sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A Carta-testamento: o maior libelo da História do Brasil

No início de agosto de 1954, tudo indicava que o governo do presidente Getúlio Vargas havia derrotado a conspiração golpista que começara antes mesmo de sua posse (a quatro meses das eleições presidenciais, Carlos Lacerda escreveu em seu jornal, a Tribuna da Imprensa: “O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.
Em junho, uma tentativa de impeachment não conseguira o apoio nem ao menos de toda a UDN – fora derrotada por 136 votos contra e 35 votos a favor.
Mas, em 5 de agosto, os golpistas conseguiram um cadáver, o de um major que fazia a segurança de Lacerda – e uma farsa, a história de um suposto atentado contra Lacerda, hoje completamente insustentável, após o trabalho dos repórteres Palmério Dória e Hamilton Almeida Filho (“Mataram o Presidente!”, Editora Alfa-Omega, 1978) e do pesquisador Ronaldo Conde Aguiar (“Vitória na Derrota – A Morte de Getúlio Vargas”, Ed. Casa da Palavra, 2004). Para uma síntese, ver HP, 28/08/2005.
No dia 24 de agosto, o presidente Getúlio sacrificava sua vida – e sua carta-testamento se tornaria o documento mais importante, mais candente e mais profundo de toda a História do Brasil. É este texto que hoje republicamos.
Getúlio havia explicitado a posição que posteriormente nortearia seu governo em maio de 1947, discursando no Senado. Disse ele:
“O que existe por parte de alguns homens em nosso país, arvorados em líderes da economia nacional, é apenas um acentuado complexo contra o trabalhador brasileiro. Acham que ele não deve ser operário nas fábricas, que o Brasil não deve ter indústria, que é indispensável destruir toda e qualquer possibilidade de trabalho fora dos campos. O Brasil, no conceito desses homens, deve ser uma nação essencialmente agrícola. O operário deve mudar de profissão, pelo que pretendem, ou então voltar ao regime de escravatura”.
Durante a campanha eleitoral, tornou mais nítidos os seus pontos de vista. Em 10 de agosto de 1950, discursaria em São Paulo:
“O que existe, defendida intransigentemente pelos velhos partidos, com novos rótulos, é a democracia política, baseada em leis que lhe asseguram o gozo de privilégios para oprimir e explorar o trabalho alheio. O trabalhismo brasileiro surgiu, assim, como uma afirmação contra a máquina montada em nome da liberdade política, com sacrifício da igualdade social”.
A questão fundamental era clara para ele há muito tempo. Em 1944, ao se referir às relações econômicas com os EUA no pós-guerra, havia enunciado:
“Não podemos admitir a hipótese de que terminada a guerra e depois de tantos sacrifícios venham a persistir nas relações entre os povos os mesmos processos condenáveis de dominação econômica. (…) E nem vale a pena pensar em que desorganização caótica, de revoluções e perturbações, mergulhará o mundo de novo se não for ouvida a voz da razão e não nos convencermos de que não é possível a hegemonia de nenhum povo ou raça, isoladamente, sobre os demais”.
A eleição, além da vitória esmagadora de Getúlio, confinou a UDN a três governos estaduais - Alagoas, Mato Grosso e Paraná. Num quarto, o Pará, a UDN venceu em coligação com o PSP, de Ademar de Barros, que apoiava Getúlio.
Apesar disso, a campanha golpista começou logo em seguida – para isso, funcionava no Rio de Janeiro o “Escritório Monsen”, uma suposta empresa de advocacia pertencente à Standard Oil, que tinha como um de seus principais membros o genro do diretor da Hollerith, uma subsidiária da IBM.
A questão, confessada depois pelo próprio Lacerda e por Eugênio Gudin – o mais notório defensor da nossa suposta “vocação agrícola” - era impedir que a política de Getúlio se tornasse “permanente”, se consolidasse como o programa do Estado e da Nação brasileira naquela nova fase da nossa história.
Para isso, a conspirata golpista seguiu por três lados: a tentativa de isolar o governo das Forças Armadas; a tentativa de privar Getúlio de qualquer órgão de comunicação com o povo; e a tentativa de isolá-lo do empresariado nacional.
O primeiro episódio não poderia ser mais claro sobre o caráter dos golpistas: a campanha contra o ministro da Guerra, general Newton Estillac Leal, por sua oposição a que o Brasil enviasse tropas para ajudar os EUA na agressão à Coreia. Em dezembro de 1951, o presidente decidiu, definitivamente, que o Exército Brasileiro não iria coadjuvar a agressão.
No mesmo mês, Getúlio enviou ao Congresso o projeto inicial de criação da Petrobrás. Isso iniciaria dois anos de luta pela aprovação.
Em 31 de dezembro de 1951, o presidente denunciou a escandalosa remessa de lucros das empresas estrangeiras. Logo em seguida, a 3 de janeiro de 1952, ele assinaria um decreto limitando em 10% dos lucros as remessas para o exterior. Os EUA, imediatamente, ameaçaram suspender todos os financiamentos ao Brasil. Mas o presidente manteve o decreto.
Enquanto isso, a oposição dos militares brasileiros a que fossem morrer pelos norte-americanos na Coreia e seu apoio à Petrobrás foram tachados de “comunistas”. A questão era atrair, neutralizar e intimidar oficiais com essa cruzada, para fazer com que o Ministério da Guerra ficasse em mãos cada vez menos firmes – em 1952, Estillac Leal sai do ministério.
Era impossível, no entanto, derrubar o governo sem isolá-lo do povo, portanto, tentar destruir o único jornal com que Getúlio contava, a “Última Hora”, de Samuel Wainer.
Em abril de 1953, Lacerda publicou uma acusação falsa, a de que Wainer não havia nascido no Brasil: a Constituição de 46 proibia a propriedade de órgãos de comunicação por estrangeiros ou brasileiros naturalizados. O serviçais do escritório da Standard Oil acusavam Wainer de ser... estrangeiro.
Em seguida, a acusação passou a ser a de que o jornal tinha obtido créditos bancários para se viabilizar. Exigiam da empresa que fosse a única no mundo a sobreviver sem empréstimos. Por fim, acusavam o governo de favorecer o jornal. Com sua falta de escrúpulos, Lacerda inventou um crédito de Cr$ 300 mil que teria sido concedido pelo Banco do Brasil ao “Última Hora” sem que Wainer tivesse que pagá-lo. Além disso, um aval cambial para importação de papel de imprensa, que o BB estava, por lei, obrigado a conceder, foi chamado de “empréstimo”.
No entanto, a “Última Hora” era o jornal que devia menos ao BB – a dívida executável era de 8 mil cruzeiros. Já os “Diários Associados”, de Chateaubriand, deviam CR$ 162 milhões ao BB; “O Globo”, somente nos dois anos anteriores, tinha obtido US$ 1.022.211,00 do BB em sucessivos empréstimos, dando sempre como garantia uma mesma velha impressora, e sem quitar durante esse período sequer o primeiro desses empréstimos. O próprio jornal de Lacerda, insignificante quanto à tiragem, era devedor do BB.
O próximo alvo foi o Ministério do Trabalho, encabeçado por João Goulart.
A 8 de março de 1953, o “The New York Times” iniciou, em editorial, a campanha contra Jango, mais jovem ministro da História da República, logo copiada pela imprensa golpista interna.
Em seu primeiro ano de governo, Getúlio havia aumentado o salário mínimo – que ficara sem nem ao menos reajuste durante oito anos - de 380 cruzeiros para 1.200 cruzeiros. Agora, na iminência de outro aumento, a ser concedido em maio de 1954, foi inventada uma peculiar teoria, segundo a qual o aumento não poderia ultrapassar a inflação, isto é, não poderia haver aumento real, sob pena do empresariado ir à falência.
Diante da gritaria que conseguiu envolver setores do empresariado e alguns militares de prestígio - o chamado “manifesto dos coronéis” -, Jango resolveu demitir-se para privar a conspiração de um alvo e impedir que o governo fosse paralisado. Mas o aumento de 100% foi decretado no dia 1º de maio de 1954 - e nenhuma empresa faliu por causa dele. Pelo contrário, representou a expansão do mercado interno para essas empresas.
Nesse primeiro de maio, olhando para algumas décadas mais tarde, Getúlio afirmou:
“Constituís a maioria. Hoje estais com o governo. Amanhã sereis o governo. A satisfação dos vossos reclamos, as oportunidades de trabalho, a segurança econômica para os vossos dias de infortúnio, o amparo às vossas famílias, a educação dos vossos filhos, o reconhecimento dos vossos direitos, tudo isso está ao alcance das vossas possibilidades. Não deveis esperar que os mais afortunados se compadeçam de vós, que sois os mais necessitados. Deveis apertar a mão da solidariedade, e não estender a mão à caridade. Trabalhadores, meus amigos! Com consciência da vossa força, com a união das vossas vontades e com a justiça da vossa causa, nada vos poderá deter”.


Carta-testamento

“Mais uma vez, as forças que os interesses contra o povo coordenaram novamente, se desencadeiam sobre mim.
Não me acusam, me insultam; não combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei um regime de liberdade social. Tive que renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se a dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, e mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma. A Eletrobras foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o governo dentro da espiral inflacionária, que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de cem milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma agressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. As aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem sentireis minha alma sofrendo a vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para realização. Meu sacrifício nos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta.
Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia, não abateram meu ânimo. Vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”


GETÚLIO VARGAS

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

São consideradas religiões afro-brasileiras

todas as religiões que tiveram origem nas Religiões tradicionais africanas, que foram trazidas para o Brasil pelos negros africanos, na condição de escravos.
• Babaçuê - Pará
• Batuque - Rio Grande do Sul
• Cabula - Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
• Candomblé - Em todos estados do Brasil, sendo a aglutinação de todas as Nações.
• Culto aos Egungun - Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo
• Culto de Ifá - Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo
• Macumba - Rio de Janeiro
• Omoloko - Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo
• Quimbanda - Rio de Janeiro, São Paulo
• Tambor-de-Mina - Maranhão, Pará e Manaus
• Terecô - Maranhão
• Umbanda - Em todos estados do Brasil
• Xambá - Alagoas, Pernambuco
• Xangô do Nordeste - Pernambuco

As religiões afrobrasileiras na maioria são relacionadas com a religião yorùbá e outras religiões tradicionais africanas, é uma parte das religiões afro-americanas e diferentes das religiões afro-cubanas como a Santeria de Cuba e o Vodou do Haiti pouco conhecidas no Brasil.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O início da Era Vargas segundo Stefan Zweig

“Brasil, País do Futuro” é um livro, fundamentalmente, sobre as transformações que ocorriam em nosso país a partir da Revolução de 30. Como tal, tornou-se um livro detestado por todos os mentalmente dependentes de metrópoles externas. No entanto, é o melhor livro até hoje já escrito sobre o Brasil por um autor que não nasceu aqui - não fosse este Stefan Zweig.
Em sua época, Zweig foi a síntese das melhores virtudes do humanismo europeu. Quando Sigmund Freud faleceu, exilado em Londres após a ocupação da Áustria pelos nazistas, houve apenas dois discursos em seu funeral: um deles em nome dos psicanalistas, de Ernest Jones; o outro, em nome da intelectualidade europeia, de Stefan Zweig.
Ele foi, como ressaltou Afrânio Peixoto em 1941, no prefácio à primeira edição brasileira do livro de Zweig sobre o Brasil, o escritor mais lido do mundo entre as duas guerras mundiais – e, além das biografias que escreveu, suas novelas (“Amok”, “Carta de uma desconhecida”, “Xadrez”) e seu único romance, “Êxtase da Transformação”, publicado muito depois de sua morte, estão entre as obras-primas de um período especialmente rico da história da literatura.
O texto que publicamos hoje é condensação de uma parte de “Brasil, país do futuro”. Usamos a conhecida e excelente tradução de Odilon Galotti – apenas reorganizamos os parágrafos para melhor leitura em jornal e suprimimos alguns trechos por razões de espaço.
Trata-se de um país diferente do nosso – e, no entanto, é, essencialmente, o nosso, em plena transformação impulsionada pelo primeiro governo do presidente Getúlio Vargas.
Zweig esteve no Brasil, pela primeira vez, em 1936. Como ele mesmo conta: “Eu tinha, sobre o Brasil, a ideia pretensiosa que, sobre ele, tem o europeu e o norte-americano (…). E com surpreendente velocidade desvaneceu-se a presunção europeia que muito superfluamente trouxera como bagagem. Percebi que havia lançado um olhar para o futuro do mundo”.
Nessa época, ele já era um dos homens mais odiados pelos nazistas. Como Freud e Einstein, Zweig era daqueles cidadãos de origem judaica que, ao contrário dos sionistas, recusaram viver num gueto e se integraram ao que havia de melhor na cultura europeia, o que ele expressou sinteticamente: “Meu pai e minha mãe eram judeus por um acidente de nascimento”.
É interessante, portanto, uma observação desse irredutível antinazista sobre o Estado Novo:
“... hoje, que o Governo é considerado como ditadura, há aqui mais liberdade e mais satisfação individual do que na maior parte dos nossos países europeus. Por isso na existência do Brasil, cuja vontade está dirigida unicamente para um desenvolvimento pacífico, repousa uma das nossas melhores esperanças de uma futura civilização e pacificação do nosso mundo devastado pelo ódio e pela loucura. Mas onde se acham em ação forças morais, é nosso dever fortalecermos essa vontade. Onde na nossa época de perturbação ainda vemos esperança de um futuro novo em novas zonas, é nosso dever indicarmos esse país, essas possibilidades”.
Zweig e sua esposa, Charlotte, que escolheram o Brasil como sua residência em 1941, infelizmente, não tiveram forças para chegar até a derrota do nazismo. No bilhete de despedida, Zweig escreveu:
“Antes de deixar a vida, de livre vontade e juízo perfeito, uma última obrigação se me impõe: agradecer do mais íntimo a este maravilhoso país, o Brasil, que propiciou a mim e à minha obra tão boa e hospitaleira guarida. A cada dia fui aprendendo a amar mais e mais este país, e em nenhum outro lugar eu poderia ter reconstruído por completo a minha vida, justo quando o mundo de minha própria língua se acabou para mim e meu lar espiritual, a Europa, se auto-aniquila. Mas depois dos sessenta anos precisa-se de forças descomunais para começar tudo de novo. E as minhas se exauriram nestes longos anos de errância sem pátria. Assim, achei melhor encerrar, no devido tempo e de cabeça erguida, uma vida que sempre teve no trabalho intelectual a mais pura alegria, e na liberdade pessoal, o bem mais precioso sobre a terra. Saúdo a todos os meus amigos! Que ainda possam ver a aurora após a longa noite! Eu, demasiado impaciente, vou-me embora antes. Stefan Zweig. Petrópolis, 22. II. 1942”.


C.L.

STEFAN ZWEIG

Também no século vinte cumpre-se outra vez a lei, por assim dizer, peculiar deste país, a saber, o Brasil necessita sempre de crises para conduzir sua economia a uma transformação enérgica. Dessa vez, são, para sua felicidade, não mais crises no próprio país e sim as duas catástrofes de além mar, as duas guerras europeias, que dão impulso à sua estratificação econômica. A primeira grande guerra mostra ao Brasil o perigo de haver ele concentrado de modo decisivo quase toda a sua produção para exportação num único produto e não ter desenvolvido suas indústrias. A exportação do café cessa, com isso é ligada subitamente a artéria principal e Estados inteiros já não sabem para onde mandar seus produtos; doutra parte, muitos produtos manufaturados de necessidade quotidiana, em vista da insegurança dos mares e do encarecimento motivado pela guerra, já não são importados. A balança comercial inteira, porque está montada sobre a compra de bilhões de grãos de café brasileiro com demasiada unilateralidade, com demasiada despreocupação e sem se dar atenção ao equilíbrio interior, começa a oscilar perigosamente, e isso obriga o Brasil a modificar-se e a voltar-se para, ao menos, algumas indústrias.
Esse impulso, uma vez iniciado, mostra-se vigoroso; durante todos esses últimos anos em que a infeliz Europa está constantemente tolhida por medo de guerra e preparativos de guerra, um grande número de artigos de indústria mecânica ou manual, que antes eram importados da Europa, são fabricados no país, e prepara-se certa autarquia. Quem, após alguns anos de ausência, volta ao Brasil, fica surpreso de ver quantos artigos estrangeiros já foram substituídos por nacionais e de como o país, nas medidas de organização, em tão curto prazo soube também tornar-se independente de instrutores e diretores estrangeiros. Graças a esse preparo, a segunda grande guerra já não feriu tão de cheio a economia do Brasil quanto a primeira. Também desta vez foi inevitável uma queda do preço do café e de muitos outros produtos agrícolas, mas a recente baixa do preço do café não arruinou São Paulo como outrora o fez a cessação do ouro com as cidades de Minas Gerais e a catástrofe da borracha com a Amazônia. Já a indústria brasileira aprendera a sabedoria do velho provérbio inglês, segundo o qual não devem carregar-se todos os ovos num só cesto, e já se colocara sobre uma base mais firme do que a que é constituída por um único artigo de monopólio ou artigo central sujeito a todas as oscilações do mercado mundial.
Manteve-se o equilíbrio, porque o prejuízo numa linha pode ser compensado pelo desenvolvimento nitidamente crescente da indústria, que produz, em proporções cada vez maiores, no próprio país e com material seu, grande parte do que anteriormente este tinha que importar da Alemanha e dos outros países que agora estão bloqueados.
É sempre perigoso lançar do presente um olhar para o futuro. Com seus cinquenta milhões de habitantes, seu imenso território e uma das mais grandiosas atividades colonizadoras da Humanidade, o Brasil está hoje apenas ainda no começo de seu desenvolvimento. As dificuldades que se opõem a seu desenvolvimento definitivo, ainda absolutamente não estão vencidas, e, apesar de intenso trabalho, algumas delas ainda são consideráveis. A fim de poder avaliar bem esse trabalho realizado durante séculos, exige a justiça que também se considerem os obstáculos que a ele se opuseram e continuam a opor-se; não há melhor índice da força de vontade de uma pessoa, bem como da de um povo, do que as dificuldades que num trabalho físico ou moral têm que ser vencidas.
Das duas dificuldades principais que têm impedido o Brasil de empregar a totalidade de suas energias potenciais, uma é patente, ao passo que a outra a princípio se oculta ao olhar superficial. O perigo oculto e perverso para a completa manifestação de suas energias está no estado de saúde da população, o qual nem é silenciado nem menosprezado pelo Governo. O Brasil, este país pacífico, tem dentro de si alguns inimigos encarniçados que anualmente lhe roubam ou debilitam tantos habitantes quanto o faz uma campanha num país em guerra. Tem que lutar constantemente contra bilhões de seres diminutos e apenas visíveis, contra micróbios, mosquitos e outros perversos causadores e veiculadores de doenças.
Todas essas doenças, mesmo que não tenham necessariamente êxito letal, causam uma enorme diminuição da capacidade de produção. Principalmente no norte, essa capacidade, já diminuída pelo clima, é, em grande parte, muito inferior à europeia e à norte-americana, e, se a estatística dá para o Brasil quarenta a cinquenta milhões de habitantes, a atividade produtiva desse número de pessoas absolutamente não corresponde à de um mesmo número de norte-americanos, japoneses ou europeus, a qual se realiza com uma quota muito mais elevada de indivíduos hígidos e em melhores condições climáticas. Um número espantosamente grande de pessoas continua a não cooperar aqui na vida econômica nem como produtor, nem como consumidor; segundo a estatística, o número de pessoas sem ocupação ou sem determinada ocupação orça por 25 milhões (Simonsen: “Níveis de vida e a economia nacional”). Incorporar essa massa inatingível de gente das florestas do Amazonas e do interior dos Estados marginais, tanto no ponto de vista da economia como no da saúde, na vida nacional, é um dos maiores problemas de que hoje o Governo já muito se ocupa e que, para sua solução definitiva, ainda exigirá decênios.
O homem, considerado como energia produtiva, pois, absolutamente ainda não está aproveitado no Brasil e tão pouco o está o solo com todas as suas riquezas que se acham na sua superfície ou abaixo dela. Nesse caso a dificuldade é patente e não está oculta como no caso das doenças que causam obstáculos à economia nacional. Ela é determinada pela desproporção que ainda continua existir entre a área, o número de habitantes e os meios de transporte. Não devemos deixar ofuscar-nos pela organização modelar e pela civilização moderna do Rio ou de São Paulo, onde são sem conta os arranha-céus e há dezenas de milhares de automóveis. A duas horas de viagem da costa, às modelares estradas asfaltadas se seguem estradas bastante más que, após um dos tão frequentes aguaceiros tropicais, por alguns dias se tornam intransitáveis ou quase intransitáveis para veículos, e começa o sertão, a zona que ainda não está verdadeiramente civilizada. Toda viagem para direita ou para esquerda da estrada principal torna-se uma aventura. As estradas de ferro não penetram suficientemente o território e com suas três bitolas diferentes são mal ligadas entre si; além disso, são tão lentas e tão pouco práticas que do Rio se vai tanto a Porto Alegre como à Bahia ou a Belém mais depressa de navio do que por essas estradas de ferro. Os grandes rios como o São Francisco e o Rio Doce são rara e insuficientemente navegados, e em consequência disso grandes e importantes partes do país, desde que não haja o recurso do avião, verdadeiramente só podem ser atingidas por expedições individuais.
Esse gigante, pois, continua a sofrer de uma constante perturbação circulatória: o sangue não percorre uniformemente todo o seu organismo, e partes importantes dele são inteiramente aplásicas. Por isso os mais preciosos produtos jazem mudos e ainda inaproveitados no subsolo. Sabem-se hoje exatamente os lugares onde eles existem, mas de nada valerá extraí-los enquanto não houver a possibilidade de os transportar. Onde há ferro, falta a estrada de ferro ou o navio a fim de transportar carvão para ali; onde a criação de gado poderia prosperar abundante e facilmente, falta a possibilidade de transporte para o gado. É um verdadeiro círculo vicioso. A produção não pode desenvolver-se com a conveniente velocidade, porque faltam estradas, e estradas, por sua vez, não podem ser rapidamente construídas, porque à sua dispendiosa construção e conservação no solo acidentado e pouco povoado ainda não corresponderia um tráfego lucrativo, compensador. Acresce ainda a singular fatalidade de que para o novo meio de transporte, o automóvel, o Brasil do século vinte não possui em seu solo o combustível, o petróleo, como não possuía no século dezenove o carvão, e todo o combustível para automóvel, desde que não seja o álcool, tem que ser importado.
Mas, se as dificuldades são grandes – elas o foram desde o primeiro dia e continuaram verdadeiramente a ser as mesmas – mil vezes ainda maiores são as possibilidades desta poderosa e abençoada parte do globo terrestre. Precisamente porque a capacidade das energias potenciais aqui, absolutamente ainda não está aproveitada, representa ela uma imensa reserva não só para este país, mas também para a Humanidade inteira. Contra as circunstâncias que retardam o seu desenvolvimento, um verdadeiro taumaturgo se pôs ao lado do Brasil para o auxiliar, a ciência moderna, a técnica moderna. Sabemos o que ela já pode fazer, mas não podemos prever o que ainda poderá fazer.
Já hoje quem, passados alguns anos, volta a este país, fica constantemente surpreso de ver que coisas admiráveis ele fez no ponto de vista da centralização, da autonomia e do saneamento do país. A sífilis, que aqui era uma doença hereditária e da qual se falava com a mesma naturalidade com que se fala de um defluxo, está quase exterminada, graças à descoberta de Ehrlich, e não há dúvida de que a higiene em prazo não longo irá reduzir muito a frequência das outras doenças. Assim como o Rio de Janeiro, há alguns decênios, o mais temido foco de febre amarela, hoje, no ponto de vista sanitário, é uma das mais seguras cidades do mundo, é de esperar que a ciência saiba libertar o norte, tão insalubre, de seus miasmas e flagelos, e fazer entrar para a vida ativa e produtiva a parte da população ameaçada em sua energia de trabalho por febres e subalimentação.
Ao passo que há cinco anos se gastavam dezesseis horas para ir do Rio a Belo Horizonte, hoje em avião se faz essa viagem em hora e meia; em dois dias se pode ir do Rio a Manaus, no coração das florestas do Amazonas, para o que antigamente, eram precisos vinte dias; em meio dia se vai à Argentina, em dois dias e meio aos Estados Unidos, em dois dias à Europa, e todos esses números só valem para hoje; amanhã o progresso da aeronáutica tê-los-á reduzido à metade. O vencer as enormes distâncias do seu gigantesco território, essa magna dificuldade do problema econômico do Brasil, já está propriamente resolvido no ponto de vista teórico e em via de resolução no ponto de vista prático. Quem sabe se também a dificuldade dos transportes já não estará vencida em curto prazo por uma nova espécie de aeronaves e outras invenções para os quais hoje a nossa imaginação se mostra demasiado pobre e medrosa?
Também o outro obstáculo, aparentemente invencível, o da insuficiente capacidade de trabalho no clima tropical, que diminui a energia individual e ameaça o vigor do corpo, começa a ser atacado energicamente pela técnica. O que hoje ainda só é permitido a poucos locais de luxo, a refrigeração das residências e dos escritórios, daqui a alguns anos estará tão generalizado e será coisa tão trivial neste país como nas zonas frias o aquecimento central. Quem vê o que aqui já se fez e ao mesmo tempo sabe o que ainda está por fazer, tem certeza de que o vencerem-se todas as dificuldades é apenas uma questão de tempo. Mas cumpre não esquecer que o tempo mesmo já não é um padrão uniforme, que ele se acelerou pelo impulso da máquina e pela inteligência humana. Um ano na era atual, de Getúlio Vargas, pode produzir mais do que pode fazê-lo um decênio no tempo de D. Pedro II, ou um século no tempo de D. João VI. Quem hoje vê a rapidez com que crescem as cidades, melhora a organização e se transformam as energias potenciais em efetivas, sente que – em completo contraste com o que se dava anteriormente – a hora tem aqui mais minutos do que na Europa. De qualquer janela que se olhe vê-se por toda parte uma casa em construção, em toda rua e longe no horizonte veem-se novas moradas, e, ainda mais do que tudo isso, o espírito e o prazer do empreendimento cresceram aqui.
A todas as energias do Brasil ainda não aproveitadas e desconhecidas juntou-se nos últimos anos uma nova: a consciência do próprio valor. Durante muito tempo este país se habituou a ficar atrás da Europa, na civilização e no progresso, na velocidade do trabalho e na produção. Humilde, erguera o olhar com uma espécie de consciência colonial para o mundo além do Atlântico como para um mundo mais experiente, mais sábio e melhor. Mas a cegueira da Europa, que em insensatos nacionalismos agora se devasta a si própria pela segunda vez, fez com que a nova geração aqui se tornasse independente. Foi-se o tempo em que Gobineau [N. HP: Gobineau, propagandista do racismo, foi representante do governo francês no Brasil do século XIX] podia zombeteiramente escrever: “Le brésilien est un homme qui désire passionnément habiter Paris” [“O brasileiro é um homem que deseja apaixonadamente morar em Paris”].
Já não se encontra um brasileiro e raramente se encontra um imigrante que deseje voltar para o Velho Mundo, e essa ambição de se desenvolver por si só e de acordo com a época revela-se por um otimismo e um ousado espírito empreendedor inteiramente novos – O Brasil aprendeu a pensar de acordo com as dimensões do porvir. Quando constrói um ministério, como agora o Ministério do Trabalho e o da Guerra, o constrói maior do que os de Paris, de Londres ou de Berlim. Quando se planeja uma cidade, conta-se desde logo com o quíntuplo, o décuplo da população. Nada é demasiado ousado, nada demasiado novo para fazer com que essa vontade nova não se atreva a realizá-lo. Após longos anos de incerteza e de modéstia, este país aprendeu a pensar de acordo com as dimensões de sua própria vastidão e a contar com suas possibilidades ilimitadas como se elas fossem uma realidade em breve atingível. O Brasil reconheceu que espaço é força e gera forças, que não são o ouro nem o capital poupado que constituem a riqueza dum país, mas sim o solo e o trabalho que neste é realizado. Mas que país possui mais solo não utilizado, inabitado e não aproveitado do que este, cujo território é tão grande como todo o Velho Mundo? E espaço não é simples matéria, espaço é também força psíquica. Alarga a visão e dilata a alma, dá ao homem que o habita e que ele circunda, coragem e confiança para que ouse avançar; onde há espaço há não só tempo, mas também futuro. E quem vive neste país, ouve o sussurro forte das asas céleres do futuro.

sábado, 14 de agosto de 2010

Getúlio e a emancipação da economia nacional - 1953

Continuando nossas homenagens ao presidente Getúlio Vargas, publicamos hoje sua apresentação para a Mensagem ao Congresso do ano de 1953. Esta foi a penúltima mensagem anual que Getúlio enviou ao Legislativo. Como sempre, nota-se nela o seu estilo. Ao contrário de certos elementos que se acham muito intelectuais – há até alguns que se autopromovem à uma vazia e tola aristocracia acadêmica – Getúlio jamais assinou uma peça de que não fosse o redator final. Jamais remeteu aos deputados e senadores aqueles textos horrendos, burocráticos e sem significado, ou significando apenas um atestado próprio de pedantismo, que durante algum tempo fez com que, no Brasil, esse tipo de documento fosse ignorado, esquecido quase antes de chegar aos seus destinatários.
Em 1953, a Mensagem esboçava todo um balanço de governo, detalhando as providências tomadas, os resultados, e definindo os próximos passos da política do governo. O tema, como sempre, é o desenvolvimento como base imprescindível da independência nacional e da justiça social – mas Getúlio o aborda de um ângulo diferente das mensagens anteriores: o presidente que assumira um país seriamente abalado pelo entreguismo do governo Dutra, mostra que estávamos avançando e que tínhamos todas as condições possíveis para entrar numa nova fase da vida nacional.
Os acontecimentos do ano seguinte mostraram que isso era inteiramente verdadeiro: a reação, quando vislumbra o fim do status quo, torna-se desesperada. Mas o fato desse desespero ter levado a um desfecho trágico para o país e especialmente para o presidente, em nada desmente o quadro desenhado por ele. Pelo contrário, só o enfatiza.
Gostaríamos de agradecer, mais uma vez, ao nosso grande amigo vereador Werner Rempel, de Santa Maria, RS, pela possibilidade de conhecer este escrito de seu conterrâneo. Como Getúlio demonstrou, e o Dr. Werner bem o sabe, a identidade gaúcha só se realiza completamente quando atravessa as águas do rio Pelotas – isto é, quando se torna identidade nacional.

GETÚLIO VARGAS

Senhores Membros do Congresso Nacional
Em obediência a preceito constitucional, é-me grato, mais uma vez, dar-vos conta da situação geral do País e especialmente dos negócios públicos.
Na oportunidade em que se instala a sessão legislativa de 1953, desejo exprimir meu júbilo pela perfeita harmonia de propósitos assegurada entre o Poder que representais e o que tenho a honra de exercer. Esse entendimento em cuja manutenção tanto me empenho, é condição básica para cumprirmos, com êxito, o mandato que nos foi confiado pelo Povo brasileiro.
Estou certo de que o trabalho que conjuntamente realizamos nos dois últimos anos corresponde à expectativa da opinião nacional, embora, no funcionamento dos dois poderes, haja muitas deficiências cuja superação nos preocupa igualmente.
O panorama atual do Brasil nada tem de desfavorável, a não ser na versão alarmista dos eternos agentes da inquietação. No plano internacional, a verdade é que o Brasil é respeitado e vê engrandecido cada vez mais o seu prestígio. Internamente, reina ordem e liberdade e são crescentes os índices gerais de progresso econômico e social.
Mas nem por isso é lícito adotar uma atitude de descuidado otimismo. Grandes massas suportam um nível de vista muito baixo, agravando-se suas carências e sofrimentos resultantes da crônica inflacionária interna, ainda não vencida; da economia internacional de guerra e da estiagem que tem afetado a quase todo o país e se tornou dramática no Nordeste.
Embora haja interesses políticos ansiosos de retirar vantagens das agruras populares, é certo que mesmo os efeitos da calamidade que assola o Nordeste, no terceiro ano de sua dolorosa incidência, conquanto graves, têm sido menores que os da terrível seca de 1932, graças às obras feitas na região a partir da Revolução de 1930 e ao incremento dos meios de assistência.
A melhoria das condições de consumo e da vida é patente, e quando não se generaliza a todo o país, ao menos alcança parcela cada vez mais importante da população. O Brasil está progredindo. Alguns dos seus índices de desenvolvimento são dos mais expressivos do mundo. Mas é também evidente que esse progresso ainda não atende às necessidades e aspirações das massas populares, e as perspectivas da política internacional, na quadra que vivemos, reclamam de nós maior força econômica e organização política, sob pena de sermos arrastados pelas marés incertas dos acontecimentos mundiais.
Entretanto, o Brasil apresenta possibilidade de um progresso mais rápido e mais amplo. Cumpre-lhe, para isso, libertar-se dos embaraços internos decorrentes da insuficiência do aparelhamento de base da economia nacional; das distorções que têm sua raiz na inflação; dos desequilíbrios inter-regionais; do desajuste de muitas instituições aos imperativos da nossa época e às reais necessidades do Brasil, e da falta de uma consciência nacional, razoavelmente unificada quanto à solução dos nossos problemas, a qual resguarde o país do clima de confusão, de exploração política, de competição distrital e de aproveitamento particularista a que muitos procuram levá-lo.
A fim de vencer os embates da conjuntura internacional e as insuficiências da situação interna, impõe-se não poupar nem dispersar esforços; ao contrário, precisamos de nos concentrar no reaparelhamento econômico e no aperfeiçoamento da nossa organização política e social.
Meu governo se tem dedicado, com firmeza, aos programas de fundamental interesse para a emancipação da economia nacional. E prossegue neste rumo, apesar dos fatores de retardamento, fora do âmbito de sua ação. Tenho insistido e insistirei no combate à inflação. Se ela não foi ainda debelada, pois que tal objetivo requer, nas circunstâncias atuais, mais tempo, é certo que a política até aqui seguida contribuiu para atenuá-la.
Assegurou-se continuidade ao trabalho administrativo em todos os seus setores, mesmo quando os programas não eram os mais bem inspirados, salvo quando se impunha imperiosamente mudança de rumo, ou tal era determinado pelo Congresso. Mas não posso dizer que a eficiência dos diversos órgãos e o rendimento econômico das aplicações do orçamento público tenham atingido índices ótimos, uma vez que foram prejudicados por medidas legais, encontradas em vigor, que minaram a disciplina e o estímulo na Administração; pela falta de planejamento adequado na adoção de programas e projetos; pela conseqüente pulverização de recursos, no espaço e no tempo, de tudo resultando insuficiente concentração de meios para a realização rápida e mais econômica dos empreendimentos e falta de ordenação hierárquica, prioridade e coordenação das medidas, tendo em vista os superiores interesses da comunidade nacional.
É impossível corrigir essa anômala situação em pouco tempo, pelo próprio imperativo da continuidade administrativa, sobretudo se persistem as condições políticas que a determinam, e que esperamos sejam superadas o quanto antes, pelo aperfeiçoamento dos métodos de ação partidária, que requer o esforço de tantos estadistas de visão que militam em nossas agremiações políticas.
Como acentuei no discurso do segundo aniversário da atual gestão, os programas que o governo tem lançado, ou cujos estudos estão em andamento, pela sua coerência e unidade fundamental, apresentam, em conjunto, o característico de um plano de Governo. Não era, entretanto, possível retardar o início de programas parciais – tão desprovido estava e ainda está o país de recursos básicos e tão carente de técnicos – até que se elaborasse um plano global.
A integração formal e funcional dos programas parciais de energia, transportes, agricultura, indústrias de base, de obras-sociais e da política monetária, na unidade de um plano, com as retificações recíprocas que se impuserem, é tarefa que já determinei e está sendo realizada em coordenação com órgãos próprios. Para elaboração definitiva do plano e sua permanente atualização, torna-se cada vez mais notória a necessidade da criação de um Conselho de Planejamento e Coordenação contando com serviços técnicos suficientemente equipados.
Para a solução dos problemas econômicos e sociais, é indispensável que toda a sociedade tenha a consciência das necessidades do país e dos sofrimentos do Povo, quando não da própria época em que vivemos. O Brasil precisa do trabalho árduo de todos os cidadãos, mas seria injusto apelar para maiores sacrifícios dos menos favorecidos, enquanto não se desestimula, corajosamente, o espírito do lucro fácil, da fortuna especulativa, da ociosidade e do golpe, e o florescimento, nas classes abastadas e nos grandes centros urbanos, de um padrão de vida de manifesta falsidade, que contrasta brutalmente com a pobreza do povo, particularmente do interior, e é até chocante quando se compara ao de países capitalistas mais avançados.
Esta contradição, atualmente indisfarçável à observação mais elementar, é incompatível com o desenvolvimento equilibrado da economia nacional, pela ação do governo conjugada à legítima iniciativa particular, e se constitui um fermento de desagregação e ameaça à paz social.
No que diz respeito à organização partidária, persistem ainda, no cenário nacional, os sintomas de desajustamento entre as corporações políticas e os anseios populares. De modo geral, os quadros políticos não se manifestam suficientemente sensíveis às necessidades da estrutura econômica do país e às novas tendências populares – já bastante nítidas ao observador atento, por ocasião das eleições de 1950 –, nem se mostram capazes de interpreta-las seguramente e de dar-lhes expressão, no complexo de fatores que atuam na economia e no Estado moderno. Os métodos e processos de nossos partidos, a despeito da clarividência de muitos dos seus líderes e dos progressos recentes da organização partidária, não se transformaram ainda, na medida em que se faz mister, para acompanhar os fatos recentes da vida material e espiritual na Nação.
A consequência deste alheamento dos partidos, com respeito aos eleitores, é dupla: Tolda-se o espírito cívico, esmorece o interesse popular pelos negócios públicos, firma-se um conceito pejorativo ou cético da função política; e, no seio do eleitorado mais inquieto, ganha terreno o trabalho dos que empreitaram a causa extremista.
Na verdade, existe no país um perigo extremista; e ele é tanto maior, quanto mais distante dos anseios populares estiver a atuação das corporações políticas em funcionamento. Não combateremos eficazmente o extremismo pela mera ação policial ou por meio de discriminações cívicas, mas vencendo os agitadores na capacidade de atrair e motivar politicamente as massas, firmando autoridade sobre elas, formulando e resolvendo os seus problemas.
Creio estar cumprindo um dever de lealdade para com a Nação, quando me pronuncio com franqueza e espírito construtivo sobre suas dificuldades. Dela, exclusivamente, me considero servidor. No exercício dos poderes constitucionais que me foram conferidos pelo povo, tenho procurado sempre orientar as forças propulsoras do organismo nacional na direção dos supremos interesses coletivos. Essa diretriz, que tem presidido a todos os atos da minha vida, assume, nos dias que correm, um significado muito particular. Há momentos em que o cumprimento do dever é uma tarefa cômoda ou em que as virtudes nada custam aos que as praticam, tão favoráveis são as circunstâncias. Todavia, os momentos que o país está vivendo exigem de todos, do governo assim como dos indivíduos, austeridade e espírito de renúncia em favor dos interesses coletivos.
A perplexidade política reinante entre nós exprime quão dificilmente as nossas elites se estão ajustando às graves responsabilidades que lhes impõe o período de transição que atravessamos.
Não estarei muito longe da verdade ao afirmar que as eleições de 1950 constituíram para as nossas elites um desafio. Custa a crer que o significado daquele prélio democrático não tenha sido ainda devidamente apreendido pelos nossos quadros dirigentes. É estranho que, ao advertir o país deste fato, seja o governo alvo de diatribes e de imputações as mais equivocadas.
Investido na magistratura suprema do país por uma decisiva deliberação das massas, procurei, desde o início do meu governo, estruturar um corpo de medidas orgânicas, tendentes a firmar, em bases sólidas, o arcabouço da economia nacional. É iniludível que o povo alcança o sentido criador dessas medidas, pois, apesar das suas dificuldades, mantém-se ordeiro e laborioso. Nenhum indício significativo da existência de propósitos de perturbação da ordem é perceptível no seio das massas, apesar dos tenazes esforços dos aproveitadores de todos os matizes.
Os pequenos surtos de agitação que têm sido registrados ultimamente provém, paradoxalmente, de círculos que, pelas suas responsabilidades na hierarquia social, deveriam ser os primeiros interessados na manutenção de um clima de paz.
A conjuntura interna do país está a exigir substanciais mudanças, de caráter econômico e político.
O Brasil possui, hoje, uma economia em vias de propiciar à população níveis de consumo equiparáveis aos vigentes nos países desenvolvidos. Carece, entretanto, para atingir este objetivo em tempo útil, de vencer certas insuficiências, de remover certos obstáculos, de transformar-se de modo mais acelerado e dirigido, através da ação deliberada do governo, fundada no assentamento da opinião nacional.
A composição deste assentimento, em bases democráticas, é precisamente o problema político dos nossos dias e sua resolução implica o compromisso das forças representativas do país com os objetivos de superação do subdesenvolvimento nacional.
O governo não sugere que cesse a oposição, cujo papel criador reconhece e estima. Reclama, porém, uma necessária renovação dos processos de atuação partidária, em face da significação especial dos fatos contemporâneos. Reclama seja contida a onda demagógica deflagrada pelos agentes da inquietação e da desordem ou pelos manipuladores de clientelas. Espera que os partidos combatam a prática de colocar o exercício da representação política a serviço da distribuição de favores aos clãs eleitorais. Em resumo, preconiza a substituição da política de patronagem por uma política de princípios, orientada segundo as necessidades objetivas das classes sociais.
Acresce que nenhuma capitulação de princípios ou abdicação de personalidade partidária se faz mister para que agrupamentos políticos de diferentes origens e tendências possam firmar uma diretriz comum para a solução de problemas básicos do país, oferecendo, sem suspicácia, os meios indispensáveis à ação do governo.
Vereis a seguir um retrato da situação nacional. Não é má, antes muito tem de tranquilizadora. Mas está a requerer a colaboração das forças vivas da Nação. A ação do governo, creio não desmerecer do grande esforço dos brasileiros. O governo não se considera indene de erros, mas julga ter direito ao reconhecimento público pelos esforços que tem feito e deseja a colaboração geral para levar avante o seu programa, voltado para o futuro do Brasil e a melhoria das condições de vida do nosso povo.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Cultura nas Eleições, bem antes e depois disso - por Morgana Eneile

Tenho acompanhado com bastante interesse os diversos grupos em todo o Brasil que se organizaram nestes últimos meses para debater, acumular e mesmo apresentar a pauta da Cultura nestas eleições. E toca a escrever carta, manifesto, reivindicação. Tem Partido da Cultura, pauta na mídia impressa e nos blogs especializados. E isso é muito bom.

Em primeiro lugar, porque este governo ajudou a mobilizar inúmeros setores da sociedade, principalmente através das Conferências e consultas públicas. Na Cultura, isso se deu de forma muito proveitosa desde as Câmaras Setoriais, inédita em muitas áreas, como por exemplo, nas artes visuais e na moda.

Em segundo, porque os resultados apresentados pelo Ministério da Cultura, durante o governo Lula, criam uma grande expectativa em relação à continuidade e ao aprofundamento das políticas públicas para o setor, como a aplicação do Plano Nacional de Cultura e das 32 prioridades definidas em nossa Conferência. Se há momento propício para a pressão política e a ação, sem dúvida os movimentos sociais sabem bem que é durante o período eleitoral.

E diante de tanta consulta, tanta parceria com o governo e tanta atuação dos movimentos sociais, me causa estranheza quando perguntam sobre a demora do Programa de Governo de Dilma Roussef, ou ainda quando colocam em dúvida sobre qual candidatura tem mais compromisso com as demandas históricas e recentes da Cultura.

Para nós, do Partido dos Trabalhadores, um programa é um documento construído em muitas fases. Ele começa com a consulta aos militantes de base de dentro e de fora do partido, passa por etapas estaduais e envolve especialistas no debate, até desembocar na construção com todos os partidos que fazem parte da nossa coligação. Depois de todo esse processo ele ainda não será perfeito nem hermético. Mas continuará aberto à crítica e à avaliação contributiva de toda a sociedade durante o período eleitoral e mesmo durante a aplicação deste no governo.

E assim, como partido que pensa a Cultura no cotidiano, estamos disponibilizando textos de debate e recolhendo propostas desde fevereiro deste ano. E todas as fases, todos os processos, foram devidamente disponibilizados no site do PT (www.pt.org.br).

Longe de ser mérito isolado deste partido, proponho analisarem a atuação deste Ministério a luz dos programas de governo de 2002 e 2006. Estava lá Sistema Nacional de Cultura, reforma da Lei Rouanet, valorização da diversidade, o Vale Cultura...

Acredito que precisamos vencer o preconceito em torno dos partidos políticos e seus militantes. Repito sempre que meu correio é 'ponto org', e que, além da atuação partidária, temos uma história e uma atuação em movimentos e instituições da sociedade civil. Nada disso gera contradição. Pelo contrário, traz vida ao partido e faz com que o projeto esteja mais próximo das expectativas dos trabalhadores da cultura e dos anseios sociais.

São espaços distintos, mas não distantes. Lembro sempre que todo movimento é baseado numa causa. Uma vez atingida a meta, ele se extingue ou se renova. Os que querem pensar projetos para o país no longo prazo, devem se aproximar dos partidos políticos, porque é neste espaço que se disputa o poder na sociedade.

Tenho repetido que seremos um campo com mais força quando todos os partidos políticos, não só os da esquerda, tiverem secretarias de cultura ou áreas específicas para esse fim em suas direções partidárias. Já é assim na área de mulheres, igualdade racial e principalmente juventude. Aí sim, não teríamos de dialogar com cada parlamentar ou representação do Executivo, mas saberíamos o projeto em curso em cada âmbito e lugar. Senão, pensando bem, qualquer um pode concordar com uma determinada proposta ou causa, mas não sabemos como isso dialoga com o projeto maior de país.

Mais do que suprapartidários, devemos lutar para termos junto às associações e grupos da Cultura o Multipartidarismo. Aberto, sem medo nem vergonha e sem deméritos por quem optar por outro modo. Reconhecendo o papel destes na construção da sociedade e fortalecendo assim a pauta junto aos projetos em disputa no país.

domingo, 8 de agosto de 2010

Laços Históricos



“Os laços que unem Brasil e África não podem ser resumidos a termos geopolíticos ou econômicos, pois essa ligação é fraternal; portanto, mais profunda”. Essa foi umas das frases ditas pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, durante a cerimônia de assinatura de acordo de cooperação técnica entre Brasil e Benim durante reunião bilateral entre os dois países dentro da 34ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial.

Ao todo, serão investidos US$ 567.485 (aproximadamente R$ 980 mil) no acordo, que terá vigência de dois anos, podendo ser prorrogado. O governo brasileiro irá investir aproximadamente R$ 925 mil e o país africano, cerca de R$ 75 mil. O compromisso é de autoria do Ministério da Cultura brasileiro, por meio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e teve o apoio de Agência Brasileira de Cooperação.

Visivelmente emocionado, Juca Ferreira relembrou a visita feita ao país em 2008, ano em que o acordo começou a ser elaborado. “A população do Benim é também composta por descendentes de gente que retornou ao país logo após a abolição da escravidão no Brasil. O interessante é que muitos deles se consideram brasileiros”, explicou. “Foi uma viagem emocionante, e é muito gratificante firmar esse compromisso”, garantiu.

O embaixador do Benim no Brasil, Isidore Monsi, agradeceu ao governo brasileiro pela celebração do contrato e também relembrou os laços culturais que unem os dois povos.
Ele também fez questão de recordar o acarajé, iguaria típica da culinária baiana, que o ministro Juca Ferreira teve a oportunidade de experimentar durante sua estadia no país africano, provando, mais uma vez, as similaridades entre ambas as nações.

O acordo de cooperação técnica entre Brasil e Benim prevê, ainda, a valorização da cultura afrodescendente e a intensificação do intercâmbio de conhecimentos sobre o patrimônio cultural e heranças comuns aos dois países. Os profissionais formados nos cursos de capacitação vão atuar na documentação, proteção, conservação, promoção, registro e salvaguarda de bens culturais.

Também estiveram presentes à cerimônia de assinatura o presidente do IPHAN, Luiz Fernando de Almeida, e Marco Farani, diretor da Agência Brasileira de Cooperação.cursor:hand;width: 264px; height: 163px;"