Em carta aberta, ele faz uma análise da discussão atualmente travada no Brasil sobre a nova lei que institui direitos para os afro-brasileiros, destacando o espaço desproporcional dedicado pelos meios de comunicação, às posições contrárias e favoráveis ao documento.
“Os espaços da grande mídia para debater cotas e Estatuto da Igualdade Racial foram abertos principalmente para os detratores dos dois projetos de grande mudança, que beneficiariam a população negra e afrodescendente, e fechados para os defensores das mudanças. Como se não bastasse, o relator do processo, senador Demóstenes (Demóstenes Torres – DEM/GO), declarou abertamente - diante das câmeras e do mundo inteiro - que no regime escravocrata não houve verdadeiramente estupro da escravizada negra, pois se algo ocorreu nesse sentido foi com consentimento das próprias estupradas. Declarou também que o tráfico negreiro não foi uma violência exterior, pois contou com a cumplicidade dos próprios africanos que comercializavam seus irmãos. Vocês imaginam o que aconteceria hoje com um senador da república nos Estados Unidos ou em qualquer outro país ocidental que se permitisse dizer tantas insanidades políticas?”.
Na opinião do antropólogo congolês, considerando todas essas dificuldades, “o resultado obtido com a aprovação deste Estatuto, que passou por numerosas negociações, acompanhadas de modificações, é muito significativo para uma luta feita com armas tão desiguais”. Dirigindo-se aos integrantes do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), órgão colegiado do qual faz parte, indicado por notório saber, ele afirma: “Nada posso lhes ensinar, pois peguei o bonde andando quando vocês já estavam dentro. Vocês muito me ensinaram e continuarão a me ensinar, pois os fragmentos de reflexão desenvolvidos na academia, em grande parte com a ajuda de vocês, não se comparam aos anos de luta e de militância herdadas de Zumbi dos Palmares que vocês acumulam”.
Finalizando a carta, o acadêmico resgata o exemplo de caçadores Mbuti, da África Central, pejorativamente conhecidos como pigmeus, para provocar uma reflexão: “São meses e meses que os caçadores estão na floresta para caçar um elefante, cuja carne alimentaria a população durante alguns meses. Infelizmente não tiveram o sucesso esperado e voltam para aldeia trazendo apenas três antílopes. Decepcionados e frustrados, as mulheres e os filhos se contentam com esses pequenos animais, cuja carne cobriria necessidades de poucos dias. Mas eles não culpam os caçadores, mas sim o Mulimo, Deus da caça, o único Deus que esse povo monoteísta conhece e cuja aproximação da esfera dos humanos afasta a caça e prejudica as atividades de sobrevivência. Daí a necessidade de lhe oferecer uma galinha preta para afastá-lo da esfera humana. Moral da história: creio que nossos negociadores, parlamentares e políticos, fizeram o melhor possível para trazer o elefante. Independentemente de sua vontade, só conseguiram os antílopes. Agora, vamos jogá-los fora em vez de aceitá-los e encorajar nossos caçadores a continuar a luta?”.