segunda-feira, 31 de maio de 2010

II ENCONTRO AFRO LATINO

nspiração velha amiga
Me conheces de menino
Evoco a sua presença
Neste narrar pequenino
Direi o que vi e ouvi
E também o que senti
Neste encontro Afro Latino

Aconteceu na Bahia
Em sua segunda edição
Grupos de trabalho, mesas
Consensos e discussão
Ministros, representantes
Várias mesas importantes
Muita afro-opinião

Juca Ferreira e Zulu
Vieram lá de Brasília
Pra legitimar os pleitos
E não para botar pilha
De forma institucional
Também internacional
Foi tudo uma maravilha

Colombia , Equador e Cuba
Venezuela, Uruguai
Barbados e Nicarágua
Jamaica, woman no cry
Panamá e depois México
O espanhol foi léxico
E no próximo quem vai?

Veio a Unesco mediar
A AECID e SEGIB
Compondo vários GTs
Auxiliando quem decide
Alguns ficaram até roucos
Pena que vieram poucos
Países lá do Caribe

A diáspora africana
Alcançou o mundo inteiro
Os corpos acorrentados
Nos podres navios negreiros
Religião, som e alma
Nessa hora muita calma
Da agonia passageiros

Ao fim deste encontro
Que já tem papel histórico
Juca, o ministro, disse,
Que “saímos do retórico”
Não precisa dar descontos
Foram 19 pontos
Adeus plano teórico!

Solidariedade plena
Por meio institucional
O Brasil já dá o exemplo
Em solo internacional
Pra espalhar isso nos ares
A Fundação Palmares
Assumiu o know how

A Agenda Afro Descendente
Vai ter sua secretaria
Todas Américas juntas
Trabalhando em harmonia
Políticas públicas são
O cerne desta questão
Decidiu-se na Bahia

Há o Observatório
Afro Latino na veia
Com as redes sociais
Formando uma grande teia
Publicação de artigos
Notícias de seus amigos
É melhor que voce leia

Desenvolvimento artístico
Intercâmbio cultural
De matriz bem africana
Angola, Guiné, Senegal
Candomblé ou santeria
Seja de noite ou de dia
Proteção universal

Também o audiovisual
E sua circulação
Pulverizando as fronteiras
Entre a arte e o cidadão
Filmar sofrimento e glória
É o caldo da memória
Pra que fique uma lição

Publicações editadas
Trazendo um relato novo
Digital ou papel
Chegando nas mãos do povo
Refaz-se o processo histórico
Do processo diaspórico
Que foi pro negro um estorvo

Computador hoje em dia
Faz-se também necessário
Viver sem conexão
É um estado temerário
As línguas afro-latinas
Por que que ninguém ensina ?
Mude-se este abecedário!

As ações afirmativas
Tomando de exemplo as cotas
Respeitar as mães-de-santo
BabaIorixás, makotas
Espantar o desemprego
Criando pra isso emprego
Vão surgindo novas rotas

Afrodescendentes hoje
Querem inserção social
Futuros juízes negros
Fazendo o terceiro grau
Bastaram só oito anos
Foram-se os perversos planos
Do Brasil colonial

Xica Xavier bradou
Convém aqui registrar
“No livro da Rede Globo
O meu nome não está”
Antonio Pompeu também sabe
Que na mídia o negro cabe
Também na sala de estar

Por isso que cabe a todos
Países dos continentes
Fiscalizar todas mídias
Não discrimine as gentes
Por causa apenas da pele
E caso então ela apele
Que a Justiça mostre os dentes!

Apoiar sempre as mulheres
Que são afro-descendentes
Elevando a auto-estima
Destas mães, grandes correntes
Elo das comunidades
Nas roças ou nas cidades
Registro nesse repente

O nível das atrações
Foi pra lá de muito bom
O Grupo Bahia Trío
E o grande Papá Roncón
Que continente diverso
Que recorte de universo
Palmas pro Dúo Así Son..

No show de Elza Soares
Riachão foi o tal
Mariene de Castro foi
Levantou mais o astral
Dona Elza, sim, é bamba
Hoje é rainha do samba
E também cantou o Brown

A história sempre escrita
Pelas mãos do vencedor
Com critérios mafiosos
De preconceito de cor
Se toda revolta vale
Que a Justiça não se cale
E ninguém se cale ao amor

II ECONTRO AFRO LATINO

Integração Afro-Latina

Ministros da Cultura e autoridades da América Latina e do Caribe participam de encontro em Salvador
“Na matriz africana reside a verdadeira força da cultura brasileira.” Essa afirmação foi feita pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, durante a abertura dos trabalhos do II Encontro Afro-Latino - Encontro Ibero-Americano de Ministros da Cultura para uma Agenda Afrodescendente nas Américas, ocorrida na manhã desta quarta-feira, 26 de maio, no Museu da Misericórdia, em Salvador.

O evento conta com as presenças de quatro ministros da Cultura de países latino-americanos e de seis autoridades representantes de nações da América Latina e do Caribe, totalizando dez países participantes. Na agenda do encontro, que tem como tema central A Força da Diáspora Africana, está a discussão de três eixos:

* Memória histórica, valor e visibilidade das comunidades afrodescendentes e da Diáspora Africana
* Comunicação e apropriação social da história e dos valores culturais dos afrodescendentes - articulação de políticas públicas no âmbito cultural, educacional e tecnológico
* A Força da Diáspora Africana nas Américas - participação social e perspectivas de cooperação internacional.

Durante os trabalhos, ainda serão discutidos os desdobramentos da Declaração de Cartagena, fruto da primeira edição do Encontro, realizada em 2008, em Cartagena das Índias, na Colômbia; os avanços do Observatório Afro-Latino, sob a responsabilidade da Fundação Cultural Palmares do MinC; e a elaboração da Carta de Salvador, que conterá as prioridades definidas pelos participantes do encontro.

O ministro Juca Ferreira enfatizou que o Brasil deverá exercer um papel de destaque nesse processo. “A Cultura é hoje no mundo o grande instrumento de construção da igualdade. Temos hoje um país mestiço, complexo culturalmente, isso cria uma responsabilidade grande para o Brasil como porta voz deste encontro. Para o Século XXI a Cultura é uma das políticas mais importantes para o sucesso do desenvolvimento.”

Também ressaltou o trabalho que vem sendo desenvolvido no país no sentido de uma mudança de visão da sociedade com relação a muitos temas e segmentos culturais. “Nós do Ministério da Cultura temos nos esforçado por convencer as pessoas da necessidade e da possibilidade da mudança - não apenas no tocante à questão dos afrodescentes, mas em todas as áreas da cultura: das políticas de cidadania, inclusão e diversidade até as iniciativas transversais.”

Por sua vez, Zulu Araújo, presidente da Fundação Cultural Palmares - instituição vinculada ao MinC, que está promovendo o evento - fez menção ao Encontro de Pensadores atividade da programação paralela que acontece no âmbito do II Encontro Afro-Latino e reúne cerca de 300 especialistas da região. “Precisamos saber o que a sociedade quer de políticas públicas para a área de cultura para os afrodescentes”, destacou.

Encontro Afro-Latino e Caribenho - Uma das reivindicações dos representantes dos países do Caribe foi a alteração do nome do evento para Encontro Afro-Latino e Caribenho de Ministros da Cultura para uma Agenda Afrodescendente. O ministro Juca Ferreira se mostrou favorável à solicitação da delegação caribenha e propôs que a mudança ocorresse logo

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O Brasil dá uma lição ao mundo com dialogo

O IMPÉRIO MANDA, AS COLÔNIAS OBEDECEM

Frei Betto e João Pedro Stédile


Após a Segunda Guerra Mundial, quando as forças aliadas saíram vitoriosas, o governo dos EUA tentou tirar o máximo proveito de sua vitória militar. Articulou a Assembléia das Nações Unidas dirigida por um Conselho de Segurança integrado pelos sete países mais poderosos, com poder de veto sobre as decisões dos demais.

Impôs o dólar como moeda internacional, submeteu a Europa ao Marshall, de subordinação econômica, e instalou mais de 300 bases militares na Europa e na Ásia, cujos governos e mídia jamais levantam a voz contra essa intervenção branca.

O mundo inteiro só não se curvou à Casa Branca porque existia a União Soviética para equilibrar a correlação de forças. Contra ela, os EUA travaram uma guerra sem limites, até derrotá-la política, militar e ideologicamente.

A partir da década de 90, o mundo ficou sob hegemonia total do governo e do capital estadunidenses, que passaram a impor suas decisões a todos os governos e povos, tratados como vassalos coloniais.

Quando tudo parecia calmo no império global, dominado pelo Tio Sam, eis que surgem resistências. Na América Latina, além de Cuba, outros povos elegem governos antiimperialistas. No Oriente Médio, os EUA tiveram que apelar para invasões militares a fim de manter o controle sobre o petróleo, sacrificando milhares de vidas de afegãos, iraquianos, palestinos e paquistaneses.

Nesse contexto surge no Irã um governo decidido a não se submeter aos interesses dos EUA. Dentro de sua política de desenvolvimento nacional, instala usinas nucleares e isso é intolerável para o Império.

A Casa Branca não aceita democracia entre os povos. Que significa todos os países terem direitos iguais. Não aceita a soberania nacional de outros povos. Não admite que cada povo e respectivo governo controlem seus recursos naturais.

Os EUA transferiram tecnologia nuclear para o Paquistão e Israel, que hoje possuem bomba atômica. Mas não toleram o acesso do Irã à tecnologia nuclear, mesmo para fins pacíficos. Por quê? De onde derivam tais poderes imperiais? De alguma convenção internacional? Não, apenas de sua prepotência militar.

Em Israel, há mais de vinte anos, Moshai Vanunu, que trabalhava na usina atômica, preocupado com a insegurança que isso representa para toda a região, denunciou que o governo já tinha a bomba. Resultado: foi sequestrado e condenado à prisão perpetua, comutada para 20 anos, depois de grande pressão internacional. Até hoje vive em prisão domiciliar, proibido de contato com qualquer estrangeiro.

Todos somos contra o armamento militar e bases militares estrangeiras em nossos países. Somos contrários ao uso da energia nuclear, devido aos altos riscos, e ao uso abusivo de tantos recursos econômicos em gastos militares.

O governo do Irã ousa defender sua soberania. O governo usamericano só não invadiu militarmente o Irã porque este tem 60 milhões de habitantes, é uma potência petrolífera e possui um governo nacionalista. As condições são muito diferentes do atoleiro chamado Iraque.

Felizmente, a diplomacia brasileira e de outros governos se envolveu na contenda. Esperamos que sejam respeitados os direitos do Irã, como de qualquer outro país, sem ameaças militares.

Resta-nos torcer para que aumentem as campanhas, em todo mundo, pelo desarmamento militar e nuclear. Oxalá o quanto antes se destinem os recursos de gastos militares para solucionar problemas como a fome, que atinge mais de um bilhão de pessoas.

Os movimentos sociais, ambientalistas, igrejas e entidades internacionais se reuniram recentemente em Cochabamba, numa conferência ecológica mundial, convocada pelo presidente Evo Morales. Decidiu-se preparar um plebiscito mundial, em abril de 2011. As pessoas serão convocadas a refletir e votar se concordam com a existência de bases militares estrangeiras em seus países; com os excessivos gastos militares e que os países do Hemisfério Sul continuem pagando a conta das agressões ao meio ambiente praticadas pelas indústrias poluidoras do Norte.

A luta será longa, mas nessa semana podemos comemorar uma pequena vitória antiimperialista.

Frei Betto é escritor

João Pedro Stédile integra a direção da Via Campesina

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A elite do poder financeiro

Os personagens da administração Obama encarregados de política e regulação financeira incluem os principais ex-funcionários do Citigroup. Chase (agora parte do JPMorgan Chase), Goldman Sachs, Merrill Lynch (agora parte do Bank of América), Lehman Brothers, Barclays e Hartford Financial, assim como outras empresas de serviços financeiros

JOHN BELLAMY FOSTER E HANNAH HOLLEMAN

Uma questão crítica atualmente é a extensão na qual tais elementos financeiros chegaram a dominar setores estratégicos nos EUA – e como isso afeta a capacidade do Estado de agir de acordo com as necessidades públicas. A influência dos interesses financeiros é invariavelmente maior no Departamento do Tesouro. Andrew Mellon, banqueiro e terceiro homem mais rico dos Estados Unidos durante o início do século XX, foi secretário do Tesouro de 1921 a 1932. Mais recentemente, Bill Clinton escolheu como seu primeiro secretário do Tesouro o co-presidente da Golman Sachs, Robert Rubin. George W. Bush escolheu com seu terceiro secretário do Tesouro o presidente do Goldman Sachs, Henry Paulson.

Ao analisar a penetração da elite financeira nos corredores do poder do estado (particularmente naquelas áreas onde seus próprios interesses especiais estão envolvidos), a administração Obama merece um escrutínio especial, já que a eleição presidencial ocorreu em meados da Grande Crise Financeira, que levou ao que veio a ser conhecido como a Grande Recessão. Um salvamento do setor financeiro já estava a caminho na administração Bush, e foi expandido sob a nova administração. A escolha de funcionários para lidar com a crise financeira foi, portanto, de longe a maior e mais urgente questão enfrentada pela equipe de transição de Obama logo após a eleição. Foram esses funcionários os responsáveis pela gestão do TARP (o Troubled Asset Relief Program – Programa de auxílio a ativos problemáticos). Desde a eleição de Franklin Roosevelt em 1932 uma situação similar não se havia apresentado.

As escolhas feitas pela equipe de Obama a este respeito estão ilustradas na Tabela, (ver ao final do texto) que apresenta posições selecionadas relacionadas a finanças na administração, e as conexões com o setor financeiro dos indivíduos que preencheram estas posições. Os resultados mostram que os personagens selecionados para desenvolver e executar a política federal relativa às finanças foram em grande parte convocados entre os executivos dos conglomerados financeiros. A evidência indica também que existe uma forte rede com várias ligações com o Goldman Sachs e o antigo secretário do Tesouro Robert Rubin.

PROJETO GRAMM-LEACH-BILLEY

O feito mais notável de Rubin como secretário do Tesouro sob Clinton foi o estabelecimento de bases para a aprovação da Lei de Modernização dos Serviços Financeiros de 1999 (também conhecida como Projeto Gramm-Leach-Billey), que revogou a Lei Glass-Steagall de 1933. Rubin renunciou em maio de 1999 e foi substituído por seu suplente, Lawrence Summers, atualmente consultor-chefe em economia de Obama. Entretanto, em outubro de 1999, Rubin ressurgiu para ajudar a negociar o acordo final na Gramm-Leach-Billey entre a Câmara, o Senado e a administração Clinton. Poucos dias depois de ter sido fechado o acordo, ele anunciou que havia aceito uma posição como consultor sênior (na equipe de três pessoas do presidente do banco) no Citigroup – um dos principais beneficiados pela revogação da Glass-Steagall. Em seu novo emprego, Rubin foi agraciado com uma base salarial anual de US$ 1 milhão e bônus adiados para 2000 e 2001 de US$ 14 milhões anuais, mais opções em 1999 e 2000 para participação acionária de US$ 1,5 milhão no Citigroup. Ele acabou por ganhar US$ 126 milhões em dinheiro e ações na década seguinte.

Summers apoiou decisivamente Rubin em sua campanha de desregulamentação financeira durante a bolha do final dos anos 90, e foi ele mesmo bem compensado em seus esforços. Recebeu US$ 5,2 milhões em 2008 como diretor em meio-período do fundo de hedge D.E. Shaw, e US$ 2,8 milhões por palestras que fez no mesmo ano no JPMorgan Chase, Citigroup, Merrill Lynch, Goldman Sachs e outras instituições financeiras.

O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, ex-chefe do Federal Reserve de Nova Iorque, é um protegido de Rubin/Summers, como vários outros na administração. (Geithner foi substituído em 2009 como presidente do Federal Reserve Bank de Nova Iorque por William Dudley, que, antes de sua seleção pela comissão de diretores do Fed de Nova Iorque – chefiado pelo antigo co-presidente de Rubin no Goldman Sachs – foi economista-chefe, associado e gerente no Goldman Sachs). Neal Wolin [subsecretário do Tesouro], até 2008 um funcionário importante no conglomerado de seguros Hartford, hoje secretário-adjunto do Tesouro sob Obama, durante a administração Clinton supervisionou uma equipe de advogados do Tesouro responsável pela revisão da legislação que revogou a Glass-Steagall. Michael Froman, assistente-substituto da Presidência, era o chefe da equipe de Rubin no Tesouro, e o seguiu no Citigroup, onde tornou-se diretor-gerente, depois unindo-se à administração Obama. Ele havia conhecido Obama através de seu trabalho na Harvard Law Review, e apresentou Obama a Rubin.

Os personagens da administração Obama encarregados de política e regulação financeira incluem os principais ex-funcionários do Citigroup. Chase (agora parte do JPMorgan Chase), Goldman Sachs, Merrill Lynch (agora parte do Bank of América), Lehman Brothers, Barclays e Hartford Financial, assim como outras empresas de serviços financeiros. Desta forma, nas reuniões com a administração, os representantes dos maiores interesses financeiros frequentemente se encontram face a face com seus antigos colegas/executivos (e algumas vezes competidores).

FUSÕES

O fato de o Fed estar encarregado de ser o emprestador de última instância acaba por colocá-lo na posição de socializar as perdas financeiras (e de privatizar os ganhos).

As coisas ficam ainda mais complicadas pela existência dos “grandes demais para falir”. Devido a interesses financeiros, isso dá um grande incentivo para as fusões, a fim de assegurar o status automático para o salvamento. Isso tanto aumenta os lucros das firmas vistas como tendo obtido o status de “grande demais para falir” (o que lhes dá “economias de escala” derivadas de sua maior garantia), quanto cria o que é chamado de “risco moral”, já que é mais provável que firmas assim assumam riscos maiores. Juntamente com a tendência geral para a financiarização, o “grande demais para falir” gera condições que ameaçam sobrecarregar a função do Estado como emprestador de última instância.

Uma camada adicional de complexidade e incontrolabilidade é adicionada pelo que Yves Smith, fundador do influente site financeiro Naked Capitalism, chamou de “o coração das trevas”: o sistema bancário oculto, ou o buraco negro de inovações financeiras desreguladas (ou desreguláveis), que inclui conduítes bancários (tais como veículos de investimento estruturado), repôs (acordos de recompra), credit default swaps (troca de inadimplência de crédito), etc. O sistema é tão opaco e permeado de riscos que quaisquer restrições impostas ameaçam desestabilizar todo o castelo de cartas financeiro. No máximo, são feitas tentativas para escorar os grandes bancos, esperando que eles funcionem como âncoras para estabilizar o sistema. Não obstante, isso é tornado quase impossível pelo tamanho assustador do sistema bancário oculto aos quais os principais bancos estão conectados: os compromissos extra-balanços contábeis dos principais bancos comerciais dos EUA em 2007 montavam a trilhões de dólares.

O lobby financeiro norte-americano, enquanto isso, não se deterá por nada para assegurar que a economia do cassino possa continuar do jeito que é atualmente, sem interferências ou mesmo as mais leves concessões. As compensações aos executivos ilustram esse ponto. Em 2000-08, Wall Street pagou mais de US$ 185 bilhões em bônus. Antes de se tornar secretário do Tesouro, Henry Paulson, em 2005, recebia um salário de US$ 600 mil como presidente executivo da Goldman Sachs, mais US$ 38,2 milhões em outras formas de compensação (US$ 70,3 milhões anualmente).

A Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, está na reta final da organização do II Encontro Afro-Latino, que acontecerá entre os dias 25 a 28 de maio em Salvador (BA). O evento é um compromisso assumido em 2008, na primeira edição do encontro, em Cartagena, na Colômbia, e reunirá 20 ministros de cultura da América Latina, além de organismos internacionais como, a Organização dos Países Ibero-Americanos (OEI), Unesco e Organização Internacional para as Migrações.

O objetivo, agora, é avançar na discussão e elaborar uma Agenda Afrodescendente nas Américas que contemple políticas públicas de ações afirmativas para a igualdade racial, por meio de projetos e propostas de cooperação entre os 20 países envolvidos no empreendimento.

O primeiro evento foi considerado um marco na proposta de cooperação multilateral entre os países ibero-americanos, que elegeram a diversidade cultural como eixo central para um projeto de integração, pois foi posicionada como elemento fundamental da identidade e do bem estar das nações. O Encontro deixou claro que é na riqueza das manifestações culturais que a população afrodescendente de todos os países encontra um sentimento comum de unidade e de solidariedade para a afirmação de seus valores e de seu patrimônio.

A programação mesclará plenárias, conferências, atividades artísticas, shows e workshops, num esforço concentrado de mobilizar a atenção pública, dos gestores e artistas para a concretização de um projeto com diretrizes que norteiem a ação dos países latinos no âmbito das políticas culturais e de reparação social.

Processo Democrático

Processo Democrático
Belém apresenta contribuições para o aperfeiçoamento do Procultura

“Democracia não se faz por procuração”. Com essa declaração, Joãozinho Ribeiro, coordenador geral de Estratégias e Ação da Secretaria de Articulação Institucional do Ministério da Cultura, convocou os paraenses a participarem da discussão para aprimoramento do Projeto de Lei nº 6722/2010. A reunião pública, realizada em Belém nessa sexta-feira, 14 de maio, contou com a presença de gestores, produtores e representantes das diversas classes artístico-culturais da região.

Ribeiro elogiou a iniciativa do Congresso Nacional de abrir, novamente, o debate democrático a respeito do Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura). E afirmou que a implantação de uma nova legislação para o setor é reivindicação antiga. “A reforma da Lei Rouanet não saiu da cabeça do gestor de plantão, ela está inserida em um processo participativo, expressivo e inédito provocado pela sociedade. A discussão é mecanismo fundamental para que a gente se veja, se revele e concerte as distorções”, avaliou.

A Região Norte brasileira possui o menor índice de captação de recursos, via renúncia fiscal, para realização de projetos culturais - apenas 0,45% nos sete estados, enquanto o Sudeste capta 79,11%. Para Daniel Zen, secretário de Cultura do Acre, esses percentuais refletem os números da industrialização e da concentração de empresas no Sul e Sudeste do país.”O mecanismo do mecenato reproduz a situação sócio-econômica do País”, declarou.

De acordo com Projeto de Lei nº 6722/2010, que tramita na Câmara dos Deputados, o Procultura irá fortalecer o Fundo Nacional de Cultura, que passará a ser o principal mecanismo de fomento para o setor ao estabelecer novas maneiras para apoiar os artistas, empresas e instituições culturais e criar oito fundos setoriais. Segundo dados do MinC, o FNC é responsável, atualmente, por somente 12% do financiamento à cultura no país.

Januário Guedes, representante do setor audiovisual, disse que os proponentes do Norte sabem elaborar e inscrever projetos culturais no Ministério da Cultura, porém as empresas não se interessam pela demanda local: “Há empresas em Belém, cuja matriz está no Rio Grande do Sul e em São Paulo, que dizem não poder determinar qual projeto irão patrocinar, pois quem resolve é Rio Grande do Sul e São Paulo” denunciou. “A lei está aqui, mas fiquemos atentos aos desdobramentos que ela possa ter porque senão a gente pode ser surpreendido por ações que realmente fechem a questão e não democratizem o processo”, alertou.

Já Isac Loureiro, representante do Colegiado Setorial de Cultura Popular do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), órgão colegiado do MinC, acredita que aprovação do Procultura é o começo de um processo de transformação do modelo de como os recursos públicos chegam até os produtores culturais “independente se eles estão na Avenida Paulista ou na beira de um igarapé”.

Sugestões - A população paraense propôs a criação de dois novos Fundos Setoriais: o de Arquivo e Artesanato. Pediram, também, que o atendimento ao proponente, realizado no Ministério da Cultura, seja aperfeiçoado. Os paraenses sugeriram, ainda, atenção para a constituição do Conselho Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) e o seu papel no novo modelo de legislação.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

"Os Doze Obás de Xangô"

Assim como o vento que sopra e ninguém vê, o tempo passa transformando tudo, às vezes sem ninguém notar...

O que fica é o que o vento traz e o tempo nos deixa impressos a sabedoria e o conhecimento vindos de
outras épocas, como que trazidos pelo vento...

Foi assim que cheguei nestas terras: trazida pelo vento. Venho de outra época para deixar aqui
um relato de minha missão. Vim predestinada: descendente de africanos, nascida
em Salvador, escolhida pelos orixás. Chamo-me Eugênia Anna Santos - Mãe Aninha.

Vou contar a todos minha história, que começa muito antes de meu nascimento...

Há muitas gerações passadas, em tempos incontáveis, havia uma terra chamada Oyó. Lá havia um rei.
Xangô era rei de Oyó. O mais temido e respeitado de todos os reis. Mesmo assim,
um dia, seu reino foi atacado por um grande número de guerreiros que invadiram
sua cidade violentamente, destruindo tudo, matando soldados e moradores numa
tremenda fúria assassina. Xangô reagiu e lutou bravamente durante semanas.

Um dia, porém, percebeu que a guerra tornara-se um caminho sem volta. Já havia perdido muitos
soldados e a única saída seria entregar sua coroa aos inimigos. Resolveu então
procurar por Orunmilá e pedir-lhe um conselho para evitar a derrota quase certa.
O adivinho mandou que ele subisse uma pedreira e lá aguardasse, pois receberia
do céu a iluminação do que deveria ser feito. Xangô subiu e, quando estava no
ponto mais alto do terreno, foi tomado de extrema fúria. Pegando seu Oxê,
machado de duas lâminas, começou a quebrar as pedras com grande violência.
Estas, ao serem quebradas, lançavam raios tão fortes que em instantes
transformaram-se em enormes línguas de fogo que, espalhando-se pela cidade,
mataram uma grande quantidade de guerreiros inimigos. Os que restaram,
apavorados, procuraram os soldados de Xangô e renderam-se imediatamente pedindo
clemência.

Levados à presença do rei, os presos elegeram um emissário para servir-lhes de porta-voz. O homem
escolhido foi logo se atirando aos pés de Xangô. Reclinando-se, pediu perdão.
Humilhando-se, explicou que lutavam, não por vontade própria e sim forçados por
um monarca, vizinho de Oyó, que tinha um grande ódio de Xangô e os martirizava
impiedosamente. Xangô, altamente perspicaz, enxergou nos olhos do guerreiro que
ele falava a verdade e perdoou a todos, aceitando-os como súditos de seu reino.
Foi assim que ele ficou conhecido como o orixá justiceiro, aquele que perdoa
quando defrontado com a verdade, mas que queima com seus raios os mentirosos e
delinqüentes.

Após o desaparecimento do lendário rei Xangô e sua transformação em orixá, seus
sacerdotes se reuniram a fim de perpetuar sua memória. Esses ministros, antigos
reis, príncipes ou governantes de territórios conquistados pela bravura de
Xangô, não quiseram deixar extinguir a lembrança do heroi na memória das
gerações futuras.

Formou-se, assim, um conselho encarregado de manter vivo o culto ao rei de Oyó, organizado com os
doze ministros que o tinham acompanhado em terra: seis ao lado direito e seis ao
lado esquerdo.

Seis para condenar e seis para absolver.
Esta história eu
ouvi desde muito cedo, assim como outras, como, por exemplo, a chegada de meus
antepassados aqui no Brasil...

Em suas mãos, sob suas unhas, restava, ainda, um pouco da terra da Mãe África; em seu peito a dor,
a solidão, o medo e a incerteza. Em seu olhar o vazio. Atravessando o mar
tenebroso rumo ao desconhecido, enfrentando tormentas sob condições desumanas.

Para muitos a vida, longe da terra mãe, já não valia a pena. Os que aqui desembarcaram vieram sob o acalento da mãe do mar. Trouxeram em sua alma a
saudade e junto com a saudade um tesouro que ninguém poderia tirar: sua cultura.
Graças aos orixás encontraram forças para suportar tamanha injustiça.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

CNT/Sensus mostra Dilma com 35,7% e Serra com 33,2%




17/05/2010 11h40 - Atualizado em 17/05/2010 13h36
CNT/Sensus mostra Dilma com 35,7% e Serra com 33,2%
Situação é de empate técnico, segundo Instituto Sensus.
Pesquisa foi encomendada pela Confederação Nacional do Transporte.

Robson Bonin Do G1, em Brasília
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José Serra e Dilma RousseffJosé Serra e Dilma Rousseff estão em situação de
empate técnico, segundo CNT/Sensus (Foto:
Divulgação/Eduardo Quadros/AE)

Pesquisa CNT/Sensus divulgada nesta segunda-feira (17) mostra a pré-candidata do PT, Dilma Rousseff, em situação de empate técnico com o pré-candidato do PSDB, José Serra, na disputa eleitoral pelo Palácio do Planalto.

A cinco meses da eleição presidencial de outubro, Dilma aparece com 35,7% contra 33,2% de Serra, no cenário em que o entrevistado é confrontado com uma lista com 11 candidatos. A margem de erro da pesquisa é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos, o que justifica o empate técnico. No levantamento, a pré-candidata do PV, Marina Silva, tem 7,3%.

A pesquisa foi encomendada ao Institudo Sensus pela Confederação Nacional do Transporte. Foram entrevistadas 2 mil pessoas, em 136 municípios de 24 estados.
OS RESULTADOS DA PESQUISA CNT/SENSUS
Dilma Rousseff (PT) 35,7%
José Serra (PSDB) 33,2%
Marina Silva (PV) 7,3%
José Maria Eymael (PSDC) 1,1%
Américo de Souza (PSL) 1%
Mário de Oliveira (PT do B) 0,4%
Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) 0,4%
Zé Maria (PSTU) 0,4%
Rui Costa Pimenta (PCO) 0,1%
Levy Fidelix (PRTB) 0,1%
Oscar Silva (PHS) 0,1%
Nulos, indecisos ou não responderam 20,6%

Apesar de Dilma superar Serra pela primeira vez na pesquisa CNT/Sensus, a margem de erro leva o resultado a um empate técnico. “Há uma intersecção na margem de erro”, afirmou Ricardo Guedes, do Instituto Sensus.

No cenário em que apenas Serra, Dilma e Marina são apresentados aos entrevistados, o candidato do PSDB tem 37,8% e leva ligeira vantagem sobre Dilma que aparece com 37%. Nessa situação, Marina tem 8%.

Todos os cenários estão relacionados ao primeiro turno da disputa. Já no segundo turno simulado entre Dilma e Serra, a candidata petista soma 41,8% dos votos contra 40,5% do candidato da oposição. No cenário entre Dilma e Marina, a petista soma 51,7% e a candidata do PV, 21,3%. Na simulação Serra contra Marina, o tucano tem 50,3% e Marina 24,3%.

Em 1º de fevereiro, na última rodada divulgada pela CNT/Sensus, Dilma já aparecia empatada com Serra. O candidato tucano tinha 33,2% contra 27,8% da petista. A diferença de 5,4% caracterizou empate porque a margem de erro do levantamento foi de três pontos percentuais.

A ex-ministra-chefe da Casa Civil ficou em igualdade com o ex-governador de São Paulo no cenário simulado com o deputado federal Ciro Gomes (PSB), obrigado a se retirar da disputa por uma decisão do seu partido, que declarou apoio à petista.

Pesquisa espontânea
Realizada entre 10 e 14 de maio, a pesquisa não chega a medir a influência do programa partidário do PT, exibido em rede nacional de rádio e televisão no dia 13 de maio. Pelo critério de manifestação espontânea (quando os próprios entrevistados dizem em quem pretendem votar, sem apresentação de uma lista de nomes pelo pesquisador), Dilma tem 19,8% contra 14,4% de Serra. Marina Silva aparece com 2,7%.quando os próprios entrevistados dizem em quem pretendem votar, sem apresentação de uma lista de nomes.

Candidata do governo
Segundo Guedes, o bom desempenho de Dilma é justificado pela popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (83,7%) e de seu governo (76,1%). A CNT/Sensus também mediu a capacidade de transferência de votos de Lula para Dilma e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para Serra.
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* Dilma empata com Serra em cenário com Ciro na disputa, diz CNT/Sensus

O grupo dos que votariam ou poderiam votar em um candidato de Lula somou 60,8%. Já os que votariam ou poderiam votar em um candidato de FHC representaram 23,5%. “Dilma é a candidata do governo e o governo tem uma aprovação positiva. As condições socioeconômicas são favoráveis à população. A medida que ela é identificada com lula, o desempenho vai subindo”, analisou Guedes. “A queda de Serra também está associada ao fato de Serra ser associado à oposição”, complementou.

Candidatos
Além de Dilma, Serra e Marina, a pesquisa CNT/Sensus incluiu outros oito pré-candiatos. José Maria Eymael (PSDC) teve 1,1% e Américo de Souza (PSL) somou 1%. Mario de Oliveira (PTdoB), Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) e Zé Maria (PSTU) aparecem com 0,4% das intenções de voto. Rui Costa Pimenta (PCO) tem 0,2% e Levy Fidelix (PRTB) e Oscar Silva (PHS), 0,1%. Nulos, indecisos ou que não responderam ao levantamento somam 20,6%.

Metodologia
Por questões técnicas, a CNT/Sensus modificou a forma de apresentação do questionário aos entrevistados. Nas outras edições, a avaliação do governo e de Lula era consultada primeiro e depois o entrevistado respondia sobre a disputa eleitoral. Agora, os entrevistadores do Instituto Sensus fizeram as perguntas eleitorais primeiro e só depois questionaram a avaliação do governo e de Lula.

Para Guedes, a inversão só evitou possíveis contestações jurídicas: “Essa modificação não influencia no resultado da pesquisa.” Outra modificação realizada foi a apresentação dos nomes dos candidatos em um formato de “pizza” e não no modelo tradicional de lista.

O tombamento do Teatro São Cristóvão, Teatro de Pássaro

João de Jesus Paes Loureiro

O Teatro São Cristóvão, fica localizado na parte interna do terreno que tem, na área da frente, a sede do tradicional e importante Sindicato dos Motoristas de Belém. Ainda que esteja em São Paulo no período em que se comemora a fundação de Belém do Pará, soube da notícia do pretendido “tombamento” isolado da sede do Sindicato, gerando divergências quanto à validade ou não de incluir também nesse processo de tombamento o teatro. Com sempre há conflito de opiniões no torvelinho que gira no eixo desse tipo de tema, não posso me omitir no momento em que se coloca essa questão, quando ainda há tempo de poder contribuir ao seu encaminhamento. Coloco, mesmo à distância, meu ponto de vista próximo do problema, uma vez que venho testemunhando como poeta (escrevi, publiquei, tendo sido posto em cena, musicada por Waldemar Henrique, a peça “Pássaro da Terra”, dentro da estrutura cênica desse teatro popular), pesquisador (analiso esse teatro paense em minha tese de doutoramento “Cultura Amazônica – Uma poética do imaginário”) e administrador público (quando desempenhei as funções públicas de Secretário Municipal de Educação e Cultura – de onde saiu a Fumbel, Superintendente da Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves, Secretário de Estado da Cultura e Presidente do Instituto de Artes do Pará) a importância artística e cultural do Pássaro Junino e o significado social desse espaço cênico. Não poderei apresentar dados estatísticos relativos ao tema da relevância cultural desse espaço, visto não estar em Belém, mas, para quem quiser entender, as palavras bastarão para demonstrar o que desejo, fruto de compromisso com a cultura do meu amazônico Estado.

A história, o imaginário, a memória, os signos culturais, ainda que conceitos abstratos, necessitam estar ancorados na realidade concreta para se sustentarem no tempo. É o que, referindo-se à ficção romanesca, Roland Barthes denomina de “efeito do real”. O real legitimando o espiritual, o concreto sustentando o imaterial. Todo espaço de concretização da história e da cultura torna-se um espaço “sagrado” e cerimonial de legitimação daquilo que nele fez a sua realidade. A interminável guerra no oriente médio é também uma luta pela posse de espaços concretos de legitimação imaterial de crenças.

A perda dos lugares é intercorrente com a perda de suas significações. E, ao mesmo tempo, a diluição de sentido daquilo que nesses espaços construiu sua existência. A destruição do Lago Espelho da Lua, por exemplo, no município paraense de Faro, lugar da celebração anual de amor das Icamiabas – as Amazonas, seria um golpe mortal, a longo prazo da lenda, que é uma das faces do rosto de nossa identidade. O que seria do Círio de Nazaré sem o lugar caminhante de sua peregrinação da Sé à Basílica-Santuário? Há Círio de Nazaré em outros lugares. Mas o lugar legitimador do Círio de Nazaré, mesmo em Belém do Pará, é o espaço desse chão que vem da Sé, bordeja o Ver o Peso, navega pelo Boulevard, ondeia sob os túneis de mangueiras da Presidente Vergas e Av. Nazaré, até desaguar na Pça. Santuário da Basílica. Os espaços concretos transfiguram-se em espaços simbólicos e são ritualisticamente suportes concretos da imaterialidade desses bens. Haveria perdas essenciais para o mundo católico, por exemplo, a destruição da Basílica de São Pedro e sua Capela Sistina. Risco para a devoção à N. S. de Fátima decorreria do corte da oliveira sobre cuja copa a santa pairou diante do olhar extasiado daqueles irmãos camponeses Lúcia, Jacinta e Francisco.

Os lugares resultam de construção material e espiritual, visível e imaginária, individual e social. Mas o produto e o destino dessa construção plural é coletivo. Se a casa é do indivíduo, a cidade é de todos os seus habitantes, da sociedade que nela constitui o pertencimento sua humanidade. Há, portanto, uma alma na cidade tecida pela cultura e o entrelaçamento das vidas, que une passado ao presente e sua passagem para o futuro. Dessa atmosfera espiritualizante revela-se a poética das cidades que faz delas uma integridade trasladando-se no tempo, que não deve sofrer violências simbólicas por soluções urbanísticas que não respeitem sua história cultural e a pluralidade de direitos dos cidadãos sobre a sua cidade.

Creio que, uma das questões éticas na estética de uma cidade decorre dos desenraizamentos provocados na medida em que se destroem os referenciais da memória, abrindo-se campo para uma espécie de “nostalgia sem memórias”. Ou, como quer Frederic Jamerson, a nostalgia de um presente que se perde. Pela homogeneização, quando se perdem os referenciais locais, projetando-se nas paisagens da construção de mundos imaginados, as pessoas, vivendo que vivem no lugar, imaginam-se vivendo vidas de outras cidades, de outras vidas.

Voltemos à nossa questão particular: O Teatro São Cristóvão. É o nosso teatro dos pássaros. O lugar tradicional de apresentação do Pássaro Junino. Aliás, o único espaço historicamente legitimado para essa modalidade de arte cênica, criação do povo do Pará, expressão simbólica da cultura paraense, e a mais significativa expressão popular da arte cênica. O Pássaro Junino é a relevante e original contribuição da cultura paraense ao ciclo junino da cultura brasileira. Um teatro ainda atual e sobrevivente pela dedicação de sua comunidade emocional. Não é um retrato na parede do passado.

A cultura no local é um dos fatores fundamentais para a existência social da cidade e um dos fatores de pertencimento de sua população. Quando esse valor é percebido pela sociedade, a importância de sua preservação está garantida. Mas é necessário que esse reconhecimento venha de uma fração da sociedade capaz de influências e decisão por seu capital econômico e social. Ou, quando no caso da população de baixa-renda, mas de grande capital cultural, ela se mobiliza para garantir seus direitos na história cultural do lugar.

A preservação de bens histórico-culturais decorre de uma consciência social de valor. Qual é a fração da sociedade paraense que tem o Pássaro Junino legitimado como um valor? Não é a classe media e nem a alta, de onde vem a hegemonia político-econômica. Inclusive, essas classes sociais já legitimaram seus espaços: Teatro da Paz, Margarida Schivazzapa, por exemplo, igrejas e museus. Mas a classe popular, que tem o sentimento do pássaro e reconhece seu valor, não tem participação dominante nessa hegemonia cultural sustentada pelo político e econômico. Vive num processo permanente de resistência para garantir seus bens simbólicos, quando seria justo que vivesse no gratuito prazer de cultivá-los.

Quando na preservação predomina o valor econômico material, a possibilidade de transformar o prédio em espaço de negócio e lucro, de um modo geral torna-se mais fácil. Porém, se o que se pretende garantir é o lugar concreto de um bem imaterial, a consciência social e moral não consegue sempre vencer a mentalidade do lucro. É o caso do Teatro de Pássaros em questão, o Teatro São Cristóvão.

Por que esse fato polêmico se torna paradoxal? Porque ele é anacrônico, socialmente injusto, moralmente discutível e atenta contra a mais recente orientação brasileira, através do Ministério da Cultura: preservar o patrimônio imaterial da cultura nacional. Aqui no Pará, para lembrar, luta-se ainda em busca da necessária hegemonia (que deveria ser já consensual) para garantir-se o precioso e necessário tombamento do Carimbó nessa categoria de reconhecimento e valor. Mas a comunidade do Pássaro é menor. Diferentemente do Carimbó, não se tem refletido em produção profissional de artistas de variadas categorias e classes sociais, o que significa um reforço de capital social e econômico à causa do ritmo emblemático do Pará. Mas o Pássaro tem voado sem ter onde pousar. Semelhante ao seu enredo, o incansável caçador que vem perseguindo o Pássaro Junino vem sendo a exclusão, a insensibilidade, o não-reconhecimento de valor e o preconceito.

O tombamento e preservação de monumentos tem sua dificuldade decorrente de: 1)Ignorância e negligência; 2)na cobiça e na fraude; 3)nas idéias equivocadas a respeito do progresso ou das demandas do presente; 4)na busca descabida de embelezamento e renovação, na falta de uma educação estética, ou numa educação estética equivocada.[1] Ao que eu acrescento a especulação e uma equivocada busca de beleza. Não estamos diante de passadismos ou conservadorismos. Mas de estima e consciência moral na educação do espírito. A união entre presente e passado pelo devaneio e o sentido de tempo pertencido. Quantas recordações são deletadas na demolição de monumentos históricos? Eles não são velhos farrapos que o progresso despreze como inadequados aos novos tempos.

A perda de patrimônio cultural é um empobrecimento da vida. Sendo assim, a proteção de monumentos não se deve voltar apenas aos estilos do passado, mas contemplar também suas características locais e históricas, as quais não estamos autorizados a corrigir segundo as regras que nos aprouverem, pois essa correções geralmente destroem aquilo que confere um valor insubstituível até mesmo aos mais modestos monumentos.[2]

Enfim, lembro que na Constituição do Estado há suporte legal para o tombamento de bens culturais do Pará. Na época de sua discussão e elaboração, o deputado relator do capítulo sobre Educação e Cultura, Dr. Zeno Veloso, solicitou-me a indicação de itens para os artigos referentes à cultura nesse capítulo. Analisamos em conjunto a matéria e dentre aqueles que sugeri, logo aceitos por ele e incorporados em sua proposta, está o tombamento de lugares onde aconteceram narrativas míticas, fatos históricos e manifestações relevantes da cultura. O espírito da lei é reconhecer o entrelaçamento necessário do imaterial com o material, do simbólico com o concreto, legitimando o material visível como condição necessária ao simbólico imaterial.

O tombamento do Teatro São Cristóvão, patrimônio material, como lugar tradicional do Pássaro Junino em Belém, patrimônio imaterial nele legitimado, pode ser seguramente receber beneficio dessa legitimidade constitucional.

Os padres casados da Igreja Católica

Sob as bênçãos do Vaticano, os diáconos assumem paróquias e celebram batizados e casamentos. Depois, voltam para casa, junto da mulher e dos filhos
No dia 24 de abril, o professor de geografia Wainer Fracaro da Silva, 37 anos, casado e pai de três filhos, recebeu das mãos do cardealarcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, em plena Catedral da Sé, a ordenação da Igreja Católica. A partir daquela data, teve autorização oficial para assumir uma paróquia, realizar batizados e casamentos, aconselhar fiéis e até usar batina. Não, não estamos diante do primeiro caso da história de homem casado que se tornou padre. Silva faz parte, sim, de um grupo ainda pouco conhecido que se avoluma pelo mundo e tem sido uma alternativa em tempos de crise de vocações e falta de pastores. Só para falar da mais amena das crises que a Igreja enfrenta no momento. Ao participarem do ritual em missa solene, após cinco anos de intensos estudos, homens como o professor paulistano tornam-se diáconos permanentes. Naquele mesmo sábado de abril, outros 12 fizeram seus votos. Em uma Igreja na qual o celibato é regra sempre questionada – ainda mais quando surgem casos polêmicos, como os de pedofilia, que tiram o sono do papa Bento XVI nos últimos meses –, ter um homem casado na hierarquia da instituição soa como um avanço. Mas, afinal, quem é e o que faz um diácono permanente? Eles são católicos praticantes comuns que se candidatam à vaga porque desejam servir ainda mais à sua religião, mas sem abrir mão do matrimônio e a união deve ter pelo menos dez anos. Uma vez casados e com família, devem conciliar suas funções na Igreja com a vida profissional e matrimonial, pois não recebem um tostão para servir a Santa Madre. Solteiros e viúvos também podem ser diáconos, desde que assumam o celibato. Casados que se tornam viúvos não podem se casar de novo. Mas podem se tornar padres, se assim o desejarem. “A Igreja ordena pessoas casadas, mas não casa pessoas ordenadas”, resume o engenheiro Odélcio Calligaris, 63 anos, presidente da Comissão Nacional de Diáconos (CND), casado há 30 anos, pai de dois filhos e religioso desde 1993.

Mas não basta ser temente a Deus e cumpridor dos deveres cristãos para se tornar um diácono. É preciso ter ao menos 35 anos, ser casado há dez, estudar teologia e fazer um curso em uma escola diaconal – a CND calcula que existam 90 centros desse tipo no País. O programa tem cinco anos de duração e abrange disciplinas de teologia e oficinas práticas de liturgia e caridade. A esposa do aspirante a diácono também precisa assinar uma carta de próprio punho ao bispo responsável autorizando a escolha. No momento da ordenação, ele faz o voto de obediência – pobreza e castidade ficam de fora por razões óbvias.

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No dia a dia da igreja, esses homens são quase padres. “Nós somos ordenados para a liturgia, para a palavra e para a caridade”, explica o corretor de seguros Ailton Machado Mendes, 48 anos, casado há 25 anos, dois filhos, que serve a igreja como tal desde 2005. Na prática, isso significa que podem fazer quase tudo o que um sacerdote faz, exceto a consagração da hóstia e absolvição dos pecados, os sacramentos da eucaristia e da confissão. O diaconato foi a maneira que o recém-ordenado Silva encontrou para atender a um chamado que apareceu ainda na adolescência. O professor de geografia chegou a considerar a possibilidade de ser padre. “Só que eu tinha também um forte desejo de me casar e constituir família”, diz. Como diácono, conseguiu suprir ambos os anseios. “O sacramento do matrimônio e da ordem não se anulam, pelo contrário, um fortalece o outro.” Mendes também vê dessa forma. “Minha vocação é o matrimônio, mas como diácono posso ajudar ainda mais a Igreja.” Calligaris tem uma boa definição sobre ser diácono. “Temos um pé no clero e outro no mundo, o que permite que façamos uma ponte entre Igreja e sociedade.”
Apesar de o diaconato ter sido oficializado há menos de 50 anos, durante o Concílio Vaticano II (1962-65), reunião de bispos do mundo todo que modernizou vários setores da Igreja, os diáconos existem desde os primórdios do cristianismo. Estão lá, no Novo Testamento, em Atos 6, 1-6. Na passagem, são citados os sete primeiros, escolhidos pelos apóstolos para cuidar das viúvas abandonadas à própria sorte. Continuaram em ação até o século V, quando, por razão não conhecida, caíram no esquecimento. Só foram resgatados pelo papa Paulo VI, após o encontro episcopal. “Por pouco essa questão não passa no Concílio”, conta o padre José Oscar Beozzo, professor do Instituto Teológico de São Paulo (Itesp). “Existia um temor de que, ao abrir essa brecha, a Igreja acabaria cedendo demais.”

Talvez por isso foram necessárias algumas décadas até que o diácono virasse uma realidade nas paróquias brasileiras. “Vai de cada bispo o desejo de ter em sua diocese o diácono permanente”, explica Calligaris, da CND. Daí a função só ter sido liberada na cidade de São Paulo em 2000. Já em lugares como Jundiaí (SP) e Apucarana (PR), o diaconato já é considerado uma tradição.

O alto clero vê o crescimento desse grupo com bons olhos. “A retomada desse ministério é uma grande riqueza para nós”, diz dom Orani João Tempesta, rcebispo do Rio de Janeiro. “Afinal, a comunidade paroquial é fonte de vocações de homens que estão dispostos a uma doação mais radical e profunda pela causa do Evangelho.” Dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Teresina (PI), lembra que o diácono é um evangelizador em potencial, já que está, como profissional, dentro das fábricas, universidades e empresas. “Ele é diácono 24 horas por dia. O jeito dele de ser e de viver é a sua forma de evangelizar.”

Com as bênçãos do Vaticano, o número de diáconos vem crescendo a cada ano. Existem cerca de 35 mil no mundo. No Brasil, são dois mil. Mas, apesar de significarem um sopro de renovação na milenar instituição religiosa, eles foram regulamentados com o cuidado de não infringir preceitos dos quais a Igreja não abre mão, como a exclusão das mulheres. “A Igreja continua excluindo os homens casados das funções mais importantes, impedindo-os de se tornar sacerdotes de fato, e segue deixando as mulheres de fora”, afirma a professora de sociologia da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Maria José Rosado. Já o padre Beozzo acredita que o diaconato aponta para uma direção importante ao mostrar que a família não entra em conflito com o “servir a Igreja”. “Saúdo o Vaticano por ter resgatado o diaconato, mas espero que ele seja um ponto de partida e não de chegada.”

sábado, 15 de maio de 2010

Ministro anuncia criação de bolsas para negros

São 250 bolsas de pós-graduação para alunos negros ou pardos e um aumento de 200 bolsas do Programa de Iniciação Científica

Agência Brasil | 13/05/2010 12:42


No Dia em que se comemora os 122 anos da Lei Áurea, o ministro da Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Eloi Ferreira,
anunciou a criação de 250 bolsas de pós-graduação para alunos negros ou pardos e
um aumento de 200 bolsas do Programa de Iniciação Científica (Pibic), que
passarão de 600 para 800.
O ministro destacou que, apesar de o sistema de cotas não ser obrigatório no Brasil, 91 universidades públicas adotam a reserva
de vagas no vestibular para alunos negros.
Ele também anunciou o lançamento de um selo para identificar as instituições de ensino que promovem a Lei nº
10.639, de 2003. O texto tornou obrigatória a inclusão da história do povo negro
e suas contribuições culturais, econômicas e sociais para o país no currículo de
ensino infantil, fundamental e médio. A entrega dos selos ocorrerá em 20 de
novembro, Dia da Consciência Negra.
Para Eloi Ferreira, as ações divulgadas nesta quinta-feira ajudam a corrigir injustiças e distorções históricas. “A
promulgação da Lei Áurea não foi acompanhada de uma inclusão educacional,
habitacional e isso faz com que até hoje o negro continue na base da pirâmide
social”, afirmou.
O ministro defendeu também a criação do Estatuto de Igualdade Racial, que já foi aprovado pela Câmara e aguarda votação no Senado.
“Essa lei será como um segundo artigo da Lei Áurea. Ela garante o respeito às
religiões de matriz africana e garante a possibilidade de acesso à terra aos
remanescentes quilombolas”, destacou.
Quem é de Axé diz que é!
No Censo de 2010 declare seu amor ao seu Orixá
Diga que é do Santo, diga que é do Axé
Pois quem é de Umbanda, quem é de Candomblé
Não pode ter vergonha, tem que dizer que é!!!

13 de maio é dia de reafirmação da luta identitária.

Liberdade é força-motriz que nos possibilita a autonomia de ser pessoa, ter uma identidade própria.

A menina que tomou água sanitária para ficar branca e igual às outras, até hoje enfrenta dores gástricas. Porque a menina tomou água-cloro?

Pergunte a turma que tem 11 anos, como ela. Não, ainda não somos livres!
Estaremos em uma silenciosa guerra civil que nos restringe a mobilidade de ser pessoa?
A hierarquia de valores alimenta a ferocidade do racismo,categorizando,seccionando o corpo social. Tia porque dói tanto ser negro? A dor do menino da escola ainda transborda como uma violação a auto-estima da infância no Brasil. O racismo é cruel!
A Lei Federal nº 10.639/03 ainda enfrenta o quadro neutro em uma contundente e cotidiana batalha por uma igualdade essencial. Não, ainda não somos livres!
Liberdade é ter alternativas, um caminho de escolhas e possibilidades, sem as fronteiras punitivas e limitantes.

Mariazinha que um dia sonhou em ter seu “baile” de formatura descobriu (Eureka!) que era negra, feia e tinha cabelo ruim. Os sonhos de Mariazinha tropeçaram no batente da intolerância alheia: Dá licença !

Não, ainda, não somos livres!

Estaremos nós condenados a essa abstração de liberdade ou a esses lugares do nada ser?
O menino de guias no pescoço que um dia incorporou sua ancestralidade foi banido por códigos de valores distintos e exclusivos da escola. Encarceraram a alma do menino em territórios com atalhos para a fórmula do descarte étnico. Estado laico? As escolas ensinam religião. E hierarquizam o reino dos céus.

A polícia mata moto boy negros como represália por eles serem negros. Afinal,é preciso agir de acordo com a cartilha que ensina que negro, até prova ao contrario, é “elemento suspeito”.
Mataram meu filho porque ele era negro, diz a mãe, Elza Pinheiro dos Santos, pedagoga, 62 anos, em uma difícil travessia de sentimentos. E continua: “Acho que, sem dúvida nenhuma, existe aí a questão da cor da pele. Sabemos que o nosso Brasil é preconceituoso. Já conseguiu alguns avanços. Mas o preconceito parece uma erva daninha que, se você não arrancar bem a raiz, ela brota. E brotou. Acho que teve preconceito”.
Hoje não somos mais elementos suspeitos estamos nos transformando em cadáveres.
122 anos após a abolição inconclusa ser negro no Brasil é transgressão.
E nós ainda nos permitimos calar como cúmplices de uma chacina cotidiana.

Vivemos aprisionados em nossos valores de cargos e tradições. Não, ainda não somos livres!
13 de maio é dia de reafirmação da luta identitária.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Abril demite editor que denunciou racismo da Veja no Twitter

Uma crítica à revista Veja, feita no Twitter, provocou a demissão, nesta terça-feira (11), do repórter fotográfico Felipe Milanez, editor-assistente da revista National Geographic Brasil. As duas publicações são da editadas pela Abril.
“A decisão me foi comunicada pelo redator-chefe Matthew Shirts. Ela veio lá de cima e ainda estou zonzo ainda porque não imaginava que minha opinião fosse resultar nisso”, declarou Milanez ao Blog do Altino Machado.

O editor-assistente fez acusações contundentes à Veja devido à preconceituosa matéria "A farsa da nação indígena", que deturpava o sentido da delimitação de reservas indígenas e quilombos no país. “Veja vomita mais ranso racista x indios, agora na Bolivia. Como pode ser tão escrota depois desse seculo de holocausto?", registrou Milanez no Twitter.

Em mensagem no mesmo dia, Milanez afirmou que o "racismo" da publicação fez com que se manifestasse. "Eu costumava ignorar a idiota Veja. Mas esse racismo recente tem me feito sentir mal. É como verem um filme da Guerra torcendo pros nazistas".

Também no microblog, o jornalista informou sua demissão: "To destruido, muito chateado. Acabo de ser demitido por causa dessa infeliz conta de Twitter. Sonhos e projetos desmancharam no ar virtual."

Em entrevista ao Portal Imprensa, Milanez declarou que fez observações contundentes sobre a publicação, mas foi surpreendido pela demissão. "Fui bem duro, fiz comentários duros, mas como pessoa; não como jornalista. Fiquei pessoalmente ofendido. Mas estou chateado por ter saído assim. Algumas frases no Twitter acabaram com uma porrada de projetos", lamentou o ex-editor.

O redator-chefe da National, Matthew Shirts, confirmou ao Portal Imprensa que os comentários no Twitter resultaram na demissão de Milanez. "Foi demitido por comentário do Twitter com críticas pesadas à revista. A Editora Abril paga o salário dele e tomou a decisão", disse. Ao ser questionado se concordava com a demissão do jornalista, Shirts declarou que "fez o que tinha que fazer exercendo a função".

Bastante conhecedor da Amazônia, especialmente das tribos indígenas, Milanez estava com viagem marcada para o Amazonas na quinta-feira (13). Ele iria percorrer durante 15 dias a BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Vellho (RO), acompanhando uma equipe da Embratel que dá suporte às torres de telefonia.

Milanez também havia se manifestado no Twitter a respeito da nota do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, citado por Veja na reportagem, mas que nega ter dado entrevista para a revista. “Eduardo Viveiros de Castro achou um bom adjetivo pra definir a matéria da Veja: ‘repugnante’”, escreveu Milanez. “Veja é abusada. Assim E. Viveiros de Castro corre o risco de nunca mais ser citado na revista(!), como JonLee Anderson.”

Além de ter reproduzido tweets em que o antropólogo acusa Veja de “fabricar” declaração, Milanez também chegou a citar os microblogs dos repórteres Leonardo Coutinho, Igor Paulin e Júlia de Medeiros, autores da reportagem, como exemplos de “anti-indígenas” para quem quisesse segui-los. “Não sei ainda o que vou fazer da vida. Não estou arrependido porque nunca imaginei que minha opinião pudesse causar uma reação tão drástica. Talvez eu tenha sido ingênuo, mas quem defende índio tem que estar com a cabeça preparada para levar paulada”, concluiu Milanez.

O 13 de maio e a luta pela abolição da escravidão

Desde a o início do século 19 existia uma forte pressão internacional pela abolição da escravidão nas Américas. A Grã-Bretanha, principal potência capitalista da época, passou a exigir que países como o Brasil abolissem o tráfico intercontinental de escravos. Menos por razões humanitárias e mais por razões econômicas. Nos séculos anteriores a burguesia inglesa foi a que mais se beneficiou do tráfico para a América espanhola. Este, inclusive, foi uma das bases para seu rápido processo de acumulação de capital. Mas, em 1807 a Inglaterra aboliu o tráfico nas suas colônias. Os tempos, agora, eram outros.Em 1831, por pressão inglesa, foi assinado um acordo proibindo o comércio intercontinental de escravos com o Brasil. No entanto, maior que a pressão do "imperialismo" britânico foi a pressão dos grandes comerciantes e latifundiários escravistas brasileiros, que eram forças hegemônicas no Estado Nacional nascido em 1822. A lei jamais foi aplicada e, por isto mesmo, foi ironicamente intitulada de uma lei "para inglês ver".

Após a aprovação da lei cresceu o número de escravos negros introduzidos no Brasil. Isto enfureceu a principal avalista internacional de nossa independência. As coisas tenderam a se agravar após a abolição completa da escravidão nas colônias inglesas. Em 1845 o parlamento britânico aprovou uma lei, a Aberdeen, que dava à sua marinha poder para apreender navios negreiros e julgar os traficantes.

Cresceu, então, um nacionalismo de conteúdo escravista. As elites conservadoras, sempre subservientes aos interesses externos, passaram a radicalizar seu discurso contra a intervenção estrangeira nos negócios internos do país. Um patriotismo bastante suspeito. As mesmas classes não se envergonhavam da contratação de mercenários estrangeiros para reprimir os movimentos insurrecionais no nordeste e nem em relação aos volumosos empréstimos externos feitos pelo governo brasileiro para pagar a nossa independência.

A repressão inglesa se tornou cada vez mais violenta. Todos os navios suspeitos de tráfico eram interceptados e alguns afundados. O mar territorial passou a não ser mais respeitado. Até navios que faziam comércio de escravos interprovíncias foram atacados. Chegou-se mesmo à beira de uma guerra entre o Brasil e a Grã-Bretanha. O governo imperial e os escravistas tiveram que ceder. Chegaram à conclusão de que era preciso ceder os anéis (do tráfico) para não perder os dedos (a escravidão). Em 1850 foi aprovada a Lei Euzébio de Queirós que pôs um fim definitivo ao comércio infame.

Já em meados do século 19 a abolição do tráfico era anseio de amplos setores da sociedade brasileira, especialmente das camadas médias urbanas. Antônio Carlos de Andrade defendeu a ação da marinha de guerra britânica. Mais tarde o abolicionista e estadista Joaquim Nabuco aplaudiu a coragem de Antônio Carlos, somente criticou que a ação da marinha inglesa fosse voltada apenas contra países mais fracos e não contra os Estados Unidos.

Em resposta ao nacionalismo espúrio das elites escravistas se levantaria a voz de um dos maiores poetas brasileiros que, nas estrofes revolucionárias de seu poema épico O Navio Negreiro, cantou: "Existe um povo que a bandeira empresta/ Para cobrir tanta infâmia e cobardia! / E deixa-a transformar nessa festa/ Em manto impuro de bacante fria! / Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta, / Que impudente na gávea tripudia?! / Silêncio! (...) Musa! chora, chora tanto/ Que o pavilhão se lave no seu pranto!/ (...) Auriverde pendão de minha terra,/ Que a brisa do Brasil beija e balança,/ Estandarte que a luz do sol encerra,/ E as promessas divinas da esperança/ Tu, que da liberdade após a guerra/ Foste hasteado dos heróis na lança,/ Antes te houvesse roto na batalha,/ Que servires a um povo de mortalha!"

O fim do tráfico negreiro permitiu que parte dos capitais investidos no tráfico se desviasse para outros setores da economia, especialmente para a incipiente indústria nacional. Entre os que comemoraram a medida estava o Barão de Mauá, o pai (ou avô) da burguesia industrial brasileira. Mas, esta medida era ainda insuficiente para expansão de relações de produção capitalista. Isto exigia a formação de um amplo mercado de mão-de-obra formalmente livre, que era incompatível com a predominância de relações de produção escravistas.

Trinta e três anos depois da primeira lei que proibiu a entrada de escravos negros, em 1864, um decreto emancipou os africanos que aqui haviam entrado ilegalmente desde 1831. Calculava-se que ainda existissem cerca de 500 mil negros nesta situação. Os fazendeiros tudo fizeram para que essa lei também ficasse no papel. Afinal, era muito difícil para os pobres negros escravizados ilegalmente comprovarem a sua situação. Em torno destes casos se travou uma acirrada luta jurídica e política entre abolicionistas e escravistas, na qual se destacou o eminente advogado abolicionista negro Luís Gama.

O movimento abolicionista adquiriu maior amplitude e ganhou amplas parcelas da população. Em relação a ele se manteve afastada a quase totalidade dos grandes fazendeiros. A luta dos abolicionistas recebeu apoio internacional. Várias mensagens e manifestos de intelectuais progressistas europeus e americanos foram endereçados ao governo e ao parlamento brasileiro. Assim, a luta adquiriu um caráter internacionalista.

Acuado, o parlamento imperial aprovou, em 1871, a Lei do Ventre Livre que deu liberdade a todos os filhos de escravos nascidos a partir daquela data. O escravismo entrava na defensiva e procurava manobrar, adotando medidas protelatórias. Sabiam que a abolição era inevitável e que seria necessário adiá-la o quanto fosse possível. O próprio projeto dava aos proprietários escravistas o direito de manter o "liberto" sob sua guarda até os 21 anos de idade — ou seja, até 1891. A lei serviu para desorganizar momentaneamente o movimento abolicionista, afastando dele os elementos mais conciliadores. Apenas a ala radical do abolicionismo se manteve ativa.

No início da década de 1880 a campanha ganhou novamente as ruas. Ela adquiriu maior dimensão e mudou de qualidade. O escravismo, ainda mais acuado, buscou deter a avalanche abolicionista com novas medidas protelatórias. Em 1885 o parlamento imperial aprovou a Lei do Sexagenário. Esta, libertava os escravos com mais de 60 anos, mas os obrigava a trabalhar compulsoriamente por mais três longos anos, ou seja - até o fatídico ano de 1888. Obrigava também o liberto a ficar no município em que foi libertado por cinco anos, sob ameaça de prisão.

De um lado, o Estado escravista tentou manobrar com uma legislação de fundo reformista-conservador; de outro, endureceu a legislação contra os abolicionistas radicais. Ampliou a pena de prisão para os que organizassem fugas de escravos e estabeleceu uma multa entre 500 e 1.000 mil-réis aos que dessem cobertura para os escravos fugitivos. O próprio D. Pedro 2º, considerado por muitos como simpatizante da abolição, não titubeou em destituir os presidentes das províncias do Ceará e do Amazonas por terem permitido a abolição nos seus estados. Puniu também militares abolicionistas, como Sena Madureira. Os fazendeiros escravistas resistiram quanto puderam, se organizaram nos Clubes de Lavoura e passaram a formar milícias armadas para combater os abolicionistas. Jornais foram empastelados e militantes foram agredidos e mortos.

A Lei do Sexagenário, considerada infame, não conteve o ímpeto dos abolicionistas. Ninguém aceitava mais as medidas protelatórias do império. A estratégia reformista parecia derrotada em 1886. Diante da ineficácia dos métodos moderados — exclusivamente jurídicos e parlamentares —, uma parte de seus membros aderiu às posições mais radicais e passou a organizar fugas de escravos.

Na década de 1880 se compôs uma ampla frente abolicionista — envolvendo escravos, a pequena-burguesia urbana, a jovem burguesia industrial, o proletariado e setores da burocracia de Estado. Aumentou o número dos casos de fugas em massa de escravos, apoiados pelos abolicionistas. Estima-se que 1/3 dos 173 mil escravos tenha escapado das fazendas paulistas nos últimos anos da escravidão. A cidade de Rio Claro chegou a ficar sem nenhum escravo nas suas fazendas de café. A luta de classes, especialmente dos escravos, teve um papel fundamental para desagregação desse modo de produção arcaico.

Em outubro de 1887 o escravismo sofreu um duro golpe quando o Marechal Deodoro da Fonseca, presidente do Clube Militar, solicitou que não se utilizasse o Exército na caçada de escravos fugitivos. Aumentou, assim, a cisão no aparato repressivo do Estado escravista e os senhores de escravos não podiam mais contar com o braço armado do Estado imperial.

Portanto, a libertação dos escravos não ocorreu por decisão voluntária dos fazendeiros paulistas e, muito menos, foi uma dádiva da família imperial. Ela foi fruto de uma grande luta popular, que envolveu diretamente os próprios escravos. O decreto que aboliu definitivamente a escravidão foi assinado em 13 de maio de 1888. Mesmo assim, no projeto inicial, enviado pelo ministério da princesa Isabel, a abolição era acompanhada por alguns condicionantes: ressarcimento monetário aos proprietários, obrigação dos libertos de prestarem serviços compulsórios até o final da safra e de permanecerem no município por seis anos. Esta foi a última tentativa dos escravistas para adiar o inadiável. A pressão popular e a recusa dos setores liberais em aprovar o projeto daquela forma, levaram-no a ser alterado.

Expressiva foi a declaração de voto do deputado escravista Lourenço de Albuquerque: "Voto pela abolição porque perdi a esperança de qualquer solução contrária; seriam baldados os esforços que empregasse; sendo assim, homenagem ao inevitável, à fatalidade dos acontecimentos."

Neste sentido discordamos da opinião do eminente sociólogo Octávio Ianni que defende que a abolição teria sido uma "coisa de branco" e não teria sido "a casta dos escravos que destruiu o trabalho escravizado”. Para ele a escravidão foi extinta “devido a controvérsias e antagonismo entre os brancos ou grupos e facções dominantes". Esta tese é amplamente hegemônica na historiografia e na sociologia brasileira, excluindo-se Clóvis Moura, Robert Conrad, Jacob Gorender e Décio Saes.



Reformistas e radicais



No interior do movimento abolicionista se chocaram duas correntes distintas: uma reformista e outra radical-revolucionária. Esta última tinha como base social as classes médias urbanas (advogados, jornalistas, médicos e pequenos funcionários públicos) e os trabalhadores livres (ferroviários, cocheiros, jangadeiros, tipógrafos, operários fabris). Articulavam uma ativa propaganda, através da imprensa, e métodos ilegais, como patrocínio de fugas de escravos. Dois expoentes deste abolicionismo radical eram Luís Carlos de Lacerda, no Rio de Janeiro, e Antônio Bento em São Paulo. Este último organizou e dirigiu o movimento dos caifazes, que ficou famoso pelas espetaculares fugas de escravos que organizou no interior paulista.

O abolicionista paulista Raul Pompéia escreveu: "A humanidade só tem a felicitar-se quando um pensamento de revolta passa pelo cérebro oprimido dos rebanhos das fazendas. A idéia de insurreição indica que a natureza humana vive. Todas as violências em prol da liberdade violentamente acabrunhada devem ser saudadas como vendetas santas. A maior tristeza dos abolicionistas é que estas violências não sejam freqüentes e a conflagração não seja geral". Na mesma linha afirmou José do Patrocínio: "Contra a escravidão todos os meios são legítimos e bons. O escravo que se submete, atenta contra Deus e contra a civilização; o seu modelo, o seu mestre, o seu apóstolo deve ser Spartaco". Em geral, os radicais eram antimonarquistas e defendiam a reforma agrária. Eles estiveram à frente de várias manifestações violentas contra capitães de mato e capatazes.

Por outro lado, os reformistas abominavam todas as ações que buscavam envolver o povo e particularmente ousassem mobilizar a massa escrava. Um expoente deste tipo de abolicionismo era Joaquim Nabuco. Ele afirmava: "é no parlamento, e não em fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças das cidades, que se há de ganhar, ou perder, a causa da liberdade". O abolicionismo reformista tinha como base social os dissidentes das oligarquias rurais e altos escalões da burocracia estatal. Em geral, não articulavam a libertação da escravidão e o fim da monarquia. Joaquim Nabuco, por exemplo, sempre foi um monarquista fiel. Este setor seria fortemente reforçado pela adesão, de última hora (diria, mesmo, último minuto), dos fazendeiros paulistas à causa abolicionista.

No primeiro semestre de 1887 ocorreu o auge do movimento de fugas de escravos — que atingiu o seu ápice no mês de junho —, colocando a lavoura paulista em crise. As autoridades provinciais pediram reforço militar ao governo imperial. O Barão de Cotegipe enviou um navio de guerra e um batalhão de infantaria. Não foi à toa que em dois de junho de 1887 Campos Salles iniciou o processo de emancipação "voluntária" dos escravos — com cláusulas de serviço por vários anos — entre os fazendeiros paulistas.

Entre os novos convertidos à tese abolicionista estava o paulista Antônio Prado, ex-ministro da agricultura do ministério conservador e escravista do próprio Cotegipe. Prado havia sido um dos principais alvos dos abolicionistas um ano antes ao regulamentar a legislação emancipacionista imperial de maneira conservadora. Foram políticos como este, ligados à elite agrária paulista, que assumiram o comando do movimento nos derradeiros momentos da abolição. E assim este acontecimento ficou marcado na historiografia brasileira, quer na sua vertente conservadora quer na sua vertente progressista.

Justamente temendo que isso pudesse acontecer, em 29 de abril de 1888, o editorial do jornal abolicionista A redenção, ligado à Antônio Bento, afirmou: "Quando se escrever a história da escravidão no Brasil, não faltará algum escrito venal que venha por esses escravocratas como grandes cooperadores na redenção dos escravos".

A abolição da escravidão foi um grande passo na construção da nacionalidade. Não deve ser subestimada. Ela permitiu que o país desse mais um passo no sentido do desenvolvimento capitalista — condição da revolução socialista. Corretamente, afirmou o documento 500 anos de Luta: "A abolição resultou de um vasto movimento de massas, que incluiu os escravos rebelados, os setores médios das cidades, a intelectualidade avançada e os primeiros da classe operária (...) foi uma conquista que eliminou o escravismo, criando condições propícias à transição para o modo de produção capitalista no Brasil".

No entanto, como ela não foi acompanhada de uma reforma agrária e de leis protetoras do trabalhador emancipado, acabou mantendo a população negra liberta numa situação de miséria e longe de poder integrar-se à sociedade brasileira enquanto cidadãos. Alguns abolicionistas, reformistas e radicais, compreenderam estes limites. Por isto apresentaram a proposta de uma reforma agrária, como complemento necessário da reforma servil. Assim pensavam Nabuco, Patrocínio e Rebouças. Mas, a reforma agrária seria uma das tarefas que não poderiam ser realizadas por aquele Estado oligárquico e pelas classes dominantes brasileiras — quer na sua versão monárquica ou republicana.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

João Cândido, petróleo, racismo e emprego

O navio petroleiro João Cândido, inaugurado pelo presidente Lula na sexta-feira, abre uma nova rota para a economia brasileira e, cruzando os mares, levará mundo afora o nome de um de nossos heróis navegando na rota inversa daquela que promoveu o desmantelamento da nossa indústria naval

BETO ALMEIDA *

Nesta sexta-feira a Transpetro lançou ao mar o navio petroleiro João Cândido. Batizado com o nome de um dos nossos heróis, marinheiro negro, filho de escravos e líder da Revolta da Chibata, o navio tem 247 metros de comprimento, casco duplo que previne acidente e vários significados históricos. Primeiro, leva a industrialização para Pernambuco, contribuindo para reduzir as desigualdades regionais. Em segundo lugar, dá um cala-boca para quem insinuou de forma maldosa que o PAC era apenas virtual. Em terceiro, prova que está em curso a remontagem da indústria naval brasileira criminosamente destruída na era da privataria. Como um simbolismo adicional, um total de 120 operários dekasseguis foram trazidos do Japão, com suas famílias, para juntarem-se aos operários nordestinos que construíram o navio. Os primeiros não precisam mais morar longe da pátria; os outros, saem do canavial para a indústria e não precisam mais pegar o pau-de-arara, nem entoar com amargura a Triste Partida, de Patativa do Assaré, como um certo pernambucano teve que fazer na década de 50. Até que virou presidente.

Mulheres trabalhando como chefes de equipe de soldagem no Estaleiro Atlântico Sul, no município de Ipojuca, em Pernambuco, pronunciavam frases orgulhosas lembrando que não sabiam nem que esta também poderia ser uma tarefa feminina. O ex-pescador de caranguejo contava em depoimento agreste que antes do estaleiro não sabia direito como ganhar o sustento da família a cada dia que acordava. O ex-canavieiro, agora operário, destaca que não depende mais da temporalidade insegura da colheita da cana e quando acorda já tem para onde ir, quando antes vivia a insegurança. Estes alguns dos vários depoimentos colhidos na inauguração do navio petroleiro João Cândido ao ser lançado ao mar pernambucano. Deixa em terra um rastro de transformação.

Inicialmente, na vida destas pessoas antes lançadas ao deus-dará de uma economia nordestina reprimida, desindustrializada. A transformação atinge os municípios mais próximos, pois no local onde foi construído o estaleiro, uma antiga moradora, Mônica Roberta de França, negra de 24 anos, que foi escolhida para ser a madrinha do navio, dizia que ali era um imenso areal, não tinha nada. Agora tem uma indústria e uma escola técnica para os jovens da região. E que só agora ela tem seu primeiro emprego na vida com carteira assinada.

DESCULPAS À NAÇÃO

Para o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, o lançamento do João Cândido ao mar tem o mesmo alcance histórico do gesto de Getúlio Vargas quando deu forte impulso à nacionalização da indústria naval brasileira, na década de 30, por meio da empresa de navegação estatal. “Aqueles que destruíram a indústria naval tem que assumir sua responsabilidade e pedir desculpas à Nação”, disse Campos na solenidade que teve a participação de 5 mil pessoas aproximadamente, sobretudo dos operários.

O navio João Cândido abre uma nova rota para a economia brasileira. Inicialmente, porque a Petrobrás já não será obrigada a desembolsar cerca de 2,5 bilhões de reais por ano com o afretamento de navios estrangeiros. Há, portanto, um revigoramento do papel do estado na medida em que a reconstrução da indústria naval brasileira é resultado direto de encomendas da nossa empresa estatal petroleira. O que também permite avaliar a gravidade e o caráter antinacional das decisões que levaram um país com a enorme costa que possui, tendo montado uma economia naval de peso internacional respeitável, retroceder em um setor tão estratégico. E isso quando nossa economia petroleira, há anos, já dava sinais de expansão, mesmo quando estavam no poder os que promoveram o espantoso sucateamento, a desnacionalização e a abertura da navegação em favor dos países que querem impedir nosso desenvolvimento. Este tema, certamente, não poderá faltar nos debates da campanha presidencial deste ano.

ALMIRANTE NEGRO

A escolha do nome João Cândido também foi destacada na solenidade por meio do novo ministro da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, Eloy Moreira. Vale registrar que há pouco mais de um ano Lula participou de homenagem ao Almirante Negro inaugurando sua estátua na Praça XV, no Rio, que estava há anos guardada, supostamente porque não teria havido grande empenho da Marinha na realização desta solenidade. Pois bem, agora João Cândido não está apenas nas “pedras pisadas do cais”, como diz a maravilhosa canção de Bosco e Blanc. Está na estátua e está cruzando mares, levando para o mundo afora o nome de um de nossos heróis.

NAVEGAR É POSSÍVEL

O novo petroleiro estatal, portanto, é uma prova real de que sim “navegar é possível”, como dizia uma faixa no ato. Navegar na rota inversa daquela que promoveu o desmantelamento da nossa indústria naval. Navegar na rota da revitalização e qualificação do papel protagonista do estado. Recuperar um curso que havia sido fundado lá durante a Era Vargas, onde se combinava industrialização e nacionalização com geração de empregos e direitos trabalhistas. Se no período neoliberal foi proclamada a idéia de destruir a “Era Vargas”, agora, está não apenas proclamada, mas já colocada em marcha, a necessidade de reconstruir a partir dos escombros da ruína das privatizações - entulho neoliberal - tendo no dorso no navio-gigante o nome heróico do líder da Revolta da Chibata. Sem revanchismo, o episódio permite lembrar outra canção: “É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”. É uma grande rebelião contra a chibata das políticas neoliberais da dupla FHC-Serra que tanto castigaram o povo brasileiro!

* Presidente da TV Cidade Livre de Brasília

CNAB realiza Seminário no 13 de Maio: “O Papel do Negro no Desenvolvimento do Brasil”

O Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB) realiza no dia 13 de Maio, Dia da Abolição da Escravatura, o Seminário Nacional “O Papel do Negro no Desenvolvimento do Brasil”.

Com o tema “O 13 de Maio foi a Vitória da luta de Zumbi dos Palmares”, o seminário ocorre a partir das 15 horas, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

“Ninguém tem mais interesse em brigar pelo desenvolvimento, pela soberania e pela independência econômica do país do que a comunidade negra. Sempre que o Brasil avançou na sua independência, na sua soberania, cresceu a possibilidade, o espaço para a conquista dos nossos direitos, do povo em geral, dos negros, das mulheres, dos jovens, dos trabalhadores”, afirmou Eduardo de Oliveira, presidente do CNAB.

“Destacamos os avanços que o nosso país tem dado em direção ao desenvolvimento e crescimento da nossa Pátria e do nosso povo, no combate ao racismo e à discriminação racial. Entre estes avanços estão as oportunidades para nossos filhos cursarem uma faculdade, através do ProUni, o programa de transferência de renda do Bolsa Família, aumento do salário mínimo com uma política permanente de valorização, termos mais e melhores empregos, moradia digna, como o plano Minha Casa, Minha Vida, lançado, que vai proporcionar um teto para 1 milhão de famílias”.

“Mas ainda é preciso avançar mais. Não é possível convivermos com uma situação onde milhões de brasileiros vivem em situação de fome e miséria enquanto as corporações multinacionais, os monopólios e oligopólios, o capital financeiro internacional drena nossos recursos para as suas matrizes no exterior, através de remessas vultosas de lucros e de juros escorchastes os maiores do mundo, em detrimento da melhoria de condições de vida do nosso povo”, ressaltou Eduardo, que irá apresentar o tema.

Também estão convidados para realizar palestra, Carlos Lopes, diretor de redação da Hora do Povo e Lindolfo Luiz dos Santos, da executiva nacional da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB).

terça-feira, 11 de maio de 2010

Minha Oração

Hoje e sempre, eu quero:
Tempo para pensar antes de falar; serenidade para agir depois de falar; perseverança para continuar agindo depois de começar; humildade para reconhecer que preciso de outras pessoas; sinceridade para falar o "não" que preciso falar; lealdade comigo mesmo, para não me comparar com ninguém; e fé na medida da razão, para eu continuar fazendo, sem esperar que qualquer coisa caia do céu sem o meu esforço.
"Assim, podemos seguir confiantes, certos da vitória sobre nós mesmos, sobre as nossas dificuldades em entender, o porque de certas situações."
Quando não há resposta, devemos seguir trabalhando, certos de que, no devido tempo, tudo será esclarecido, elucidado e concluído.
Assim, compreender que a felicidade é a recompensa natural, dos que insistem em fazer tudo direito, mesmo quando todos insistem em fazer errado.
"Somos os construtores dos nossos sonhos, responsáveis pelos nossos passos."
O que semeia, o que planta e o que vai colher.
Por isso, semeie amor, por onde você for.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Cláudio Campos: “Construir um Estado efetivamente nacional”

O fundador da Hora do Povo, Cláudio Campos, completaria 63 anos no último dia 5 de maio.



Nós, que o conhecemos bem ao longo de anos, que sentimos a energia que colocava em tudo aquilo que fazia, sua poderosa inteligência que jamais se contentava com supostas verdades estabelecidas, ou com aquilo que já era sabido, sua imensa generosidade e capacidade de amar os seres humanos, sua indômita coragem que tanto desprezava o abjeto servilismo, não poderíamos deixar esta data sem um registro, sem uma singela homenagem a quem ajudou tantos a ver que valia a pena lutar pelo futuro.

Há um aspecto da obra e da grandeza de Cláudio, seu amor pelo Brasil, que o levou a formular o caminho estratégico que hoje ainda percorremos, que merece, nessas horas que antecedem mais uma batalha que o país travará por sua liberdade, por sua independência, por seu direito de ser uma grande nação, ser destacado – e por isso, este ano, o escolhemos para lembrar de Cláudio na data de seu aniversário.

Em agosto de 1982, vivíamos ainda sob a ditadura. Foi nesse momento, já depois da anistia, mas ainda em condições de clandestinidade para as organizações revolucionárias, que Cláudio pronuncia o Informe do Comitê Central ao III Congresso do Movimento Revolucionário Oito de Outubro.

Já se passaram quase 30 anos. No entanto, quem lá estava há de se lembrar – e lembrará para sempre – do impacto causado pelo informe de Cláudio, que condensava em algumas horas todos os meses anteriores de discussões, e, a rigor, décadas de debates sobre a estratégia da revolução brasileira. Porém, aos que lá não estiveram, basta ler o texto desse informe para perceber que as questões fundamentais ali apontadas são plenamente atuais – mais do que isso, Cláudio ali estabeleceu os fundamentos e resolveu os problemas estratégicos, permitindo a liberação das forças nacionais, democráticas e populares para o combate não somente contra a ditadura, mas para o que veio depois, para aquele combate que, hoje, muito depois do fim daquele malfadado regime, travamos por um país livre e justo.

“O que está em pauta neste Congresso é o assumimento preciso e completo do caráter mais profundo, central e determinante da atual revolução brasileira: o seu caráter nacional”, disse Cláudio no início de seu informe, definindo a questão da independência nacional, a questão da superação dos vínculos de dependência do país em relação ao imperialismo, como “o cerne e o centro da questão democrática”, do que decorria que “a tarefa democrática central é a constituição de um Estado efetivamente nacional”.

É um trecho desse informe que oferecemos aos nossos leitores, por ocasião do 5 de maio – data de nascimento, também, de Karl Marx, sobre quem, tantas vezes, Cláudio manifestou a sua imensa gratidão. No texto abaixo, retiramos algumas referências que eram específicas da época. Mas quase tudo está na íntegra.

CARLOS LOPES

CLÁUDIO CAMPOS

Em seu aspecto político, a questão nacional e a democrática são expressão, em níveis de abstração diferentes, exatamente de um mesmo fenômeno de fundo. Na verdade, no Brasil de hoje, a questão nacional é exatamente o cerne e o centro da questão democrática. A tarefa democrática central, é pois, exatamente a constituição de um Estado efetivamente nacional.

Creio que não há necessidade, entre nós, de nos atermos na demonstração do equívoco de quem julga que os conceitos de “povo” e “nação” eludem as contradições de classe. A contradição entre a Nação e o Imperialismo é uma contradição de classe. De um lado, colocam-se as classes e setores sociais objetivamente interessados na ruptura da dependência. Do outro, as classes e os setores de classe, fora e dentro da Nação, interessados na sua manutenção.

É interessante lembrar que um salto qualitativo da democracia é a questão política chave em qualquer revolução verdadeira. Marx dizia, e com razão, que também na revolução socialista a questão política essencial é a “conquista da democracia”, no sentido de uma democracia proletária, da passagem da “democracia” burguesa à democracia proletária. Se tudo isso é verdade – e é – torna-se evidente que não avançamos muito quando afirmamos que o aspecto político central de tal ou qual revolução concreta – e não das revoluções em geral – é o aspecto democrático (geral). Isso é verdadeiro em todas as revoluções. O que distingue uma revolução concreta de outra é justamente qual a tarefa democrática que está na ordem do dia, qual o caráter central e o conteúdo de classe da democracia que se faz necessária. Na revolução democrática burguesa dos países centrais foi a ruptura com o autoritarismo feudal ou escravagista, e a constituição de um Estado democrático burguês, sob a hegemonia da burguesia ou da aliança operário-camponesa. Na revolução socialista, a constituição de uma democracia proletária. Na revolução nacional e democrática dos países dependentes – caso particular da revolução democrático-burguesa – a ruptura com Estados submissos aos interesses do imperialismo e a constituição de Estados efetivamente nacionais e democráticos.

Por outro lado, é evidente que mesmo esta democratização guarda um determinado nível de abstração: não se fazem, por exemplo, revoluções nacionais e democráticas “em geral”, mas revoluções nacionais e democráticas concretas, que mantêm diferenças acentuadas de país para país.

Muito bem, a nível político – superestrutural – o que está em causa em nossa revolução atual é, também, a “conquista da democracia”, mais concretamente, no nosso caso, a constituição de um Estado nacional e democrático.

Mas é preciso, sobretudo, caracterizar a revolução em seu aspecto de fundo, isto é, econômico e social. Não se pode, portanto, fugir à seguinte questão: quais são as transformações econômicas e sociais – infra-estruturais – que correspondem a essa “conquista de democracia”, no plano político?

Sabemos que, do ponto de vista objetivo, qualquer revolução só se torna possível e necessária quando as relações de produção existentes no país atrasam-se em relação ao desenvolvimento de suas forças produtivas, tornando-se um entrave ao avanço destas. Para responder à questão que acabamos de formular, é preciso, pois, apontar quais as principais características das relações de produção, no Brasil, que entravam o desenvolvimento atual de nossas forças produtivas. Será o fato de serem relações de produção capitalistas? Parece-nos claro que não. É evidente que, do ponto de vista econômico, não é o capitalismo em geral o que está centralmente em jogo em nossa revolução atual, nem tampouco a constituição já de uma economia socialista.

O principal entrave ao desenvolvimento das forças produtivas do Brasil de hoje não é o caráter capitalista das nossas relações de produção, é o caráter dependente dessas relações. É essa dependência o que é preciso, centralmente, romper agora. As imensas energias produtivas acumuladas no país, mesmo sob a dependência, estão hoje sendo sufocadas por um modelo de desenvolvimento que tem suas principais diretrizes e prioridades definidas a partir de interesses externos – mais concretamente, a partir dos interesses dos círculos financeiros internacionais e das grandes corporações multinacionais.

Com o objetivo de otimizar seus lucros e conseguir um máximo rendimento dos investimentos que fazem em tecnologia e bens de produção nos países centrais, tais corporações se empenham em exportar essa tecnologia e esses bens – ainda que em seus estágios mais atrasados e ultrapassados – para os países dependentes. Priorizam, dessa forma, no Brasil, a produção de bens de consumo de luxo – notadamente automóveis e eletrodomésticos sofisticados – com base nesses processos, em detrimento da produção de bens de produção, inclusive tecnologia, e de bens de consumo de massa. Em decorrência, o país fica cada vez mais na dependência dos altos preços cobrados no comércio internacional de máquinas, equipamentos e tecnologia, o que gera crescente dependência e sangria financeira. Além disso, os bens de consumo altamente sofisticados encontram um mercado consumidor restrito em países como o nosso, onde o quadro geral de pauperização das massas é exacerbado pelo violento arrocho salarial imposto com o objetivo de atrair os investimentos externos. A tecnologia importada empregada na produção desses bens, caríssimos e intensamente poupadora de mão-de-obra, restringe enormemente o emprego da força de trabalho – o que sufoca ainda mais o crescimento do mercado interno. Tudo isso acarreta um formidável bloqueio ao desenvolvimento da nossa economia.

Por outro lado, o país já desenvolveu forças produtivas mais que suficientes para um crescimento autocentrado e basicamente auto-sustentado, desde que rompa com a sangria financeira, promova a moratória da dívida externa, e invista os recursos assim poupados na reorientação da nossa economia, com prioridade para a produção de bens de produção e de consumo de massa. O rompimento do atraso das relações produtivas no campo, com o aumento da produtividade agrícola, a maior absorção da força de trabalho e o barateamento dos insumos agrícolas e dos alimentos – e, consequentemente, dos preços de produção na indústria – constitui a outra vertente das medidas capazes de liberar o pleno desenvolvimento de nossas forças produtivas.

A importância central e decisiva da ruptura da dependência externa no desenvolvimento de nossas forças produtivas comprova que a questão nacional, a superação da contradição entre a Nação e o imperialismo, é o problema central do atual estágio da revolução brasileira também em seu aspecto econômico. Nem poderia ser de forma diferente. Na verdade, é exatamente a partir da percepção e da identificação desta contradição fundamental em nossa base econômica que nós, marxistas, concluímos que a tarefa popular e democrática central, a nível político, é a constituição de um Estado efetivamente nacional, capaz de cumprir papel decisivo na ruptura da dependência e de inaugurar uma nova etapa na vida política do país.

Qual o caráter de classe desse Estado?

Como sabemos, nem mesmo um peso decisivo da classe operária na direção do Estado lhe retirará o caráter burguês, na medida em que as providências que ele implementar – por mais avançadas e revolucionárias que sejam – não estejam ainda em condições de promover a ruptura das bases fundamentais da sociedade burguesa. Ao contrário dos que tergiversam a respeito, nós devemos deixar claro que não há nenhuma transição revolucionária objetivamente colocada no Brasil de hoje que não implique exatamente num mais acelerado desenvolvimento capitalista. O Estado nacional e democrático não se constituirá num entrave ou num freio ao desenvolvimento do capitalismo. Pelo contrário, ele será chamado exatamente a remover os obstáculos que entravam esse desenvolvimento, hoje.

Tal verdade ainda se constitui numa verdadeira heresia para certos setores que professam um “socialismo” confuso, simplório e, este sim, populista. Tais setores não conseguem conceber como possa interessar à classe operária participar de um Estado burguês, e, menos ainda, aspirar à direção de um tal Estado. Sentem-se, aliás, frequentemente mais à vontade rotulando de “socialista” e “operário” o que nada tem nem de socialista nem de operário.

O que essas correntes ainda não conseguiram assimilar é que não há, em termos históricos gerais outro caminho para o avanço em direção ao socialismo. Sabemos que essa lei geral não impede que determinados países particularmente atrasados, onde predominam inclusive relações de produção pré-capitalistas, possam transitar diretamente para o socialismo, em função da presença e do apoio, a nível internacional, do campo socialista. Mas este, evidentemente, não é o caso do Brasil, nem tampouco da maioria dos países da América Latina. O Brasil é um país capitalista, possui já um importantíssimo parque industrial – o 8º do mundo – e está submetido às leis gerais do desenvolvimento capitalista. Estando ainda ausente as condições objetivas e subjetivas para a edificação da sociedade socialista, ele não tem outro caminho para amadurecê-las que não seja através do desenvolvimento nos marcos do capitalismo.

A ruptura da dependência, no Brasil, não viabilizará outra coisa senão um grande surto de desenvolvimento... capitalista. Isso não é do interesse da classe operária “apenas” porque, a prazo, aproxima a sociedade do socialismo. Tal coisa está de acordo também com seus interesses imediatos: rompe com a recessão, o desemprego e o esmagamento salarial, reforça o peso do proletariado na sociedade, cria as condições objetivas para o avanço da democracia política.

Por outro lado, o fato de estarmos diante de uma revolução que se coloca dentro dos marcos burgueses, não significa de forma alguma que a classe operária deva inibir-se à margem da luta, nem, igualmente, - ao contrário do que afirmam, e, mais do que isso, praticam, os setores “direitistas” do movimento comunista – que a classe operária deva atribuir, necessariamente , a direção da luta à burguesia nacional. Quem dirige é a capacidade, o acúmulo e o peso político de cada classe que decidirá, a cada momento. O nosso proletariado não entra sem perspectivas nessa disputa. Exemplo disso é o papel que sabidamente o nosso partido tem cumprido na definição dos rumos e na política de construção da unidade nacional e democrática.

É preciso ter em conta que afirmar que a revolução é burguesa, e o desenvolvimento, capitalista, é lembrar apenas uma preliminar inelutável.

Dentro de tais marcos, várias são as direções possíveis. Embora não seja do que se trata no Brasil de hoje, até mesmo o determinado “capitalismo de Estado” chamado por Lênin de “ante-sala do socialismo” é ainda capitalismo. Em que direção interessa objetivamente aos trabalhadores impulsionar esse desenvolvimento? É claro que em direção ao socialismo. Será que por causa disso eles estão menos interessados do que a burguesia nacional em promover o desenvolvimento mais completo e acelerado possível do capitalismo? Muito pelo contrário. A direção operária e popular na nossa revolução nacional é justamente a mais interessada num rápido amadurecimento do capitalismo, de maneira a poder passar, então, às tarefas da construção socialista. A direção burguesa na revolução nacional é a menos comprometida com a completa remoção dos escolhos da dependência que tolhem o desenvolvimento capitalista, exatamente porque ela vacila em romper o cordão umbilical com o imperialismo. Não falamos em romper as relações com os países capitalistas centrais. Falamos em romper as relações imperialistas que os países capitalistas centrais mantêm em relação ao Brasil. Nós seremos capazes de fazer valer relações em pé de igualdade.

Afirmar que o desenvolvimento será capitalista, e que nos interessa que ele seja o mais completo e acelerado possível, além de não implicar necessariamente em que a burguesia seja a classe mais capacitada a dirigir a luta de forma consequente, não significa tampouco que se deva inutilmente tentar imitar no Brasil os caminhos “clássicos” do desenvolvimento capitalista nos países centrais, ocorrido em condições históricas inteiramente diferentes. Em presença de um campo e de relações internacionais intensamente monopolizadas, uma tal tentativa não tem o menor espaço para vingar. A livre concorrência e outros preceitos do capitalismo “clássico” vão ficando cada vez mais para trás. Será indispensável que a sociedade – e notadamente o proletariado – desempenhe um progressivo papel orientador da economia, inclusive para combater a sua crescente e precoce monopolização. Será preciso também que as empresas estatais cumpram crescentemente o papel de fazer frente aos monopólios imperialistas e de abrir espaço para as empresas nacionais, e não, como ocorre hoje, o de se aliarem aos monopólios imperialistas para esmagar a pequena e média empresa nacional – indubitavelmente a base, hoje e ainda durante muito tempo, de toda a nossa atividade econômica.

Interessa à classe operária, durante a revolução nacional e democrática, conquistar as melhores posições possíveis, tanto a nível político, quanto a nível econômico. Evidentemente, não se alcançará esse objetivo deblaterando a cada instante contra a burguesia nacional e os “burgueses”, mas principalmente demonstrando a toda a sociedade a maior consequência de suas propostas e de sua orientação na luta comum contra a dependência e contra o imperialismo, pela democracia e pela soberania nacional.

Nós gostaríamos de lembrar que a principal tarefa “anticapitalista” que a nossa revolução nacional e democrática desempenhará será precisamente a de desenvolver o capitalismo. A única coisa realmente fatal para o capitalismo é o seu próprio desenvolvimento, é o desenvolvimento das forças produtivas sociais nos marcos das relações de produção capitalistas. É isso o que nos permitirá passar às tarefas (transformações) socialistas, as únicas verdadeiramente “anticapitalistas”. Rejeitar a direção burguesa conservadora está ainda longe de ser uma “tarefa anticapitalista”...

Como vemos, não têm também a menor pertinência os protestos de que “não é mais possível, hoje, um capitalismo auto-determinado”. O que vai ser “auto-determinado” no Brasil, não é o capitalismo, é o povo e a Nação brasileira. Não é porque não existem ainda condições objetivas e subjetivas para o socialismo que nós estamos condenados à dependência. Tal raciocínio, aparentemente tão “radical”, não passa, na verdade, de completo esmagamento ideológico diante do imperialismo. É claro que uma autodeterminação verdadeiramente completa é um processo longo, que continuará inclusive depois da revolução socialista. Mas o que se trata agora é de saber se, como tantos outros povos do mundo, temos condições ou não de que o aspecto principal, aquele que dá a qualidade das nossas relações internacionais, seja o da independência e não o da dependência. Muito em breve, será difícil encontrar quem deixe de dar uma resposta positiva a essa questão.