sexta-feira, 24 de junho de 2011

Faz sentido controlar a inflação elevando a Selic?

FERNANDO FERRARI FILHO E ANDRE DE MELO MODENESI

Nos últimos anos, os mercados de commodities têm sido influenciados pelo processo de globalização financeira, entendida como financeirização da riqueza. Nesses mercados, tem-se observado uma dinâmica especulativa na formação de seus preços. Esse comportamento especulativo dos preços das commodities, especialmente agrícolas e energéticas, explica boa parte das pressões inflacionárias globais, em 2007 e 2008. Essas pressões voltaram à tona no segundo semestre de 2010 e têm sido um dos principais responsáveis pela inflação mundial.

Como resposta a esse tipo peculiar de inflação - que vem pelo lado dos custos e, não, da demanda -, as autoridades econômicas internacionais adotaram políticas de elevação dos juros. Em uma situação em que a recuperação da economia mundial está longe de consolidada, essas autoridades deveriam elevar os juros para conter os efeitos (secundários) sobre a inflação doméstica oriundos de choques exógenos protagonizados pela alta das commodities?

No Brasil, infelizmente, o Banco Central (BC) parece entender que sim. Em linha com o regime de metas de inflação, a Selic é tida como o instrumento mais indicado para debelar as pressões inflacionárias - independentemente de sua natureza.

Assim sendo, com o intuito de desaquecer a economia e, portanto, conter o avanço dos preços, iniciou-se novo ciclo de alta da Selic no ano passado (atualmente ela se encontra em 12,25%). Todavia, a despeito das recorrentes elevações da Selic, a inflação brasileira continua se acelerando. Por uma razão muito simples: a inflação brasileira, assim como a de outros países emergentes, não é predominantemente de demanda.


SEGUIREMOS BATENDO RECORDES MUNDIAIS
DE JUROS, SEM QUE A INFLAÇÃO SE REDUZA DE FORMA CONTUNDENTE

Vejamos, portanto, nosso argumento de que a atual inflação brasileira não decorre de um excesso de demanda. Nos últimos 12 meses, entre junho de 2010 e maio de 2011, o IPCA acumulou alta de 6,55%. A contribuição, aproximada, de cada grupo de produtos para o referido valor foi a seguinte: alimentos e bebidas, 2,0%; transportes, 1,1%; educação, 0,6%; despesas pessoais, 0,8%; vestuário, 0,5%; habitação, 0,8%; saúde e cuidados pessoais, 0,6%; artigos de residência, 0,1%; e comunicação, 0,1%. Os grupos alimentação e bebidas e transportes - influenciados pelo choque internacional das commodities - foram responsáveis por quase metade da inflação, nos últimos 12 meses.

Considerando-se que a inflação brasileira deriva, fundamentalmente, de choques de preços internacionais, contrair a política monetária não é a solução mais apropriada. Além disso, vale lembrar que, em condições normais, conter a inflação com origem no lado da oferta por meio de elevação da taxa básica de juros acaba gerando um sacrifício adicional.

Por quê? Porque, por um lado, atua-se meramente sobre os sintomas e não sobre as causas da inflação. Nesse caso a política monetária meramente conteria os efeitos secundários da inflação importada: ao retrair a atividade, coibiria o repasse dos preços externos para os preços domésticos. Por outro lado, porque, ao se restringir a política monetária amplia-se o impacto recessivo de uma elevação dos custos de produção.

Isso é verdade, mesmo na hipótese de que o mecanismo de transmissão da política monetária funcione perfeitamente. A questão é que, no caso brasileiro, esse mecanismo não tem funcionado adequadamente. Nesse sentido, pode-se explicar a persistente coexistência de taxas reais de juros anomalamente altas (somos recordistas nesse critério) com níveis relativamente elevados de inflação. Em outras palavras, o IPCA tem-se mostrado pouco sensível ao nível de atividade econômica. Portanto, o BC não tem sido capaz de trazer o IPCA para a meta de inflação (4,5% ao ano), apesar das altas taxas.

A existência de problemas no mecanismo de transmissão amplia ainda mais o sacrifício imposto pela política monetária à sociedade brasileira. Nesse particular, não é demais ressaltar que o custo de uma redução da inflação por meio da elevação da Selic tem sido muito alto, pois (1) a economia cresce pouco (temos a pior taxa média de crescimento dentre os países emergentes), (2) o real é umas das moedas que mais se valoriza e (3) as contas públicas são contaminadas, transformando o superávit primário em déficit nominal.

O alto sacrifício imposto pela política monetária à sociedade brasileira torna urgente a busca de mecanismos alternativos de combate a inflação. Ou seja, critica-se a concepção de que a Selic deva ser o único instrumento de combate a inflação. Nesse caso não há “receita de bolo”: pressões inflacionárias com causas distintas devem ser combatidas com diferentes instrumentos. O BC ensaiou uma mudança nesse sentido com o uso das medidas de controle de crédito (acanhadamente denominadas de macroprudenciais) tomadas no final do ano passado.

Entretanto, parece que ele abandonou tal caminho, o que lamentamos, e voltou a elevar a Selic, o que consideramos inapropriado. Infelizmente, indo nessa direção, vamos continuar batendo recordes mundiais em termos de taxas de juros (reais), sem que a inflação se reduza de forma mais contundente.

* Fernando Ferrari Filho é professor titular da UFRGS e Andre De Melo Modenesi é professor adjunto do IE/ UFRJ. Ambos são pesquisadores do CNPq.
Publicado no Jornal Valor Econômico

Os salários, os empregos e os que acham que eles são “excessivos”

A tabela foi extraída da nova edição de “Análise da Seguridade Social”, uma publicação primorosa da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) e da Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social.

Em breve, publicaremos artigo mais extenso sobre esse trabalho. Por ora, o que nos faz dar conhecimento desta tabela , é a atual tagarelice (por ser sinistra, não é menos tagarelice) sobre um suposto superaquecimento do mercado de trabalho, que levaria a um “excessivo” aumento dos salários. Vejamos, então, a tabela.

Seus números não se referem aos empregados totais na economia brasileira, mas à criação ou destruição de empregos - o saldo de novos postos de trabalho, subtraindo das admissões as demissões.



Mesmo assim, é possível ter uma ideia bastante clara de como os brasileiros ganham pouco e de como o aumento do emprego, nos últimos anos, foi um aumento nos empregos de salários mais baixos, o que seria normal e saudável, se não fosse a queda nas faixas salariais mais altas, o rebaixamento salarial - em termos de número de salários mínimos - na parcela maior dos que conseguem emprego (e, certamente, o fato do salário mínimo ainda ser tão baixo).

Evidentemente, a situação é muito melhor que no governo Fernando Henrique, quando, entre 1995 e 1998, as demissões superaram as admissões em 1.108.600. Os dados, todos oficiais, de 1995 até o ano passado, estão na página 50 de “Análise da Seguridade Social em 2010”.

Aqui, reproduzimos os números dos três últimos anos. Apesar da crise penetrar aqui já no último trimestre de 2008, nesse ano a economia crescia, até setembro, a uma taxa de +6,4%.

Até então a parcela maior dos que conseguiam empregar-se, obtinha salários de 1,5 a 2 salários mínimos (v. tabela). A crise - que provocou, somente entre os trabalhadores com carteira assinada, 1.483.673 demissões em 2009 (cf. CAGED12) – fez com que o número dos que conseguiram empregos nesse patamar caísse de 1 milhão e 40 mil, em 2008, para 8 mil e 800 no ano seguinte.

Em 2009, essa faixa salarial de 1,5 a 2 salários mínimos passou a ser terciária. Os salários da maioria dos que conseguiram empregar-se foi numa faixa inferior, de 1 a 1,5 salário mínimo - e, em segundo lugar, lastimavelmente, na faixa de menos do que 1 salário mínimo.

Quando houve a recuperação na criação de empregos em 2010, essa distribuição dos empregos em relação aos salários continuou preponderante. Ou seja, a mediana foi deslocada para baixo em relação ao período de antes da crise – a recuperação do emprego se deu com um rebaixamento do nível dos salários.

Em 2008, os empregos (não a criação de empregos, mas os empregos) diminuíram em todas as faixas salariais acima de 3 salários mínimos. Portanto, o limite salarial até onde os empregos cresceram (ou, o que é dizer a mesma coisa, onde as admissões foram em número maior que as demissões) foi de R$ 1.245,00 (salário mínimo=R$ 415,00). Acima disso, houve menos empregos.

Pior ainda nos últimos dois anos, os empregos reduziram-se em todas as faixas salariais acima de dois salários mínimos. Assim, em 2009, caíram os empregos com salário acima de R$ 930,00 (salário mínimo=R$ 465,00). Em 2010, o limite foi R$ 1.020,00 – além desse salário, os empregos diminuíram.

A realidade, portanto, mostrou-se incompatível com uma das lendas neoliberais: a de que existe desemprego porque o trabalhador não está qualificado. Exatamente nas faixas salariais em que estão os trabalhadores mais qualificados é que houve mais demissões do que admissões. Permanece, portanto, que há trabalhadores desempregados simplesmente porque falta emprego para eles. É um problema de crescimento da economia e não de sofisticação tecnológica - que sempre pode ser adquirida, até rapidamente, se existe necessidade, isto é, emprego. Mas, sem dúvida, esse não é o caso numa economia crescentemente importadora.

Com uma oferta de trabalho onde os salários são tão baixos, pode parecer espantoso que alguns – até no próprio governo – digam que há gente demais empregada, com os salários, por isso, sendo “pressionados” para cima, o que causaria inflação. Como se a restrição do mercado interno pelo rebaixamento de salários, os juros altos e taxa diminuta de investimento não nos deixassem, precisamente, à mercê dos preços de monopólio – inclusive, dependentes do preço das importações, por mais subsídio cambial que o BC e a Fazenda lhes concedam.

Mas tal sapiência já tem marca registrada há 70 anos – e, ao longo desse tempo, já foi desmoralizada várias vezes, inclusive, em 1977, por um sindicalista conhecido por Lula.

No final dos anos 30 e início dos anos 40 do século passado, o reacionaríssimo entreguista Eugenio Gudin (nem todo entreguista consegue ser tão reacionário) afirmou que o problema do Brasil era o pleno-emprego - aliás, o “hiperemprego” - que levava o país à inflação.

Há pessoas de boa fé que consideram que Gudin foi um “economista”. Ledo engano. Desde cedo, ele foi um diretor e/ou membro do conselho de filiais de empresas estrangeiras, que traduzia o interesse dessas empresas em jargão pseudo-teórico, copiado de autores também estrangeiros.

Gudin era tão reacionário que, lá por 1968, atacou a ditadura que apoiara sofregamente desde o primeiro momento - aliás, desde muito antes – porque, dizia ele, o governo da época optara erradamente por “incrementar a taxa de desenvolvimento” ao invés de promover “um combate radical à inflação”. Ele esclarece o que era esse “combate radical”: “Uma ‘taxa mínima de desemprego’ e de capacidade ociosa é indispensável no combate à inflação. A começar porque há em todos os países uma ‘taxa de desemprego normal’” (cf. Gudin, “O pleno emprego e a inflação”, set./1968).

Bem, basta substituir a palavra “normal” por “natural”, e teremos o besteirol de hoje, com alguns débeis mentais discutindo se são oito, dez ou quinze milhões os brasileiros que devem estar desempregados. O espantoso mesmo, com empregos, convenhamos, miseráveis - como mostra a nossa tabela - é a falta de vergonha de uns e o servilismo de outros.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Nuvens negras no horizonte

O texto desta página foi originalmente divulgado pela Agência Carta Maior. O motivo que nos faz publicá-lo não é somente a sua importância do ponto de vista mais geral – o aprofundamento da crise nos EUA e Europa. Há também um motivo imediato.

Na conferência do último dia 26 no “Managing Capital Flows in Emerging Markets”, seminário promovido com o FMI, a primeira solução que o ministro Mantega apresentou para a atual invasão de dólares provinda das superemissões dos EUA – invasão que hipervaloriza artificialmente o real, subsidiando brutalmente as importações e encarecendo a produção interna, com a depredação da nossa indústria – foi a “recuperação dos países desenvolvidos” (“recovery of advanced countries”). Segundo se depreende da prancha 10 de sua apresentação, ele atribuiu tal solução a um consenso no G-20. No entanto, ele vem repetindo isso há bastante tempo – desde que a crise atual eclodiu nos EUA, em 2008.

Se essa é a principal solução, a consequência política é clara: temos de fazer todo o possível para que a economia dos EUA e de outros países se recupere, porque, senão, o Brasil jamais conseguirá resolver o problema mais agudo que, no momento, afeta sua economia. Portanto, temos de deixar as portas abertas para a invasão de dólares, até estimulá-la com juros cada vez mais altos, aguentar déficits comerciais crescentes com os EUA, açular o capital forâneo para que compre nossas empresas, etc., etc., etc.

Não é uma coincidência que seja exatamente isso que está acontecendo, já há algum tempo. Embora não estejamos atribuindo ao ministro um plano deliberado e premeditado neste sentido, sua premissa leva, inevitavelmente, a esse resultado. O Brasil, portanto, seria um país cujo limite de crescimento é determinado, inelutavelmente, pelo crescimento dos países centrais e nossa “vantagem comparativa” seriam os baixos salários para que as exportações fossem vantajosas, com um mercado interno restrito pela concentração e achatamento da renda – logo, nossa economia seria geneticamente desprovida, por algum motivo místico, de moto próprio, de dinâmica interna para crescer. Daí, a única política que nos resta seria esperar que os países centrais se “recuperem”.

Essa concepção não é nova: apesar das diferenças de época e de complexidade econômica, quanto à essência política e ideológica ela é idêntica àquela que Washington Luiz impôs ao país após o início da crise em 1929, e que levou esse presidente à desgraça. Em suma, essa política é, quanto ao conteúdo ideológico, uma exumação, em seu pior momento - o último - da República Velha.

Tudo, evidentemente, era ilusório naquela época. Era tão ilusória a política de Washington Luiz, que ela hoje nos parece delirante – e, o seu executor, um alucinado. O que espanta mais é o nível de submissão, naquela época sobretudo aos bancos ingleses.

O texto abaixo, de Amir Khair, mostra que, também hoje, essa política – mais exatamente, essa ideologia – é uma ilusão que faz fronteira com a loucura. Com a crise dos países centrais aproximando-se, mais lentamente ou mais rapidamente, de uma hecatombe, não há solução para o Brasil que não seja apoiar-se em suas próprias forças – que existem e são imensas -, em seu próprio mercado interno.

Por isso, é algo igualmente delirante travar o crescimento neste momento. Depois de desenhar, com dados irretorquíveis, o quadro externo, Khair conclui: “Face a esse quadro, o melhor para o Brasil é apostar as fichas da saúde econômica e financeira naquilo em que somos bons: alto potencial de mercado interno inexplorado. Assim, é bom repensar as políticas do pé no freio, que podem fragilizar o País aos trancos que poderão vir de fora”.

Realmente, não é possível, por mais muito tempo, que a política econômica seja uma constatação da impotência – problema ideológico, e não real – como aquela que faz o ministro da Fazenda declarar que pretende desonerar a folha de pagamento das empresas e reduzir o ICMS interestadual porque “como não se pode administrar o câmbio como gostaríamos, temos que administrar os custos tributários, financeiros e de infraestrutura”.

Até aqui pensávamos que o ministro era um adepto do “câmbio flutuante” porque na sua opinião esse regime era melhor do que os outros – tanto assim que, no evento do FMI, propôs que este fosse o regime cambial único do mundo. Agora, sabemos que o problema é que “não se pode administrar o câmbio como gostaríamos”. Por que não se pode? O câmbio é um preço geral da economia, a ser regido de acordo com os interesses gerais do país. É assim que fazem os EUA por exemplo, com a superemissão de dólares, e a China, que atrelou a cotação do yuan ao dólar para impedir o que acontece no Brasil: que a hipervalorização da moeda seja uma forma de agressão à economia.

A submissão extrema aos interesses do dólar só pode levar o país a um péssimo porto – ou, mais exatamente, a nenhum porto em meio à borrasca. O artigo de Khair expõe, claramente, que a tempestade está à vista.


C.L.

AMIR KHAIR

Ainda não se passaram três anos e já se delineiam duas sérias ameaças em nível global, que podem indicar um primeiro desdobramento da crise financeira originada nos Estados Unidos em 2008. É a situação crítica da questão fiscal dos Estados Unidos e Grécia. Os holofotes agora estão na Grécia, mas não levará tempo para se dirigirem aos EUA.

Vale recordar. Na primeira tentativa de sair do buraco, a Grécia acertou com o FMI que sua economia deveria encolher 4% em 2010, 2,6% em 2011 e o desemprego, de 9,4% em 2009, subiria para 14,8% em 2012. Esse o custo da redução do déficit fiscal de 13,6% do PIB em 2009, para 8,1% em 2010 e 6,5% em 2012. Mesmo assim, sua dívida se estabilizaria em 150% do PIB! Mas em 2010 em vez de conseguir a meta de déficit de 8,1%, obteve 10,5%, o que acendeu a luz vermelha.

Os holofotes agora estão na questão fiscal da Grécia, que precisará de um novo empréstimo em 2012. Com um crescimento mais baixo que o esperado, a tendência é o agravamento fiscal e a necessidade de mais empréstimos que, se vierem, trarão sérias dificuldades de satisfazer as condições impostas pelo FMI, com impacto social crescente e sério risco político ao governo.

A aposta dos “salvadores” (Banco Central Europeu - BCE, países da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional - FMI) ao concederem o primeiro socorro era de que uma profunda restrição fiscal, com rebaixamento de salários, demissões no setor público e freada no crescimento econômico, seria capaz de gerar os excedentes para honrar as parcelas dos empréstimos, que tiveram prazos mais alongados.

Esse aperto fiscal deveria ser imposto à população e as reações foram imediatas com paralisações e manifestações de massa, que na ocasião poderia inviabilizar as negociações em curso. Mas o governo grego conseguiu vencer o primeiro round e aprovou as duras exigências dos financiadores, mas com importante condição: a dívida teria que ser integralmente paga, sem nenhum prejuízo aos credores.

Esse socorro financeiro implica em dois problemas fiscais, de solução quase impossível, pois crescem as despesas com o serviço da dívida pelo forte aumento do endividamento e cai a arrecadação pela redução da atividade econômica e pelo aumento da inadimplência dos contribuintes, ou seja, forma-se um “sanduíche” fiscal.

Os credores, no entanto, partiram da premissa de que a redução das despesas públicas seria suficiente para superar esses dois problemas. Não foi o que aconteceu e nem acontecerá. Assim, seria necessário reduzir o valor a ser pago no serviço da dívida, ou seja, seu deságio, com perda para os credores.

Mas, o deságio não bastaria para solucionar o problema, pois os desequilíbrios macroeconômicos já existentes tornam necessários outros esforços para viabilizar o equilíbrio de suas contas internas e externas. Atualmente ocorre déficit na balança comercial de 4% do PIB, maior déficit comercial entre os países da região do euro. Se esse déficit persistir, terá de captar o volume total em instituições de crédito estrangeiras, mesmo se os déficits orçamentários pós-inadimplência puderem ser financiados com captações domésticas.

A simples ameaça do deságio na Grécia precipitou a elevação dos riscos das dívidas de Portugal e Espanha. Portugal foi o primeiro a pedir socorro e já está seguindo o mesmo caminho grego. Tomou em maio recursos do FMI e da União Europeia de US$ 110 bilhões, que representa 47% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. O último pacote de auxílio do FMI ao Brasil, em 1998 foi de US$ 40 bilhões ou 4,7% do PIB. Assim, esse socorro a Portugal foi, em termos de tamanho de sua economia, 10 vezes maior do que o nosso.

Para situar a gravidade do problema que ronda a Europa, o pacote da Grécia de US$ 156 bilhões foi também de 47% do PIB e o da Irlanda de US$ 120 bilhões, 52,9% do PIB, segundo matéria publicada no jornal Estado de São Paulo (22/maio).

Esses socorros foram também sem deságio nas dívidas e será apenas questão de tempo para evidenciar a falta de visão dos “salvadores” e o agravamento da inevitável deterioração fiscal nesses países.

Não tem como escapar do deságio das dívidas. Esse deságio, por sua vez, poderá trazer novos desdobramentos na rede financeira europeia já fragilizada pela crise iniciada nos Estados Unidos com as hipotecas de alto risco (subprime) e por a nu os títulos podres em posse do BCE ao socorrer o sistema bancário da Irlanda, Grécia, Espanha entre outros países.

A nova tentativa de socorro à Grécia continuará tentando preservar os credores, alongando mais a dívida, sem reestruturá-la, com nova injeção de empréstimos, e o calote será inevitável e maior mais a frente. É uma exigência do BCE para tentar empurrar com a barriga os títulos podres em seu poder cujo montante é desconhecido.

O mesmo poderá ocorrer com Portugal, mais à frente à Espanha e, em seguida a Itália, países de maior expressão econômica na zona do euro. Poderá ser essa a sequência dos PIIGS. É claro que isso atingirá o sistema bancário das economias mais sólidas como França e Alemanha, agravando a crise européia com repercussões em outros países fora da área. Como existe forte relação entre os sistemas financeiros de Europa e Estados Unidos, esse país certamente será afetado.

EUA - Em 16/5, os Estados Unidos atingiram o teto de US$ 14,294 trilhões da dívida pública e o Departamento do Tesouro planeja anunciar que vai parar de emitir e reinvestir títulos do governo em certos fundos de pensão públicos, parte de uma série de medidas para adiar a moratória até 2/8. Essas medidas do Tesouro visam ganhar tempo para a Casa Branca e líderes do Congresso chegarem a um acordo de redução do déficit, para atingir número suficiente de congressistas a votar o aumento da dívida.

A disputa política entre republicanos e democratas pode fornecer o combustível necessário para começar a por em dúvida a capacidade do país honrar o pagamento aos credores, que estão espalhados por todo o mundo, especialmente países que acumularam fortes reservas ligadas ao dólar, como China, Japão, Alemanha e o Brasil. Para agravar esse quadro o déficit fiscal previsto ao final deste ano pode atingir US$ 1,7 trilhões ou 11% do Produto Nacional Bruto (PNB).

A tentativa de ativar a economia via elevação da liquidez é outro motivo de preocupação. De 2004 a 2008 a base monetária girava em torno de US$ 0,8 trilhão e a disparada sem cessar a partir de 2009 a elevou para US$ 2,4 trilhões. Apesar disso, os empréstimos bancários ficaram estabilizados desde o final de 2008 em US$ 9 trilhões, evidenciando o deslocamento dessa elevação da liquidez para fora dos EUA.

É possível que as agências de classificação de risco, que dormiram no ponto na crise de 2008/2009, não tenham o mesmo comportamento agora. Alguns sinais já apontam nessa direção. O primeiro foi dado pela Standard & Poor’s que rebaixou de ‘estável’ para ‘negativa’ a perspectiva de rating de crédito soberano de longo prazo dos Estados Unidos. Com isso sinalizou que poderá piorar a nota da dívida americana. As razões apontadas para a decisão foram o persistente déficit orçamentário e o elevado endividamento do país.

De acordo com a agência, mesmo após dois anos após a eclosão da crise financeira que abalou o mercado de hipotecas dos EUA, o governo do presidente Barack Obama dá sinais de que não chegou num acordo sobre como reverter a deterioração fiscal por que passa o país atualmente, nem aponta soluções para as pressões fiscais de longo prazo.

O dólar já vem de longo processo de perda de valor perante outras moedas e commodities, e isso expressa a doença que se abate lentamente sobre a economia americana. As análises sobre as perspectivas deste país oscilam a cada dia ao sabor de dados sobre pedidos de desemprego, construção de novas moradias, produção industrial, inflação, etc. Fato é que a reação aos fortes estímulos dados desde 2008 produziram efeitos pífios e os déficits fiscais passaram de 3% do PNB em 2008 e poderão atingir 11% neste ano, e a dívida sobe de forma ameaçadora, indicando claros riscos em seu pagamento.

Para agravar esse quadro a elevação dos preços do petróleo e outras commodities subtraem o poder aquisitivo dos americanos, com reflexos negativos sobre o consumo que representa 70% do PIB do país. Isso afeta o crescimento econômico, a arrecadação e eleva o déficit fiscal.

Parecem esgotados os instrumentos monetários para tirar o país da crise. A forte injeção de dólares feita pelo Fed (banco central americano) e os juros negativos não conseguiram estimular o consumo. É incerto se terminará em junho a escalada da injeção de US$ 600 bilhões. Essa elevação da liquidez já dá sinais de problemas com a inflação, que começam a aparecer no front de preocupações do Fed. E nada mais potente para retirar o poder aquisitivo do americano do que a inflação.

A forma que seria possível para romper com esse agravamento é a ampliação das exportações e contenção das importações, para gerar empregos suficientes para tirar da letargia o mercado interno. Mas não é isso que vem ocorrendo no nível necessário, pois a disputa no mercado internacional cresceu fortemente como consequência da crise de 2008.

Face a esse quadro, o melhor para o Brasil é apostar as fichas da saúde econômica e financeira naquilo em que somos bons: alto potencial de mercado interno inexplorado. Assim, é bom repensar as políticas do pé no freio, que podem fragilizar o País aos trancos que poderão vir de fora.

Palocci pede demissão da Casa Civil; Gleisi Hoffmann assume

São Paulo – O ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, solicitou no início da noite desta terça-feira (7) seu afastamento do governo após polêmica envolvendo sua evolução patrimonial. Em reunião com a presidente Dilma Rousseff e ministros, nesta terça-feira (7), ficou decidido pela mudança no posto, mesmo depois de a Procuradoria Geral da República ter arquivado as representações contra Palocci.

O nome da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) foi confirmado logo depois como substituta para o cargo. Esposa do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, ela passa a ser a décima ministra de Dilma, em um total de 37. Procurada pela Rede Brasil Atual, a senadora não foi localizada.

Palocci teve seu patrimôno aumentado em 20 vezes nos últimos quatro anos. Ele manteve, durante seu mandato de deputado federal, a Consultoria Projeto, prestando serviços para grandes empresas. A oposição sustenta que a prática levanta suspeitas de tráfico de influência, por ter alterado a função social da empresa apenas um mês antes de assumir o posto do governo.

Em nota divulgada pela Casa Civil, o ministro volta a reafirmar sua inocência e a legalidade das ações de sua empresa. "Entretanto, a continuidade do embate político poderia prejudicar suas atribuições no governo", explica a nota.

Apesar das explicações em reiteradas notas e em entrevistas à TV e a um jornal na última sexta-feira (3), sua situação política não se sustentou. Palocci até conseguiu ver revertido um requerimento de convocação na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados – a partir de um acordo costurado pelo presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS) –, mas aceitou a decisão de Dilma para que ele deixasse o cargo.

Palocci foi um dos três principais coordenadores da campanha eleitoral de Dilma à presidência em 2010. Ao lado de José Eduardo Cardozo (atualmente ministro da Justiça) e de José Eduardo Dutra (ex-presidente nacional do PT, afastado por motivos de saúde), ele formava o que a então candidata chamou de seus "três porquinhos". Por seu papel durante o processo, fez parte da equipe de transição de governo. Sua saída é a primeira troca no primeiro escalão da gestão.

Em 2006, então no Ministério da Fazenda, Palocci afastou-se do cargo no último ano da primeira gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A saída na ocasião teve como estopim o escândalo da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa.


Confira a nota de Palocci sobre o pedido de demissão:
O ministro Antonio Palocci entregou, nesta tarde, carta à presidenta Dilma Rousseff solicitando o seu afastamento do governo.

O ministro considera que a robusta manifestação do Procurador Geral da República confirma a legalidade e a retidão de suas atividades profissionais no período recente, bem como a inexistência de qualquer fundamento, ainda que mínimo, nas alegações apresentadas sobre sua conduta.

Considera, entretanto, que a continuidade do embate político poderia prejudicar suas atribuições no governo. Diante disso, preferiu solicitar seu afastamento.