terça-feira, 13 de julho de 2010

As Águas de Oxalá

“As Águas de Oxalá” é um dos rituais mais eloqüentes e belos da tradição do Candomblé. Oxalá é o grande orixá, o Orixá Funfun (pureza), que representa a paz, a água, a harmonia, a criação dos seres humanos. Cultuado em todas as ”Nações“ de matriz africana, Oxalá traz a essência e o poder da fertilização. A significação da Oferenda denominada de ”Águas de Oxalá“ está pautada no dinamismo da renovação, da purificação e da preparação da Terra e dos homens para a semeadura em espaços férteis de procriação através do poder que a água veicula. A mudança entre o passado e o presente que se afirma, sem perder o elo de ligação. Poderia ser comparada como o renascer de um novo ano, de uma nova fase, de uma nova era. Onde todos os seres, todas as energias estão receptivas paras as inovações numa reflexão critica das necessidades de mudanças de comportamentais das relações universais em toda a sua amplitude, seja social, econômica, ecológica etc. visando sempre o equilíbrio necessário para a eternização do todo. A água é um dos elementos de grande importância de manutenção e preservação do axé. A água é um dos veículos de transporte do axé, a força mágica sagrada que permite as mudanças e transformações rumo ao equilíbrio dinâmico do universo.

Às ”Águas de Oxalá“ remonta uma das parábolas de tantas outras da Visão de Mundo de tradição africana, visão esta que é originária de uma cultura tradicional e religiosa, rica de ensinamentos e proposições bem elaboradas e bem definidas num contexto próprio, embora na sua tradução não fere princípios diferentes de outros povos. É sempre pensada no coletivo e na diversidade de todas as sociedades. Aprendi com o meu mentor espiritual, ou melhor, meu Babalorixá Paulinho de Oxossi, quando fizemos as primeiras cerimônias das ”Águas de Oxalá“, em Belém do Pará, no Ilé Axé Iya Omi Ofa Karé, nos idos do ano de 1987 o seguinte Itan (historias dos povos africanos, parábolas, Mitologia etc)”.

Oxalá tivera um sonho com Xangô e como este era um dos seus filhos mais querido, ficou muito preocupado, pois não conseguia ficar sem pensar no seu filho. Há muito tempo que Oxalá não tinha contato com Xangô e já que o fato o instigava, resolveu visitá-lo. Porém, antes da viagem foi consultar o Orunmilá, o Oluô, o Senhor do destino, o grande conhecedor do futuro, para fazer uma consulta e contar do ocorrido, além da grande saudade que sentia do seu filho. Orunmilá, grande amigo de Oxalá, observando a conformação dos seus ikins (elementos da adivinhação, búzios, caroços de dendê, nozes de cola, sementes consagradas); após jogá-los no seu opere (espécie de peneira ou tábua onde se joga os ikins), disse para Oxalá:
-Não é um bom momento para o senhor viajar, vejo muitas dificuldades e problemas durante o seu percurso. Muitas coisas poderão acontecer durante a sua caminhada.
Oxalá respondeu:
-Orunmilá, eu preciso muito conversar com Xangô, sei que ele enfrentará uma grande batalha e tenho que ajudá-lo. No seu reino tem muita discórdia e dias difíceis virão.
Orunmilá respondeu:
-O Senhor pode ir sim. Desde que faça algumas oferendas (ebós) para garantir a sua chegada em paz, vão ter problemas sim, mas vamos amenizá-los. Primeiro o senhor terá que preparar 03 peças de roupas brancas e durante a sua viagem não poderá conversar com ninguém e evitará ficar com as roupas suja. O seu silêncio só cessará quando o senhor encontrar com Xangô, além de evitar que as suas roupas fiquem sujas, repito: evite falar com as pessoas e jamais se desvie do caminho para que possas chegar em paz. O senhor só poderá conversar com Xangô quando chegar no seu destino.

Oxalá, após fazer as Oferendas indicadas por Orunmilá, vestiu-se com a primeira roupa, colocou as outras duas em um saco e começou a sua caminhada rumo a Oió (Terra do reino de Xangô), sustentado com o seu Opaxoro (Cajado sagrado).
Exu, o Orixá da palavra, a boca que tudo come, o transportador do ebó, resolveu testar Oxalá, para observar se ele iria cumprir a risca as determinações de Orunmilá.

Na primeira peça, Exu disfarçou-se de mendigo e atravessou no momento que Oxalá passava e lhe pediu uma esmola. Oxalá que é benigno, bondoso e a todos quer ajudar ofertou um pedaço de pão e nada falou. O mendigo solicitou a Oxalá que o ajudasse a colocar um saco na sua cabeça e Oxalá prontamente o ajudou. Quando Oxalá suspendeu o saco, o fundo do mesmo estava furado e cheio de pedras de carvão, que caíram sobre as suas vestes branca, ficando toda suja de carvão. Aí, Exu começou a dar gargalhadas e desapareceu. Oxalá, pacientemente foi ao rio, tomou um banho trocou a primeira peça de roupa que estava vestido pela segunda que guardara no saco. Oferendou a peça de roupa suja no tempo.
Na segunda peça. Exu se desfaça de salineiro e quando Oxalá passa próximo ao mar ele o chama. O salineiro estava descarregando o seu barco que estava cheio de sacos de sal e como Oxalá permanecia em silêncio, convidou Oxalá para ajudá-lo. Oxalá também é piedoso e resolveu acudir aquele pobre homem que trabalhava sozinho. Ao colocar o saco sobre as costas não percebera que este estava furado e todo o sal derramou sobre as suas vestes. Banhou-se, vestiu a sua última roupa e ofertou a que estava suja de sal para as águas.
Na 3ª e última peça, Exu é um viajante que comercializa óleos comestíveis e quando Oxalá passa por perto de sua taberna, pede a Oxalá para segurar o tacho onde ele derramará o óleo. O viajante propositadamente derrama o óleo que era à base de dendê sobre Oxalá. Exu dá uma grande gargalhada e desaparece. Oxalá vai ao rio banhar-se, mas não consegue limpar a sua roupa, como já não mais dispunha de outra peça limpa para trocar, teve que se conformar com as vestes sujas.

Próximo ao reino de Xangô, já cansado de tanto caminhar, Oxalá resolve repousar um pouco próximo a um alpendre, quando, de repente, aparece um lindo cavalo branco galopando sozinho. Oxalá começa a acariciar o cavalo, que muito parecia ao cavalo que outrora tinha presenteado a Xangô. Os soldados de Oió estavam à procura do cavalo do rei, que tinha sido roubado e ao vê-lo do lado de Oxalá, prenderam o forasteiro e o levaram para as masmorras, onde o mantiveram preso.
Durante o período em que Oxalá foi mantido preso, o Reino de Xangô passou por muitas dificuldades, a terra nada produzia, os animais morriam, das árvores não brotavam mais frutos. O povo sofria de infinitas mazelas e muito pouco tinha para comer, muitos morreram de fome e de doenças. As mulheres ficaram secas, estéreis, não geravam mais filhos e a população ficou reduzida a poucos. Os homens não dialogavam mais e as guerras, constantes, destruíam Oió impiedosamente. Xangô, justo, benevolente, pulso firme e sábio não sabia mais o que fazer. Resolveu consultar um grande Oluô da região que abrir o seu Ifá (jogo de Ifá - jogo de premunição). O respeitável adivinho, disse a Xangô que todas as dificuldades e sofrimentos que tomavam conta da nação não eram em vão. Xangô tinha cometido um tremendo engano no seu reino, ao manter preso nas suas masmorras um grande ser, que viera lhe visitar para trazer boas novas de paz e amor para seu povo, para a sua terra. Vá verificar com os seus próprios olhos.

Xangô foi pessoalmente visitar as prisões, quando reconheceu que aquele velho homem que ali se encontrava era seu pai. Chorou e imediatamente o carregou em suas costas, pedindo a todos que trouxessem bastante água para que pudesse limpá-lo e purificá-lo. Aparou as suas barbas, mandou preparar as mais belas vestes brancas e o vestiu. Providenciou que fosse organizada uma grande cerimônia, onde todos deveriam estar vestidos de branco para homenagear o rei.
O povo da cidade desceu em uma majestosa procissão contemplando Oxalá que andava lentamente guiado pelo seu Opaxorò (cajado sagrado de Oxalufã) e a cada passo era ajudado pelos seus filhos, todos protegidos por um grande manto branco sagrado, chamado de alá, que cobria as suas cabeças. Após a procissão, todos retornaram para o Palácio de Xangô, que ficava numa floresta sagrada onde foi oferecido um banquete e todos tiveram que comer uma massa feita de inhame bem passada, como prova da continua comunhão que devemos ter com o divino, com a criação.

E O reino de Xangô voltou a prosperar, as terras ficaram férteis, as mulheres germinaram e as guerras cessaram. A Paz, a justiça, o amor e a verdade voltaram a se abraçar para o bem do universo.

Esta viagem de Oxalá é relembrada quando fazemos o ritual das “Água de Oxalá”. É uma tradição das principais casas da chamada Nação “Ketu” no Brasil.

Fases:

I – Construção da casa onde Oxalá irá ficar durante as obrigações. Chamada de Boloti.
II - Todos dormem na casa de axé e preparam os seus quartilhões (jarros grandes, brancos, de louça ou barro) para carregar água para Oxalá.
III – De madrugada, por volta de quatro horas da manhã, todos se acordam em silêncio, pegam os seus quartilhões e se posicionam enfileirados respeitando a hierarquia do axé.
IV – Começa a procissão, e todos, em silêncio, vão para próximo da fonte de Oxalá, onde mora uma Iyaba, para alguns chamada de Oloxá (Senhora dos lagos, das fontes) que tem fundamento com Oxum e Nanã.
V – Cantam-se alguns fundamentos do axé relacionados com as oferendas e em silencio todos os quartilhões são preenchidos com água da fonte.
VI – Cada um carregado o seu quartilhão cheio de água se dirigem em procissão em direção ao Bolonti armado na área livre do templo.
VII – Entra um por um no Bolonti e suas cabeças são lavadas com a água de seus quartilhões.
VIII – Cada um tem que completar três viagens para encher novamente os quartilhões.
IX – Toda água recolhida, com exceção, da utilizada para purificar as cabeças vão primeiramente para o espaço onde mora o Oxalá da casa de axé e depois para os outros espaços onde moram os outros Orixás. Será utilizada para fazer o Osé (limpeza e purificação dos assentamentos dos Orixás e enchimento de todos os vasilhames que comportam água).

Cerimônias:
1º Domingo - Candomble
Homenagem a Oxoguiã / Oferendas do Pilão/ Simulação de Guerra com os Atoris/ Distribuição da Massa de Inhame para todos.
2º Domingo - Candomblé
Homenagem a Oxalufã. Toque de Ibin para Oxalá, que sai com o seu Opaxorò abençoando a todos. Depois todos carregam o Alá com Oxalá embaixo conduzido pelos seus filhos.

Esta simbologia se eterniza nos princípios fundamentais que são inerentes de todos os seres, animados e inanimados. Princípios estes, que sustentam e fundamentam a necessidade da convivência com: a diversidade, a respeitabilidade, a perseverança, o amor, a paz, a harmonia, a verdade e a justiça.