quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Santanna: “com PNBL e Telebrás, o Brasil dará um salto para o futuro”

Apresentamos hoje a parte final da entrevista com o presidente da Telebrás, Rogério Santanna, realizada pelo cineasta Caio Plessman e pelo diretor de redação da Hora do Povo, Carlos Lopes. Nesta parte, as perspectivas que o Plano Nacional de Banda Larga abre para o país são esboçadas pelo entrevistado de forma extremamente interessante. Como afirma Santanna, “contem com a Telebrás para ser a plataforma articuladora e para apostar na inovação. Nosso negócio aqui é ser um ambiente de inovação e difusão do conhecimento para o Brasil”.
Há, certamente, os que preferem ser escravos do conhecimento alheio – ou, antes que isso, do poder financeiro alheio. São os que sabotaram, privatizaram e desnacionalizaram algumas das empresas mais avançadas do mundo no ramo de telecomunicações, fazendo com que também a iniciativa privada nacional nessa área sofresse um processo de devastação. Mas estes, agora, estão colhendo os frutos amargos – inclusive eleitorais - que nosso povo sempre reservou, cedo ou tarde, a esse tipo de gente, anti-brasileira até as entranhas. Conseguiram, é verdade, causar um retrocesso monstruoso. Mas agora, com mais experiência e menos ilusões, temos todas as condições de superar essa ignomínia praticada contra o Brasil. Realmente, o futuro é nosso.


Continuação da edição anterior

HP – Além dos provedores, a Telebrás terá algum papel na “última milha”?
Rogério Santanna – Quando nós dissemos que é possível ter parceiros em todo o Brasil para fazer a “última milha”, o presidente argumentou: não posso ligar a banda larga numa cidade e não aparecer ninguém para fazer a “última milha”. Então, deu-se a prerrogativa de, na hipótese de não aparecer ninguém com preço adequado, qualidade boa e cobertura adequada, a Telebrás poder fazê-la.

HP – Quais são os planos da Telebrás para este ano?
Rogério Santanna – Temos autorização para gastar aproximadamente o que dispomos no caixa, com o compromisso de repor logo em seguida – pois os recursos que estão aqui cobrem as potenciais dívidas que a empresa ainda tem de pagar, que são os esqueletos da privatização. Foram colocadas aqui todas as dividas das empresas que foram vendidas, e a Telebrás ficou pagando dívida - até por isso ela não foi fechada. São passivos das teles que foram vendidas. Muitos nem são da Telebrás diretamente.
Nós, a partir daí, fizemos um orçamento. Como não tínhamos recursos para fazer tudo, vamos fazer o backbone e o backhaul [ligação da espinha dorsal da rede à sua periferia] em 100 cidades, além das capitais. Levamos em consideração várias questões, como o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] e a proximidade do nosso ponto de baixada da fibra.

HP – As operadoras afirmam que a escolha das cidades foi errônea, porque já existe banda larga nelas. Isso é verdade?
Rogério Santanna – Realmente, a critica das operadoras centrou-se em dizer que 97 daquelas cidades já têm algum serviço privado. Na verdade, isso é uma conversa mole, porque 49,7% das cidades localizadas até 50 km de distância do backbone têm menos de 2 assinantes em mil pessoas.

HP – Dois assinantes em mil pessoas?
Rogério Santanna – Sim. Não estou falando das cem, mas de todas. Entre as cem, 25 têm até 2 habitantes com acesso por mil pessoas, isto é, 0,19% de acesso.
As operadoras vendem para a classe A e B, que podem gastar R$ 500. Então, elas dizem, “já estou lá, liguei o ADSL”. Ligou, mas está vendendo a preço proibitivo, de forma que o povo daquela cidade não consegue comprar.
Se você chegar numa operadora e disser “eu quero um acesso à Internet por R$ 35”, vão dizer assim: “tá, mas você vai ter que pegar o telefone por mais R$ 52”. A conta já vai para R$ 80. Mesmo que vendesse a R$ 35, você é obrigado a comprar o telefone, porque ela não vende para quem não tem telefone.
Uma crítica que foi feita é a inclusão de Campinas, que tem 16,8% de penetração da banda larga. Para Campinas, com 1 milhão e 400 mil habitantes, é um acesso muito restrito, já que a média do Estado de São Paulo é 35%. Campinas está na metade da média de penetração de São Paulo, que é a maior do Brasil, uma penetração pífia no Estado. E, além do mais, não vamos vender só no centro da cidade, para a parte mais rica. Queremos que o provedor forneça o serviço nos grandes aglomerados urbanos de população de baixa renda. Nas cidades grandes, sabemos que a periferia não é atendida. É só ir, por exemplo, na Zona Leste de São Paulo.

HP – E quanto as críticas à velocidade prevista no Plano Nacional de Banda Larga? Apesar das teles fornecerem 10% da velocidade que está no contrato, elas...
Rogério Santanna – Não, nem 10%. Um para 35 ou 1 para 16 na melhor hipótese. Você obtém 10% de uma operadora na melhor hipótese, quando deveria ser na pior. Nós calculamos os 10% na pior hipótese - e eles calculam os 10% na melhor hipótese. De madrugada, ninguém na rede, sem nenhum evento no mundo retrancando, você consegue os seus 10%. Como o usuário não tem como controlar a qualidade...
Quando se diz que 512 kbps [kilobits por segundo] é muito ruim, eu duvido, porque 512 kbps, mesmo com 1 para 10, é bem melhor do que um mega que eles vendem por aí, com 1 para 35.

HP – Mesmo assim, 512 kbps, com um mínimo de um para dez, não é uma velocidade baixa?
Rogério Santanna – É suficiente para as principais aplicações. Na verdade, significa o seguinte: no pior horário da rede você vai ter 51 kbps. Você já deve ter feito um download e visto que às vezes a velocidade está em 2, 10, 9 kbps. Em casa, 51 kbps dá para fazer as principais aplicações, correio eletrônico, baixar música - e com qualidade.

HP – Com essa velocidade também é possível baixar filmes?
Rogério Santanna – Também. Nos filmes, as operadoras fazem uma outra coisa. Elas têm um software que opera o que eles chamam de “traffic shaping”. Eles descobrem que você está baixando um filme, pelo tipo de pacote que está passando na rede, e derrubam a sua conexão. Ai seu filme para, você tem que voltar lá de novo, continuar baixando no outro dia. Começam a degradar a sua conexão para não prejudicar o tráfego da rede delas. Pegam os usuários que estão baixando muito e diminuem a velocidade. Esta é uma rede não neutra, quando ela devia ser neutra.

HP – O que é uma rede neutra?
Rogério Santanna – Numa rede neutra, todos os pacotes são iguais perante a rede. É a democracia da rede. A rede não escolhe, dizendo que esse pacote não vai, a não ser por problema de natureza técnica. Mas ela não faz o que a operadora faz - ficar escutando o tráfego para saber qual tem que ser derrubado para melhorar a performance da sua rede. Com isso, você não consegue ter qualidade. Uma velocidade de 512 kbps sem “traffic shaping” é melhor do que o que elas estão oferecendo como 1 mega, bem melhor. Na verdade, a discussão está invertida. Aquele 1 mega é virtual. Ele nunca ocorre. Não há nenhum dia da rede em que você obtenha 1 mega. Não há esse caso.
O que nós estamos fazendo é oferecer uma rede neutra - e 512 kbps por R$ 35 não é o máximo da rede, é o mínimo. Se você quiser comprar 1 mega por R$ 50, o provedor vai poder vender. Hoje, o pacote médio de entrada disponível em qualquer operadora é 256 kbps por, em média, R$ 96. A metade da velocidade pelo triplo do preço.
Mas por que as operadoras não tem interesse que isso aconteça?
O que vai acontecer com as classes C, D e E já está acontecendo na comunidade da Rocinha, onde o governo Sérgio Cabral disponibilizou banda larga gratuita. O que fazem as pessoas que precisam falar com seus parentes no Nordeste? Usam o Skype, como os ricos usam para falar com os seus filhos que estão na Europa. Quanto se paga a uma operadora pelo serviço? Zero. Por isso elas não se interessam por esse negócio.
O que essa pessoa vai fazer? Tirar o telefone fixo, que é caro demais, e trocar por um telefone VoIP, que inclusive tem número. Então, o que querem as operadoras? Querem que a regulação proteja o seu mercado da concorrência. Quem diz isso é aquele semanário inglês de extrema esquerda, o “The Economist”, num artigo, traduzido pela Carta Capital, intitulado “Por estradas vicinais”: as operadoras são adversárias da universalização da banda larga, porque isso canibaliza a sua rentabilidade. Não vai haver universalização, a não ser que haja uma interferência externa. Esse é o papel reservado à Telebrás.

HP – Quantos Estados a Telebrás atingirá com a rede de fibras ópticas do Plano Nacional de Banda Larga?
Rogério Santanna – Todos, mas alguns, sobretudo os da região Norte, tais como Roraima, Amapá e o próprio Amazonas, dependem de algumas obras de hidrelétricas que estão sendo feitas na região, portanto, só serão atingidos plenamente no final do processo. Haverá algumas cidades em que teremos de fazer conexão por satélite, pois não há como chegar com fibras ópticas pelo menos nos próximos quatro ou cinco anos. Mas esse número deve diminuir bastante em relação a hoje. Com tudo o que nós temos, podemos cobrir 4.283 municípios em 4 anos. Nenhuma operadora cobre isso.
A partir da primeira fase, a expansão é definida pelo volume de dinheiro. Terminaríamos o ano que vem com 1.163 cidades, na pior hipótese.

HP – No momento atual, a produção nacional de cinema encontra-se praticamente excluída da TV por assinatura. Com o PNBL, será possível ter canais próprios na TV para a produção cultural nacional, ao invés de ficarmos reivindicando que ela entre nos pacotes das TVs sob controle das teles?
Rogério Santanna – O que nós estamos montando aqui é a parte burra do negócio, isto é, o tubo pelo qual passam as coisas - e eu não estou olhando nada do que passa. Mas o que projetamos é mais do que isso. Nós provamos o seguinte: só o “tubo burro” se paga. Mas o melhor de tudo não é o “tubo burro”, é o que vem depois.
O que é chave para a sociedade do futuro? Duas coisas importantes: armazenamento barato e banda larga - e uma plataforma nacional. Como o Google fez sua plataforma sem ter rede? Mas o Google está tratando de ter rede, porque agora, com tráfego demais, as operadoras estão querendo tirar parte do negócio dele, e ele depende delas, tem que negociar com elas.
Nós estamos começando pela rede independente e uma plataforma que vai incluir armazenamento, alguns terabytes, um armazenamento em disco de grande capacidade, em cada um dos meus 320 pops [pontos de presença: o local onde chega a rede, antes da “última milha”].
Essa é uma plataforma aberta. Com o Ginga [programa para a TV digital brasileira que permite aplicações independente do equipamento do usuário] vamos poder, em conjunto com os cineastas brasileiros, produzir uma plataforma para filmes, para a TV sobre IP. O assinante vai poder, da sua casa, numa caixinha que já existe no mercado, plugar e baixar, para assistir na televisão uma produção que está na web, sem problema nenhum. Mais do que isso, podemos colocar o conteúdo mais próximo do usuário final. De onde ele está baixando o seu filme? De Cacimbinhas. Vou colocar o conteúdo no pop mais perto de Cacimbinhas, ele não precisa andar pela rede inteira.
Isso vale para qualquer aplicação. Por exemplo, você faz o imposto de renda e no dia 31 as redes entopem, porque está todo mundo baixando o mesmo pacote. O que podemos fazer? Mandar esse pacote para os 300 pontos, e quando você entrar em algum ponto da rede e pedir o pacote, você não tem que vir até o Serpro para buscá-lo, você já consegue fazê-lo descer.
A mesma coisa em relação aos filmes e vídeos, e nós vamos poder criar um mercado para isso, com os produtores de conteúdo como parceiros estratégicos. A web democratizou a distribuição. Da mesma forma que hoje você escolhe ver um DVD, vai plugar a web na caixinha - e pronto, poderá baixar seu filme na TV. Hoje, você tem uma ditadura, na TV só pode assistir naquele horário. Se usarmos a tecnologia que nós desenvolvemos, pensaremos um projeto de IPTV no Brasil, incluindo os produtores, e fazer coisas que a TV atual não quer fazer.

HP – Como ficariam, nesse quadro, as TVs abertas?
Rogério Santanna - As TVs abertas deveriam enxergar na Telebrás a sua salvação, porque as teles, comprimidas porque a voz vai deixar de ser um negocio rentável, têm de achar um novo negócio. Qual é o novo negócio? Conteúdo. Vídeo. A choradeira é maluca, porque a convergência digital é mais ou menos como reforma agrária: todo mundo é a favor, mas que seja na terra dos outros, na minha, não.
No mundo das telecomunicações, quem não tiver conteúdo não sobreviverá. As teles estão tentando entrar no conteúdo das TVs. E as TVs estão vendendo acesso à Internet. Todos vão vender tudo - o que fará a diferença é o valor do conteúdo.
O que nós estamos construindo aqui é a convergência feita em rede. Não é uma empresa hierárquica que vai deter tudo, como é o caso da Telefônica e da Oi, que estão comprando outras operadoras. Nós vamos ter uma rede que articula todos esses pequenos operadores, provedores e produtores de conteúdo. Esse ambiente neutro vai ser o catalisador de um processo. Não viveremos de vender voz, viveremos de vender banda.
Nós temos conhecimento. Vamos juntar gente para produzir coisas novas. E contem com a Telebrás para ser a plataforma articuladora e para apostar na inovação. Nosso negócio aqui é ser um ambiente de inovação e difusão do conhecimento para o Brasil.