quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Oficina de projetos mobiliza o Pará

Os participantes da Oficina, com Antonio Ferreira (de chapéu) e Jacqueline Freitas, do MinC e FCP

Carimbó, capoeira, indígenas, quilombolas, dança afro... de mãos dadas com profissionais da Educação e da Cultura, representantes das expressões que compõem a tradição e rica diversidade do Pará marcaram presença na quarta edição da Oficina de Capacitação em Elaboração de Projetos, que a Fundação Cultural Palmares/MinC promoveu nos dias 27 e 28 de setembro, na cidade de Belém.

Em pouco tempo, o evento deixou marcas além das que pretendia - emoção e perseverança, entre outras. Houve quem driblasse os obstáculos de acesso e deixasse a bicicleta estrategicamente estacionada, ou enfrentasse um bom tempo dentro de um ônibus para sair de sua cidade e chegar à capital. Gente que abriu mão de suas atividades diárias em busca de aperfeiçoamento. O importante era não perder a oportunidade de trocar experiências, conquistar autonomia. Olhinhos brilhantes vibravam a cada etapa vencida. "Consegui aprender a diferenciar objetivo de justificativa"; "Foi importante aprender a colocar algumas palavras no lugar certo" estão entre as avaliações dos participantes.

Muitos ainda pretendem aproveitar o prazo para inscrições ao Edital de Ideias Criativas para 20 de Novembro de 2010 - Dia Nacional da Consciência Negra, que vai até o próximo dia 1º de outubro.

A Oficina aconteceu no auditório do Centro Integrado de Governo, por iniciativa do Departamento de Fomento e Promoção da Cultura Afro-brasileira da FCP/MinC, em parceria com o Conselho Nacional de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, por meio do representante da Cultura Afro, Antonio Ferreira.

Por Que Usamos O Branco

Dentre os princípios da Umbanda, um dos elementos de grande significância e fundamento, é o uso da vestimenta branca. Em 16 de novembro de 1908, data da anunciação da Umbanda no plano físico e também ocasião em que foi fundado o primeiro templo de Umbanda, Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, o espírito Caboclo das Sete Encruzilhadas, entidade anunciadora da nova religião, ao fixar as bases e diretrizes do segmento religioso, expôs, dentre outras coisas, que todos os sacerdotes (médiuns) utilizariam roupas brancas. Mas, por quê?.

Teria sido uma orientação aleatória, ou o reflexo de um profundo conhecimento mítico, místico, científico e religioso da cor branca? No decorrer de toda a história da Humanidade, a cor branca aparece como um dos maiores símbolos de unidade e fraternidade já utilizados. Nas antigas ordens religiosas do continente asiático, encontramos a citada cor como representação de elevada sabedoria e alto grau de espiritualidade superior. As ordens iniciáticas utilizavam insígnias de cor branca; os brâmanes tinham como símbolo o Branco, que se exteriorizava em seus vestuário e estandartes. Os antigos druidas tinham na cor branca um de seus principais elos do material para o espiritual, do tangível para o intangível. Os Magos Brancos da antiga Índia eram assim chamados porque utilizavam a magia para fins positivos, e também porque suas vestes sacerdotais eram constituídas de túnicas e capuzes brancos. O próprio Cristo Jesus, ao tempo de sua missão terrena, utilizava túnicas de tecido branco nas peregrinações e pregações que fazia.

Nas guerras, quando os adversários, oprimidos pelo cansaço e perdas humanas, se despojavam de comportamentos irracionais e manifestavam sincera intenção de encerrarem a contenda, o que faziam? Desfraldavam bandeiras brancas! O que falar então do vestuário dos profissionais das diversas áreas de saúde. Médicos, enfermeiros, dentistas etc., todos se utilizando de roupas brancas para suas atividades. Por quê?

Porque a roupa branca transmite a sensação de assepsia, calma, paz espiritual, serenidade e outros valores de elevada estirpe. Se não bastasse tudo o que foi dito até agora, vamos encontrar a razão científica do uso da cor branca na Umbanda através das pesquisas de Isaac Newton.

Este grande cientista do século XVII provou que a cor branca contém dentro de si todas as demais cores existentes.

Portanto, a cor branca tem sua razão de ser na Umbanda, pois temos que lembrar que a religião que abraçamos é capitaneada por Orixás, sendo que Oxalá, que tem a cor branca como representação, supervisiona os Orixás restantes. Assim como a cor branca contém dentro de si todas as demais cores, a Irradiação de Oxalá contém dentro de sua estrutura cósmico-astral todas as demais irradiações (Oxossi, Ogum, Xangô, etc.).

A implantação desta cor em nossa religião, não foi fruto de opção aleatória, mas sim pautada em seguro e inequívoco conhecimento de quem teve a missão de anunciar a Umbanda. Salve o Caboclo das Sete Encruzilhadas!!!!!











Vestuário Uniforme, Uma Necessidade

Uma das bases trazidas pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, por ocasião da anunciação da Umbanda no plano físico, evento histórico ocorrido em 15/16 de novembro de 1908, em Neves, Niterói - RJ, é a que diz respeito a igualdade.

Sabemos que na atual sociedade, com valores deturpados ou invertidos, é comum as pessoas avaliarem umas as outras, não pelo grau de espiritualidade, moral, caráter e boas ações, mas sim pelo que se apresenta a nível de posses.

Dentro deste contexto, é corriqueiro, embora extremamente falho, valorizar ou conceituar os habitantes deste planeta tendo como base a apresentação pessoal externa do indivíduo, ao invés de se atentar para qualificativos internos. Prioriza-se bens materiais em detrimento das virtudes.

E é justamente por isto que a Umbanda adotou o vestuário uniforme, para que alguns assistentes ainda enraizados em equivocados conceitos não tenham como dar vazão a seus distorcidos juízos de valor.

Assim, quem adentra por um terreiro na esperança de cura ou melhora de seus problemas, jamais terá a possibilidade de identificar no corpo mediúnico, todos com trajes iguais, eventuais ou supostas diferenças intelectuais, culturais e sociais. Não terá a oportunidade de saber se por trás daquela roupa sacerdotal encontra-se um rico empresário, um camelô, ou uma empregada doméstica.

Porque há quem vincule a eficácia de um socorro espiritual tomando por parâmetro o próprio médium através do qual a entidade se manifesta. Se o medianeiro atuasse nas sessões de caridade com trajes civis (comuns), algumas pessoas, que pensam da forma citada, passariam a tentar analisar o grau de intelectualidade, de situação financeira, social etc., pela qualidade do vestuário apresentado pelos médiuns. Então, sacerdotes calçando sapatos de fino couro, camisas e calças de marcas famosas, seriam facilmente identificados e preferencialmente procurados. Outros tantos, humildes na sua apresentação, seriam colocados em segundo plano.

Na Umbanda, Sopro Divino que a todos oxigena, o personalismo ou destaque individual é algo que jamais deverá existir. Somos meros veículos de manifestação da espiritualidade superior, e por isto, devemos sempre nos mostrar coletivamente, sem identificações pessoais ou rótulos. Somos elos iguais de mesma força e importância neste campo de amor e caridade denominado Umbanda.

Os chegam aos Centros para darem passes, sem tomarem banho ou trocarem de roupa, estão ainda impregnados de cargas fluídico-magnéticas negativas, que, por conseguinte interferem no campo áurico e perispiritual dos médiuns, simplesmente acabam pela imposição ou dinamização das mãos passando ao assistente toda ou parte daquela energia inferior que carregam.

Na Umbanda, o uniforme do médium, ou está no vestiário do terreiro, e portanto dentro do cinturão de defesa do mesmo, ou está em casa sendo lavado ou passado, longe do contato direto com as forças deletérias.

As Vestes



As vestes na Umbanda são geralmente brancas, sempre muito limpas, já que este é um dos motivos pelo qual se troca de roupa para os trabalhos. Nunca se deve trabalhar com as roupas do corpo, ou já vir vestido de casa com as roupas brancas. O suor causa uma sensação de desconforto, o que traz uma má concentração e intranqüilidade do médium (sem contar, é claro, com a desagradável situação de uma pessoa que vai tomar passes ou consultar-se, e ficar sentindo o cheiro do suor do médium, que está sempre próximo nos trabalhos).

O branco é de caráter refletor, já que é a somatória de todas as cores e funciona, aliado a outras coisas, como uma espécie de escudo contra certos choques menores de energias negativas que são dirigidas ao médium. Serve, também, para identificar os médiuns dentro de uma casa de trabalhos muito grande. Alem disso, é uma cor relaxante, que induz o psiquismo à calma e à tranqüilidade.



A Roupa Branca (Roupa de Santo) é a vestimenta para a qual devemos dispensar muito carinho e cuidado, idênticos ao que temos para com nossos Orixás e Guias. As roupas devem ser conservadas limpas, bem cuidadas, assim como as guias (fios de contas), não se admitindo que um médium, após seus trabalhos, deixe suas roupas e guias no Terreiro, esquecidas. Quando a roupa fica velha, estragada, jamais o médium deverá dar ou jogar fora. Ela deverá ser despachada, pois trata-se de um instrumento de trabalho do médium.







Os Pés Descalços




O solo, chão representa a morada dos ancestrais e quando estamos descalços tocando com os pés no chão estamos tento um contato com estes antepassados.

Nós costumamos tirar os calçados em respeito ao solo do terreiro, pois seria como se estivéssemos trazendo sujeira da rua para dentro de nossas casas.

É também uma forma de representar a humildade e simplicidade do Rito Umbandista.

Além disso, nós atuamos como a pára-raios naturais, e ao recebermos qualquer energia mais forte, automaticamente ela se dissipa no solo. É uma forma de garantir a segurança do médium para que não acumule e leve determinadas energias consigo.

Em alguns terreiros é permitido usar calçados (mas calçados que são usados APENAS dentro do terreiro).



Cabe ressaltar, que a origem desse costume, nos cultos de origem afro-brasileira, é outra; os "pés descalços" eram um símbolo da condição de escravo, de coisa; lembremos que o escravo não era considerado um cidadão, ele estava na mesma categoria do gado bovino, por exemplo.

Quando liberto a primeira medida do negro (quando fosse possível) era comprar sapatos, símbolo de sua liberdade, e de certa forma, inclusão na sociedade formal. O significado da "conquista" dos sapatos era tão profundo que, muitas vezes, eles eram colocados em lugar de destaque na casa (para que todos vissem).

Ao chegar ao terreiro, contudo, transformado magicamente em solo africano, os sapatos, símbolo para o negro de valores da sociedade branca, eram deixados do lado de fora.

Eles estavam (magicamente) em África e não mais no Brasil.

No solo africano (dos terreiros) eles retornavam (magicamente) à sua condição de guerreiros, sacerdotes, príncipes, caçadores, etc.

Nacionalismo brasileiro e suas raízes históricas (2)

A República decorre justamente da composição de forças entre uma classe média que disputava a participação no poder e de uma fração da classe dominante cindida, aquela que se emancipara do que o Império era a representação característica,
a lavoura nova do café. Quando a circunstância favorável surge, essa composição de forças não tem mais do que alijar o trono. A partir daí, no entanto, assiste-se a um movimento inverso: a luta da classe territorial para expulsar do poder os elementos de classe média, que eram os militares, recompondo-se, para isso, a unidade dos velhos tempos


NELSON WERNECK SODRÉ

Vejamos, agora, da mesma forma sumária e com as deficiências peculiares ao inevitável esquematismo, como se apresenta o quadro em que o Brasil abandona as instituições monárquicas e adota o regime republicano. O quadro físico é constante e não há que referir os seus aspectos. A população cresceu, entretanto, o cálculo, agora, apresenta quatorze milhões de brasileiros. Isto, por si só, seria importante. Mais importante, porém, é a composição demográfica: os escravos, no momento da abolição, mal somam setecentos mil, e há províncias que se livraram desse regime de trabalho sem grandes tropeços, antes mesmo da lei de 1888. Dos quatorze milhões, calcula-se em trezentos mil os que são proprietários, compreendido os parentes e aderentes. Há, então, maioria esmagadora de não proprietários, e já não há escravos. São todos trabalhadores livres, repartidos em classes: é possível mencionar a existência de uma classe média e naturalmente uma classe média peculiar a um povo de formação colonial. É possível falar em trabalhadores, embora seja ainda prematuro falar em operários. Há operários porque há indústrias – indústrias de bens de consumo, naturalmente, que explicam o crescimento do mercado interno e a transferência de capitais de determinadas áreas de aplicação para outras –, mas tais operários, recrutados nas sobras do campo, já nesse tempo, ou nas correntes imigratórias, carecem de significação política. Há muitas atividades novas, além das indústrias: cresceu desmedidamente o aparelho do Estado, aparecendo o malsinado, mas bem pouco analisado, empreguismo; desenvolveu-se muito a atividade mercantil, tanto no setor interno como no setor externo. Em determinadas faixas, particularmente as litorâneas, há um mercado consumidor apreciável. As oscilações da política econômica e financeira refletirão esse novo quadro. Nele há, evidentemente, contradições, que, em todo o decorrer da segunda metade do século XIX, não cessam de crescer. Começa a ruir muito depressa a velha estrutura colonial. Em grandes áreas, há sinais visíveis de uma existência que busca assemelhar-se à européia.
Na última parte do século XIX, realmente, operaram-se, no Brasil, transformações de importância. Algumas são ostensivas, não escapam à observação de qualquer viajante: há, agora, um quadro urbano específico, em que a divisão do trabalho apresenta a sua variedade; há serviços públicos que oferecem um mínimo de conforto às populações citadinas, particularmente para a locomoção e a iluminação; há meios de transmissão do pensamento, como o telégrafo e, depois, o cabo submarino; há meios de transmissão de ideias, como a imprensa e o livro. As profissões ditas liberais – e assim chamadas porque peculiares aos homens livres – ampliam os seus horizontes. O comércio cresce e já movimenta importante volume de mercadorias. O aparelhamento administrativo está sempre a exigir novos quadros e nele começa a se destacar o setor financeiro. A embrionária rede bancária das primeiras décadas do século foi substituída por uma estrutura de crédito que mostra a sua importância logo depois da República, quando surge a questão da pluralidade nas emissões.
Como estamos ainda na fase em que tem cabimento o lugar-comum de que somos um país “essencialmente agrícola”, é fácil verificar que todas essas transformações e todas essas inovações se originam no campo. O que aí se passou, realmente, altera bastante o panorama brasileiro. O açúcar, que detinha posição ainda importante, quando da Independência, estava agora praticamente alijado dos mercados externos, e os elementos ligados à sua produção dependiam de medidas protetoras do Governo. Surgira o fenômeno da borracha, trazendo muitas e desmedidas ilusões. Cacau, tabaco, madeira, couros, figuravam na exportação. Mas, nela, aparecia, com índice ascensional e força extraordinária, o café. Partindo do Município Neutro e ganhando as terras fluminenses para, depois, passar ao Vale do Paraíba, o café fizera a grandeza do Império, alicerçara o primado do centro-sul, fundamentara a tarefa unificadora e centralizadora empreendida pela monarquia e, principalmente, dera à balança do comércio externo os saldos que permitiram ao Brasil realizar as transformações ostensivas já mencionadas. É do café, realmente, que surgem os recursos para o aparelhamento material do País, a manutenção do aparelho político e administrativo, a construção dos portos e ferrovias. Dele originaram-se, ainda, e com função destacada, os capitais que, em circunstâncias favoráveis, foram investidos em atividades industriais. Quando o século se aproximava do fim, a lavoura do café não só se libertara do regime escravista como aceitara transformações outras que a estrutura ainda colonial da produção açucareira tornava impossíveis. Há, no Brasil, no fim do século, uma área agrícola estacionária. Nesta, aparece um mercado interno cuja capacidade de consumir vai em ascensão contínua; nesta, a capacidade aquisitiva apresenta aquela paralisia que hoje nos alarma. O monopólio prático dos mercados proporciona ao ritmo ascensional da expansão cafeeira uma espécie de euforia. Nos fins do século, e principalmente nos primeiros anos do século seguinte, começam a aparecer os primeiros sinais de que a euforia não tinha sólidas bases.
O cenário da sociedade é também muito diverso daquele que a Independência apresentava. A classe dominante continua a ser a dos senhores de terras. Já não são senhores de escravos, porém – e a transformação fundamental está na passagem do regime escravista para um regime latifundiário e feudal, em que o pequeno produtor sem posses está vinculado ao senhor de terras por laços não institucionais. Há, por outro lado, uma cisão, que tende a se aprofundar, entre os que ancoraram nas lavouras velhas, seja de açúcar, seja de café, numa atividade predatória a que só por eufemismo se pode chamar de agricultura, e os que exploram a terra sob o regime de trabalho a salário, embora esse regime sofra os agravantes próprios de um meio em que o trabalho livre ainda sofria as mazelas do longo domínio do trabalho servil. De qualquer modo, os interesses do senhor do engenho não são, face a alguns problemas importantes, os mesmos do fazendeiro de café, os deste divergem dos que se especializaram na criação pastoril, e o seringalista se apresenta com uma face também diferente. A classe dominante diverge, em algumas faixas importantes, entre as quais passa a destacar-se a do câmbio e a do regime de trabalho.
Aquela camada média que, desde a mineração, surgira em algumas áreas, e particularmente no centro-sul, crescera em número e encontrara acomodação social com a multiplicação das atividades. Embora estivesse comprometida em suas atividades pela origem de grande número de seus componentes, recebera também consideráveis reforços de outra origem e, entre estes, avultaria o dos militares de terra. O desenvolvimento das atividades comerciais lhe fornecera parcela ponderável. A decomposição familiar da classe dominante já apresentava o espetáculo dos detentores de nomes tradicionais que se resignavam em modestos cargos públicos. Quando da passagem do século, os cursos jurídicos que, na sua fundação, se destinavam a prover, com elementos classificados – numa época em que o diploma e o anel de grau classificavam –, os quadros do Estado, particularmente os políticos, começavam a mostrar razoável contribuição de elementos qualificados.
Vinha, por último, a classe que fornecia o trabalho manual, a que a tradição servil duplamente onerara, com o estigma e o baixo nível de remuneração, repartida desigualmente entre o campo e a cidade, naquele reduzida a condições de vida próximas da servidão ou especificamente de servidão, e nesta limitada a determinados setores que a estreiteza do artesanato permitia e o número reduzido de estabelecimentos fabris e comerciais proporcionava. Que era povo, na fase a que nos referimos? Povo era tudo aquilo que não vivia do trabalho de outrem e compreendia, portanto, a maioria esmagadora da população. Nesse total bruto, no entanto, é fácil verificar um líquido, reduzido numericamente, de elementos que estavam interessados na vida política, entendida em toda a sua amplitude. A estes, a estrutura do regime monárquico não conferia papel algum, e a própria escolha eleitoral, ainda depois da reforma da lei primitiva, discriminava profundamente. Nos últimos anos do Império, era ainda possível fazer um senador vitalício com duas centenas de votos.
A monarquia estivera, desde a Independência, na posição de mandatária da classe dominante, dos senhores territoriais, que enobreceu com títulos. Representara, naquela fase de transição, a saída mais fácil, a ânsia em manter tudo o que era colonial, não sendo colônia. À medida que o Brasil se transforma, e se transforma relativamente depressa na segunda metade do século XIX, o regime se incompatibiliza com os seus suportes naturais. Caminhava para a situação em que decaiu, de uma aposentadoria por inútil. Desde os fins da guerra com o Paraguai, novas ideias atraíram os elementos novos na sociedade. A força do que era velho, porém, ainda era muito grande, e o malogro da experiência pioneira de Mauá demonstra, com clareza exemplar, a falta de ressonância econômica para os empreendimentos de sentido progressista. Que era o velho, nos fins do século? Era o trabalho servil, o regime monárquico emperrado, a centralização, a política financeira ortodoxa, a falácia da solução dos contínuos empréstimos externos, a franquia total aos investimentos sob garantias as mais amplas, como aquela que permite a uma ferrovia a exploração monopolista, por noventa anos, do transporte entre o maior centro distribuidor e o maior centro exportador do país.
Na época da Independência, qualquer transformação dependia do apoio da classe dominante de senhores de terras e de escravos. A composição social e os interesses em jogo agora eram outros – mas a classe dominante permanecia a mesma. Qualquer transformação dependia ainda de seu apoio, embora não mais de um apoio unilateral. A República decorre justamente da composição de forças entre uma classe média que disputava a participação no poder e de uma fração da classe dominante cindida, aquela que se emancipara do que o Império era a representação característica, a lavoura nova do café. Quando a circunstância favorável surge, essa composição de forças não tem mais do que alijar o trono. A partir daí, no entanto, assiste-se a um movimento inverso: a luta da classe territorial para expulsar do poder os elementos de classe média, que eram os militares, recompondo-se, para isso, a unidade dos velhos tempos.
A referida luta é que provoca os incidentes do governo de Deodoro e, principalmente, os que pontilham o período em que Floriano detém as rédeas do poder. Um cronista apressado, de quem se repete informação inidônea, afirmou que a queda do Império fora assistida com indiferença pelo povo. A falsidade da informação fica demonstrada no largo movimento de opinião que permite a Floriano resistir às correntes que contra ele se montam, movimento apaixonado, vibrante, trazido para a rua e, mais de que isso, desembocando na arregimentação de forças, que é a defesa do Rio contra a esquadra rebelada. Floriano representa, tipicamente, a classe média, que começa então a disputar um papel político. E a própria difusão do positivismo nessa classe revela a solução fácil que permitia a defesa de posições progressistas sem rompimento com valores éticos tradicionais.
A composição entre a classe média e a facção economicamente mais poderosa da classe territorial seria rompida com os episódios que se seguem à proclamação do novo regime. E terminaria, com os presidentes paulistas, isto é, os representantes da lavoura cafeeira, por conduzir a um total alijamento da classe média. Esse alijamento se completa quando Campos Sales chega ao poder. Define-se, em seu governo, pela reforma dos empréstimos externos, com o serviço das dívidas previsto no funding, pela orientação financeira, que pretende paralisar o assustador desenvolvimento, para a época, de novas empresas – de que o episódio do encilhamento fora uma singular caricatura –, e, particularmente, pela chamada “política dos governadores”, que consistia em entregar os Estados às oligarquias, para que os explorassem como fazenda particular. Dentro dessa repartição de poderes – em que o governo central, para realizar a sua política financeira, buscava a paz por meio da transformação política do país em feudos federados – os pleitos eleitorais eram resolvidos sumariamente pelas combinações de cúpula, no revezamento entre representantes dos grandes Estados, e pela execução resumida nas atas falsas e nos “reconhecimentos” adrede preparados. Reinava a paz em Varsóvia. Tudo isto significava, na verdade, que a classe dos senhores territoriais, de proprietária natural e indisputada de coisa pública, que fora no Império, necessitava agora articular todo um complicado sistema de compressão para defender o seu predomínio. E a República, por isso mesmo, vai assistir a uma sucessão de tumultos, de motins, de perturbações, de que as mais características são as campanhas de Rui Barbosa, particularmente a segunda, as “salvações” empreendidas pelo Governo Hermes, a revolta da esquadra com João Cândido para, em pleno século XX, abolir a chibata e, finalmente, o movimento tenentista que reflete, com a força crescente da classe média, as inquietações represadas.