bebida sagrada do Xintoísmo, usada a partir de 300 a.C, feito do arroz e fermentado pela saliva feminina, sendo cuspida pelas jovens virgens em tachos.
As origens do uso da ayahuasca nos países amazônicos remontam à Pré-história. Há evidências arqueológicas através de potes e desenhos que nos levam a afirmar que o uso da ayahuasca ocorra desde 2 mil a.C.
A utilização da ayahuasca pelo homem branco é uma acolhida da espiritualidade das florestas tropicais, um banho de rio milenar e sentimental do tempo em que os povos amazônicos viviam em fraternidade econômica e religiosa.
Os ataques ao uso ritualístico-religioso da ayahuasca, como bebida sacramental, nos autoriza a afirmar que podem estar nascendo interesses menos inocentes e mais poderosos do que uma simples preocupação acadêmica com a utilização de substâncias psicoativas.
Nunca é bom esquecer que a ayahuasca é uma substância natural exclusiva das florestas tropicais dos países amazônicos e pode alimentar interesses econômicos relacionados a patentes e elevar a cobiça sobre a nossa inestimável biodiversidade.
Não custa nada ficar alerta para essa esquizofrenia da grande mídia em atacar o uso ritualístico-religioso da ayahuasca. É mais fácil roubar um pão numa padaria do que uma hóstia no altar, mesmo que os dois sejam feitos do mesmo trigo. Por que tanto interesse em dessacralizar o uso da ayahuasca?
A ayahuasca é uma combinação química simples e ao mesmo tempo complexa, que envolve um cipó e um arbusto endêmicos do imenso continente amazônico. Simples porque a sua primitiva química material da floresta é realizada por homens comuns, do pajé ao ayahuasqueiro dos templos amazônicos.
Complexa porque envolve a elevação de indicadores psico-sociais de qualidade de vida e
ajuda a atingir estados ampliados de consciência dos usuários. Isso por si só já alça a ayahuasca a um patamar superior no plano do controle científico dessas duas ervas milenares.
Assim, a ayahuasca ganha contornos políticos por envolver recursos florísticos de inestimável valor psico-social e espiritual. Os seus usuários consideram o “vinho das almas” como um instrumento físico-espiritual que favorece a limpeza interior, a introspecção, o autoconhecimento e a meditação.
Utilizar ayahuasca aqui na Amazônia é beber do próprio poço de nossa ancestralidade e da magia que representa a nossa milenar resistência. Aqui na floresta, protegidos pelos entes fortes de nossa religião animista e natural, nossos ancestrais não precisaram “miscigenar” sua fé.
Não foi necessário fazer como os negros escravos, que deram nomes de santos católicos aos seus deuses africanos. Nossos ancestrais indígenas não precisaram batizar Iemanjá de Nossa Senhora ou Oxossi de São Sebastião para se protegerem da fé unilateral do dono da terra e das almas.
É que entre nós a terra era de todos e o único dono era o senhor da chuva, do orvalho e do sol. A beleza coletiva dos recursos naturais era compartilhada por toda a aldeia, do curumim ao sábio ancião.
A ayahuasca era a essência espiritual dessa convivência material fraterna e universal entre as árvores carinhosas, os riachos irmãos, os pássaros cantores, os peixes, as larvas, os insetos, as flores. A ayahuasca ancestral era o elo entre a terra e o espírito.
Se não fosse uma erva espiritual e mágica, trazida pelas mãos milenares dos povos indígenas amazônicos, ela não teria resistido ao tempo. Por isso é natural que a ayahuasca atraia cada vez mais o homem branco, esmagado pelo destrutivo modo de vida urbano, elitista, ocidental, capitalista.
A ayahuasca não é um chá que se consome como se bebe um líquido ácido qualquer. O seu uso é espiritual e envolve aqueles que o utilizam na mais límpida tradição de amar o próximo e reencontrar os valores que perdemos na caminhada do planeta que se dividiu em castas, cores, fronteiras e etnias.
Não entrarei no debate acadêmico sobre o uso de substâncias psicoativas por parte das religiões milenares, das eras pré-colombianas aos templos dos tempos atuais. Não tenho competência para debater os pontos de vista da medicina, da psicologia ou da etnofarmacologia. Ficarei apenas com os resultados do uso milenar da ayahuasca pelos povos indígenas.
A milenar história amazônica não registra casos de morte ou de seqüelas à saúde dos povos indígena por terem utilizado a ayahuasca. Nenhum índio, nesses séculos de consumo da ayahuasca, deu entrada no hospital dos brancos ou foi curado pelos pajés.
A ayahuasca não é “taliban”, seus usuários não constituem nenhuma seita, eles não são fanáticos, não há um único caso de morte ou de castigo físico que tenha sido resultado do seu consumo ritualístico.
O uso ritualístico da ayahuasca não provoca transes místicos ou de possessão. Ela não age no organismo como a antiga bebida hindu, denominada soma, que se divinizou por afastar o sofrimento, embriagando e elevando as forças vitais.
Depois de 4 mil anos de uso sagrado e ritualístico da ayahuasca, os estudiosos da civilização ocidental erguem argumentos anêmicos e endêmicos de uma sociedade que tem medo do “contato” aberto do homem com a natureza. É que eles têm medo da relação amorosa entre o indivíduo e a natureza com os seus elementos poderosos e coletivos.
Os sábios e avançados incas utilizaram a ayahuasca para consolidar-se como povo, como nação e para ajudar no florescimento da cultura, da matemática, da agricultura e da astronomia. Não é qualquer planta ou cipó que faz um povo, uma história milenar, uma religião.
Só não puderam utilizar a sagrada ayahuasca para produzir metálicos fuzis, pois se assim fosse, não teriam sido dizimados pelos invasores espanhóis. Pizarro não consumiu o “cipó dos mortos”, por isso dizimou tantos guerreiros, mulheres índias, donzelas, pajés, curumins.
A ayahuasca resistiu, venceu os invasores e as suas crenças unilaterais, atravessou os séculos, os milênios, unificou as milenares gerações indígenas e suavizou a dor “civilizaria” das eras pós-colombianas.
A ayahuasca é a religião da terra para o céu, da matéria eterna e natural para o infinito do sonho humano, a religião natural. Uma verdadeira e única religião do Brasil, aliás, uma colossal e genuína religião amazônica e indígena.
Encerro esse ensaio com um relato da experiência física de quem fez uso ritualístico-religioso da ayahuasca:
Lembro de tudo nitidamente. Eu via seres de luz carregando lixo da floresta para dentro de uma caminhonete. Muitos seres e muito lixo. Então perguntei para um deles:
- O que é isso?
Um dos seres me respondeu:
- São as suas máscaras, você não pode ver ainda.
Moisés Diniz é autor do livro O Santo de Deus e deputado estadual pelo PCdoB do Acre.Clique aqui e leia os manifestos (de março de 2006) sobre ayahuasca, de autoria do Centro Iluminação Cristã Luz Universal - Alto Santo e do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, os mais tradicionais do Acre.

Carta aberta: S.O.S. Cultura Marajoara!

José Varella *


A seguir, razões históricas de natureza antropoética [merci, Edgar Morin; grãomestre da fraternidade latina e cidadão do mundo] e autodefesa territorial do estado de direito democrático brasileiro na Amazônia atlântica. Cujo escudo além do próprio delta-estuário do grande mar de água doce chamado "país das Amazonas" (Amazônia) -- "mare nostrum" equatorial --, é, naturalmente, o jus solis da monumenta ancestral manifesta na complexidade da antiga Cultura Marajoara, de 1500 anos de idade: "moundsbuilders" da opera do barro e do mistério dos começos do mundo amazônico.

Patrimônio arruinado por desleixo local e cumplicidade global. Alienado por dez réis de mel coado no próprio berço e exilado dentre festas acadêmicas ou contrabando em ricas coleções exóticas de propriedade exclusiva de grandes museus, no País e estrangeiro, que a pobre gente ribeirinha não viu nem ouviu falar... Todavia, por necessidade e acaso, a letra torta de um caboco morador sem eira nem beira da história inventa na filosofia da chuva e tenta agora dar conta tardia do recado dos antepassados.

Primeiro passo, sem ilusões, para uma caminhada talvez de mil léguas... Até ancorar no Araquiçaua [lugar mítico da saga do Bom Selvagem, porto do Sol na Terra sem males] ou renascimento futuro do tempo arqueológico do Arapari reconquistado [país do Cruzeiro do Sul, nosso Brasil pré-colombiano, resgatado no século XXI com as metas do Milênio da ONU].

Petição popular para efeito de responsabilidade socioambiental das nações civilizadas em compensação às pobres regiões da Terra historicamente espoliadas por suas próprias metrópoles e terceiros países imperiais. Tímida iniciativa da academia do peixe frito, pedido de socorro sob invocação do milagroso São Benedito da Praia ou Ossaim (orixá das plantas medicinais), patrimônio imaterial do Ver O Peso: abertura de processo de tombamento da Cultura Marajoara como símbolo magno nacional da cultura da República Federativa do Brasil brasileiro.

Arapari: continente do Cruzeiro do Sul

Durante as antigas navegações indígenas, a gente vinha de canoa a remo ou à vela de jupati -- sob força de vento e maré -- das ilhas do circum-Caribe a conquistar o Arapari (constelação do Cruzeiro), na Terra Firme (continente). A misteriosa palavra de origem astral se aplica a várias coisas na terra, inclusive a certas árvores de boa madeira subindo ao céu equatorial tal qual observatório astronômico. Em língua geral amazônica, a velha palavra tapuia quer dizer "pari do sol" (limite, cerca do dia). Clara astronomia das velhas navegações caraíbas em migração das Antilhas para as Guianas guiadas pelas estrelas em busca do continente Sul.

Era tempo do herói mítico Anakayuri, célebre cacique da legendária confederação do Oiapoque. O mundo se repartia, então, em ilhas e antilhas... Tudo um enorme arquipélago com a maior de todas as ilhas sendo a "grande oval insular" das Guianas (Raja Gabaglia). Na verdade, o sub-continente das Guianas. Do qual o mar do Caribe e o mar de água doce Pará, com todas suas mil e tantas ilhas -- Marajó ao meio -- se integram através da piscosa Corrente marítima das Guianas.

Por outra parte, depois de descer dos contrafortes dos Andes para o litoral meridional do Brasil vinham os tupis e guaranis em migrações guerreiras contra os avoengos Tamoios [tamuya / tapuya] conquistando, palmo a palmo, o dito país do Cruzeiro... Em demanda da utopia selvagem [Yby marãey, terra sem mal]. Assim, entre guerra e paz Norte-Sul, chegou o dia, no Nordeste, em que se enfrentaram pela primeira vez os primeiros conquistadores do Brasil.

O tremendão Tupinambá, de longe o mais valente e aguerrido; empurrou os Jê-Tapuias para o planalto central e fez recuar os aruaques para as Ilhas do Pará, velha Tapuya tetama [Tapuirama, terra Tapuia]. Até aí o tempo antropoético pré-Amazônico, o qual continua até nossos dias coexistente à invenção da Amazônia.

tesouro escondido na foz do rio-mar

Face à crise global-urbana existe chance para enjambrar uma filosofia "amazônica" na constelação de outras regiões de culturas orgânicas "primitivas" ultrajadas pela desmedida arrogância da Civilização? Que pensar, por exemplo, do enigma da incomparável arte primeva da Amazaônia pré-colombiana pisoteada por numerosos e infelizes Planos de Desenvolvimento? 1500 anos contemplam a imensa solidão dos campos da ilha grande do Marajó. Velha Cultura ilhada, abandonada e deixada aos búfalos entre chuvas e esquecimento.. Aí, entretanto, um filósofo humanista e naturalista acharia talvez o elo perdido na passagem do homem natural ao homem lúdico: inventor de cultura "primitiva", engenheiro de aldeias suspensas sobre tesos (colinas artificiais) feitos de barro dos começos do mundo com a lição dos peixes do mato filhos da Cobragrande.

O que isto tem a dizer ao mundo industrial supertecnizado de nossos dias? Por necessidade e acaso, este tesouro da humanidade foi encontrado na foz do maior rio do "planeta Água", no dia 20 de novembro de 1756, informa o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, célebre autor da monumental "Viagem Philosophica" (1783-1792), na separata "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joannes, ou Marajó"(1783).

Refere-se à inspeção que o capitão Florentino da Silveira Frade, sesmeiro da fazenda Ananatuba e fundador da freguesia de N.S. da Conceição da Cachoeira do rio Arari (1747) realizou a serviço do capitão-general e governador do Grão-Pará e Maranhão [Amazônia portuguesa] Francisco Xavier de Mendonça Furtado; diligência prévia para extinção da Capitania hereditária dos barões da Ilha Grande de Joanes (1665-1757) e sequestro das fazendas de gado da Companhia de Jesus na ilha do Marajó (1757). Convém recordar o histórico de luta e resistência das nações indígenas da "Ilha dos Nheengaíbas" [Marajó], que com exceção do comércio de escambo com feitorias holandesas no Amazonas para fins e troca de missangas por gados do rio, nunca aceitaram ocupação estrangeira nenhuma.

Por último, uma confederação de caciques Nheengaíbas [Anajá, Aruã, Camboca, Guaianá, Mapuá, Mamaianá, Pixi-Pixi e outras etnias] tendo à frente o ladino Piié Mapuá aceitou negociar a paz com o célebre payaçu (padre grande) Antônio Vieira. Acordo concluido pela instalação da missão jesuítica das aldeias de Aricará [Melgaço] e Aracaru [Portel] com índios descidos da aldeia do rio Mapuá [Breves], ano de 1659.

Mesmo assim, apesar da primeira explusão dos Jesuítas (1661) com Vieira em desgraça na corte e entregue ao tribunal do Santo Ofício; mais a doação da pacificada ilha dos Nheengaíbas para dar lugar à Capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665) ao secretário de estado Antônio de Sousa de Macedo, por el-rei dom Afonso VI; a ilha do Marajó permaneceu fechada ao colonizador até 1680, quando Francisco Rodrigues Pereira meteu a cara diante ao "perigo dos índios bravios [Aruãs], desertores e escravos fugidos" que existiam nos centros daquela cobiçada ilha, "maior do que o reino de Portugal". Os ditos centros, povoados de índios guerreiros e quilombolas valentes; guardaram o segredo dos tesos do Pacoval do Arari e do rio dos Camutins [urnas funerárias de cerâmica marajoara] por mais um século...

Desde então, com o Diretório dos Índios (1757) e expulsão dos padres (1759), a paz das grandes matriarcas e caciques mortos foi quebrada no alto das necrópoles e antigas aldeias suspensas. Dormiam em silêncio há milhares de anos sobre campos alagados e no secreto recesso de "ilhas" de mata em meios às campinas. Expostos à ignara curiosidade e avidez dos "civilizados", os tesos (sítios arqueológicos) não cessaram nunca de ser arrombados e saqueados na famosa casa da mãe Joana como atesta o Barão de Marajó em seu livro clássico "As regiões amazônicas" do fim do século XIX. Até restar, apesar do aviso da diretora do Museu Nacional, Heloisa Alberto Torres (cf. revista do SPHAN, 1937] no estado lastimável de ruína em que hoje se encontra.

deixem de besteira: venha a nós a Armada Brasileira!

Noves fora a mina de estudos acadêmicos, simpósios e cursos recheados de hipóteses e teorias sobre o homem amazônico para honra de grandes museus e centros de pesquisa sem cheiro de povo, a criaturada grande de Dalcídio Jurandir (populações tradicionais) não pesca nada do assunto. Desta maneira, a ancestral Cultura Marajoara poderia ser o muro das lamentações do Povo Brasileiro se, pelo menos, este tivesse oficialmente amparado o nosso Museu do Marajó como plataforma para educação patrimonial. Coisa que a gente precisa, no sentido de empoderamento de um legítimo e soberano desenvolvimento nacional.

É verdade que São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro ficam distantes do rio Amazonas. Mas, políticamente falando, embora habitando a mesma paisagem cultural Belém do Pará não fica mais perto do Marajó nem tem maior interesse acadêmico neste assunto de preservação da velha Cultura Marajoara do que as ditas metrópoles. Pesquisa expedita comprovaria o que se vem de dizer. E assim se explica a tragédia de fundo no apartheid etnicossocial da Cabanagem (guerra-civil de 1835-1840) e a síndrome evasiva da "cobiça estrangeira"...

Por incrível que pareça, sem muita verba nem verbo o Projeto "Nossa Várzea" de regularização fundiária de terras de marinha, da SPU; já fez mais pelas populações tradicionais das ilhas no sentido de recuperar sua identidade territorial do que os grandes sistemas nacionais de Educação e Cultura juntos. Pois, sabem lá os ribeirinhos da vida do que se está falando? A bacia geocultural Anajás-Arari (polígono de sítios arqueológicos) depois de ter sido berço de uma civilização neotropical deu espaço a lugar de chorar miséria frente a monumentos naturais das nações indígenas da América do Sol, desgraçadamente extintas sob a genocida colonização das terras baixas do trópico úmido sul-americano.

Oxalá, o Brasil democrático decida vir instalar a II Frota verde-amarela na antiga aldeia dos guerreiros Aruãs! A velha etnia senhora das armas das Ilhas, provavel causa do nome "marajó" dado pelo inimigo hereditário Tupinambá em reconhecimento à invencível resistência marajoara. Gente que foi obrigada pelo poder colonial a trocar de nome para "Chaves" importada do velho Portugal a mando do Marquês de Pombal.

Junto com as armas nacionais a oceonografia equatorial e a hidrologia amazônica poderia se desenvolver com a particicipação estratégica daquelas antigas populações marginalizadas. Segundo o fundador do Museu Paraense Emilio Goeldi, Domingos Soares Ferreira Penna, chamavam os Aruãs à sua ilha grande "Analau Yohynkaku"... Mas, os Aruãs não chegaram antes de 1300, dizem os arqueólogos. E já a célebre Cultura Marajoara existe desde o ano 400 enquanto se acham vestígios paleolíticos de 5 mil anos AC e de 9 mil AC em toda a Amazônia...

Então nós não estamos sendo vítimas de um surto de exaltado bairrismo, mas falando da PRIMEIRA CULTURA COMPLEXA DA AMAZÔNIA. Ou seja, do mais antigo Cacicado em região amazônica. Só depois vieram as culturas complexas Tapajós, Maraka e outras menos notáveis, todavia todas importantíssimas para Amazonizar o nosso Brasil brasileiro e sua descolonização total e final após 500 e tontos anos... Lembrando ainda que, provavelmente, foram aruãs as primeiras vítimas de escravidão atacados pelos hispânicos na América do Sul [cf. Nelson Papavero et al. em "O Novo Éden": MPEG, Belém, 2002].

Daí que além de aspectos puramente técnicos-militares a defesa do Estado-Nação envolvendo a criação da II Frota brasileira; há que se ater também a importantes aspectos históricos-geopolíticos capaz de mobilizar a sociedade civil com seus poderosos símbolos de territorialidade e profundas motivações antropológicas subjacentes à invenção da Amazônia debaixo da União Ibérica (1580-1640) e posterior integração ao Estado do Maranhão e Grão-Pará, ocorrida de fato em Marajó na "Pacificação dos Nheengaíbas" (rio dos Mapuá, 1659), lenta transição para a Adesão do Pará à independência do Brasil (Muaná, 28 de Maio de 1823).

Se tudo isto não bastasse para empoderamento democrático pelo Povo Brasileiro da sua Amazônia ancestral, talvez fosse preciso reavivar a memória da construção dos direitos que levaram no plano internacional ao reconhecimento do Mar Territorial brasileiro e definição da Lateral Marítima Norte: onde, sem nenhuma dúvida, conhecimentos de velhos marinheiros e pescadores tradicionais ostentam antiguidade incontestável que se reporta à Casa das Canoas e sua história oral memorizada na cultura popular. Então, o patrimônio imaterial revoluciona o campo do direito e dá sustentabilidade ao "uti possidetis" real de 1750 sob prisma novo, posto que tardio. No qual se ancoram os Direitos Humanos dos Povos Indígenas... Curiosamente, malgrado nossa imperial historiografia chapa-branca!

dando cabo à apartação histórica

Qual o problema da História do Brasil? O descobrimento tardio [através da Constituição de 1988] de que o Índio e o Negro, de direito e de fato, fazem parte da Nação...Não somos um "jovem país" de apenas 500 anos, mas uma velha federação de 1500 anos, pelo menos. Prova da Cultura Marajoara, o primeiro cacicado da Amazônia. Todavia, a partir do momento que a nação brasileira se levanta em defesa soberana da nossa Amazônia a intelligentsia tupiniquim há de despertar e filosofar sobre a amazonidade profunda e a monumenta marajoara assume paternidade da civilização autóctone brasileira.

Claro está que nosso patrimônio cultural imaterial inclui o tempo arqueológico, cujos primórdios se escondem no mito da Primeira Noite do Mundo dentro de um "caroço de tucumã" (Astrocarium vulgare) nos campos de Cachoeira do rio Arari... Como em toda outra periferia da Periferia do processo imperial do Ocidente, na Amazônia o estado precede historicamente à sociedade: regra geral do Novo Mundo.

Então a elite colonizada esbarra em outro preconceito, além do complexo de inferioridade mazomba: a suposta inferioridade do barro "pré-histórico" em relação à pedra pré-colombiana com que o Brasil ficaria irremediavelmente atrás da arquitetura Maya, Asteca e Inca... Esquecemo-nos de que sem a resistência relativa do barro ao calor da decolagem de foguetes não poderia a Terra sonhar ainda na conquista do espaço e ocupação da Lua... Se não dá para levar a ilha do Marajó como navio encantado a reboque de Cobra Norato ao Rio de Janeiro, façamos com que Brasília mande a Marinha do Brasil zelar pelo tesouro de biodiversidade e diversidade cultural que a Ilha do Marajó representa na condição de jóia da coroa na cultura nacional.

Cultura Marajoara, símbolo ancestral do Brasil

Logo, a boa filosofia não pode ignorar o papel histórico da mitologia ou da fé das religiões reveladas na arquitetura das civilizações; também na era global mito e história são inseparáveis como o homem e sua sombra. Não deve fechar os olhos a acontecimentos derivados do passado remoto. No extremo-ocidente na América, caimos na mesma armadilha que o velho Nilo arquitetou em pedra no antigo Egito, com imagem no monumento da Esfinge. Não nos damos conta de que tínhamos uma civilização orgânica, dávida do poderoso Amazonas que Herodoto jamais sonhou...

Chegou a hora do Brasil resgatar a monumenta Marajoara, fazer dela símbolo maior da cultura brasileira recuperada das suas assombrações coloniais depois que a "esperança venceu o medo".Os cabocos marajoaras manifestamos a amazônidade primeva, herdada de nossos ancestrais desde mil anos antes da conquista do "rio das Amazonas". Aos antepassados tapuia o maior rio da Terra era, simplesmente, "O Rio":

"GUIENA - Toponímia histórica do rio Amazonas, sob cuja forma aparece no Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, no artigo XI, além de ser citado em vários autores que trataram da história do grande rio.
Étimo: do aruaco 'uêni', água, rio.
Bibliografia: Tavera-Acosta, "Rionegro", 32; Levy Cardooso, "Glossários", 98.
[ver "Toponímia Brasílica", Armando Levy Cardoso", Biblioteca do Exército Editora: Rio de Janeiro, 1961, 389].

Como os senhores professores deste país sabem, o Tratado de Santo Ildefonso é âncora dos direitos territoriais do Brasil, triunfo diplomático da tese de "uti possidetis" real defendida pelo santista Alexandre de Gusmão nas negociações do Tratado de Madrí (1750) e que fez jurisprudência no campo do direito internacional.

O que poucos sabem é que a palavra indígena "guiuêne" [água], na multidão de línguas amazônicas de tronco Aruak teve registro num texto político internacional, como se fora salva do dilúvio por milagre no afâ de deslindar a geografia colonial com a história viva das populações tradicionais; quando já a singular Cultura Marajoara havia atingido o apogeu para morrer e ressucitar no tempo arqueológico. Prova da antiguidade da civilização amazônica que não pára de causar admiração e suscitar novas experiências, como bem demonstra a arqueóloga Denise Pahl Schaan em seu importante compêndio "Cultura Marajoara", publicado pela editora SENAC, São Paulo (2010). Depois da obra de Schaan (ver www.marajoara.com ) não haverá mais álibi capaz de inocentar a intelligentsia tupiniquim e os políticos brasileiros da grave omissão histórica em questão.

* É de Belém-PA (1937), autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica", "Amazônia Latina e a terra sem mal" e "Breve história da gente marajoara".


No Dia Mundial da Água, 1,2 bilhão de pessoas tem sede

Em 22 de março de 1992, as Nações Unidas divulgaram a “Declaração Universal dos Direitos da Água”, com o objetivo de despertar o interesse e maior consciência das populações e de seus governantes, sobretudo quanto à importância da água para a sobrevivência humana.

No ano seguinte, na mesma data, a Assembleia-Geral da ONU declarou o 22 de março como o Dia Mundial da Água. De acordo com as estatísticas atuais, o planeta deverá alcançar o Objetivo do Milênio de reduzir pela metade o número de pessoas sem acesso à água potável.

A cinco anos do prazo para a meta, que vence em 2015, 87% da população mundial dispõe de fontes de abastecimento de água potável, de acordo com o relatório divulgado na última semana pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Apesar do avanço em relação ao acesso à água potável, os números sobre o saneamento básico ainda são ruins. Mais de 2,6 bilhões de pessoas – 39% da população mundial – continuam sem esse serviço.

De acordo com o documento, o problema ainda mata anualmente 1,5 milhão de crianças de até 5 anos. As crianças e mulheres, segundo a OMS/Unicef, são as mais atingidas pelas dificuldades no acesso à água e na falta de saneamento básico”.

Água contaminada mata

O relatório da ONU afirma que 3,7% das mortes no planeta são causadas por água contaminada, enquanto mais da metade dos leitos dos hospitais são ocupados por pessoas que sofrem com doenças relacionadas à água contaminada.

A ONU enfatiza a necessidade de melhorar o fornecimento de água potável e lembra que aproximadamente 2 bilhões de toneladas de resíduos são despejados diariamente em rios e oceanos, ajudando a proliferação de doenças.

"Se não formos capazes de gerenciar nosso lixo, isso vai significar mais pessoas morrendo de doenças relacionadas à água", disse Achim Steiner, subsecretário-geral e diretor-executivo do programa de meio ambiente da ONU.

O relatório diz que são necessários três litros de água para produzir um litro de água potável e que a água potável nos Estados Unidos requer o consumo de cerca de 17 milhões de barris de petróleo diariamente.

Outros dados mostram que a melhora do gerenciamento da água de reúso na Europa resultou em significativas melhoras ambientais no continente, mas adverte que a quantidade de zonas mortas nos oceanos continuam a se espalhar por todo o mundo. Zonas mortes são áreas sem oxigênio, fenômeno causado pela poluição.

"Se o planeta de 6 bilhões de pessoas deve chegar a 9 bilhões até 2050, precisamos ser mais inteligentes coletivamente sobre como gerenciamos nosso lixo, incluindo resíduos líquidos", disse Steiner.

Além da questão humana, o relatório fala sobre as perdas econômicas decorrentes, lembrando que a falta de água e de instalações sanitárias, apenas na África, são estimadas em US$ 28,4 bilhões, ou cerca de 5% de seu Produto Interno Bruto (PIB).

Direito humano universal

Evo Morales, presidente da Bolívia, pediu nesta segunda-feira à ONU que aprove resolução declarando o acesso à água e ao saneamento básico um "direito humano universal".

Morales leu, durante uma declaração à imprensa, um projeto de resolução que será entregue pela embaixada boliviana ante as Nações Unidas, em Nova York, concidindo com a celebração nesta segunda-feira do "Dia Internacional da Água".

A proposta da resolução diz: "a ONU declara o acesso à água potável e ao saneamento básico como um direito humano universal a fim de que tanto os estados como o sistema das Nações Unidas promovam o respeito a este direito e assegure através de medidas progressivas de caráter nacional e internacional seu reconhecimento e aplicação universais e efetivos".

Na África, 155 milhões sem água

Mais de 155 milhões de pessoas, ou 39% da população da África ocidental e central, não têm acesso a água potável, informou a Unicef, a agência da ONU para a infância, nesta segunda-feira.

Essa região tem a menor cobertura de água potável do mundo, abrigando 18% da população mundial que não tem acesso a água potável.

"Faltando cinco anos para 2015, prazo estabelecido para as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDG), a água e a situação sanitária na África Ocidental e Central continuam sendo uma preocupação", afirma o comunicado da Unicef.

De acordo com a organização, apenas oito dos 24 países da região estão prestes a atingir os objetivos no que se refere ao fornecimento de água: Benin, Burkina Faso, Camarões, Cabo Verde, Gabão, Gana, Guiné e Mali.

No Brasil, cerca de 17 milhões de pessoas ainda não tem acesso seguro à água potável, de acordo com dados divulgados pela Agência Nacional de Águas (ANA).

"A questão da quantidade tem sido mais bem enfrentada. Mesmo no Semiárido, hoje os problemas estão sendo resolvidos, com grandes canais, grandes açudes. No Sul e Sudeste, a questão da qualidade sempre apareceu como o grande problema e no Nordeste começa a preocupar", disse Paulo Varella, diretor da ANA à Agência Brasil.

Segundo levantamento realizado em mais de 2 mil pontos de monitoramento em 17 unidades da Federação, apenas 9% dos pontos foram considerados ótimos. Cerca de 70% têm Índice de Qualidade da Água (IQA) considerado bom; 14%, razoável; 5%, ruim; e 2%, péssimo.

Águas subterrâneas são mais viáveis

Embora a maior parte da superfície da Terra seja coberta por água, 97,5% dela é salgada e encontra-se nos mares e oceanos; 1,7% está sob a forma sólida em geleiras e calotas polares deixando apenas 0,8% disponível para o consumo humano.

Desse total de água potável no mundo, cerca de 4% estão sobre a superfície, em lagos, rios ou, ainda, na forma de vapor. Os outros 96% estão debaixo dos nossos pés, nas águas subterrâneas.

De acordo com o pesquisador Milton Matta, elas seriam a fonte ideal de água para o abastecimento urbano em Belém. E é justamente a qualidade da água que será o tema do Dia Mundial da Água, celebrado nesta segunda-feira, dia 22 de março.

O professor da Faculdade de Geologia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará, Milton Matta, afirma as águas subterrâneas são uma das fontes ideais de abastecimento urbano.

“Além de estar em maior quantidade, essa água é mais pura, está melhor protegida de agentes contaminantes, sofre menos evaporação, apresenta melhor qualidade físico-química e bacteriológica e é mais barata para o consumo", considera.

Para Matta, as águas subterrâneas seriam a melhor fonte de abastecimento para a cidade onde mora, Belém, capital paraense. "Isso porque sua exploração se orienta para a implantação de pequenas redes de distribuição, portanto, mais econômicas, fáceis de construir e de manter. É ideal para o abastecimento de Belém”, argumenta.