quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O papel genocida da Otan

O texto que publico hoje constitui a terceira e quarta partes das Reflexões de Fidel sobre a agressão à Líbia pelos Estados Unidos e as forças da Otan. FIDEL CASTRO No dia 23 de fevereiro, sob o título "Dança macabra de cinismo" expus: "A política de pilhagem imposta pelos Estados Unidos e seus aliados da Otan no Oriente Médio entrou em crise." "Graças à traição de Mubarak em Camp David o Estado árabe palestino não conseguiu existir, apesar dos acordos da ONU de novembro de 1947, e Israel se tornou uma forte potência nuclear aliada aos Estados Unidos e à Otan. "O Complexo Militar Industrial dos Estados Unidos forneceu dezenas de milhares de milhões de dólares a cada ano a Israel e aos próprios estados árabes por ele submetidos e humilhados. "O gênio saiu da lamparina e a Otan não sabe como controlá-lo. "Vão tentar tirar o máximo proveito dos lamentáveis acontecimentos na Líbia. Ninguém seria capaz de saber neste momento o que ali está ocorrendo. Todas as cifras e versões, até as mais inverosímeis, têm sido divulgadas pelo império através da mídia, plantando o caos e a desinformação. "Resulta evidente que dentro da Líbia se desenvolve uma guerra civil. Por que e como ela se desatou? Quem pagará as consequências? A agência Reuters, fazendo eco do critério de um conhecido banco do Japão, o Nomura, expressou que o preço do petróleo poderia ultrapassar qualquer limite: "... Quais seriam as conseqüências no meio da crise alimentar? "As principais lideranças da Otan estão exaltadas. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, informou a ANSA, ‘…admitiu em um discurso no Kuwait que os países ocidentais se enganaram ao apoiar governos não democráticos no mundo árabe.’" "Seu colega francês Nicolás Sarkozy declarou: ‘A prolongada repressão brutal e sangrenta da população civil líbia é nojenta’". "O chanceler italiano Franco Frattini declarou ‘crível’ a cifra de mil mortos em Trípoli […] ‘a cifra trágica será um banho de sangue’." "Hillary Clinton declarou: "…o ‘banho de sangue’ é ‘completamente inaceitável’ e ‘tem que parar’…" Ban Ki-moon falou: "‘É absolutamente inaceitável o uso da violência que existe no país’." "…‘o Conselho de Segurança agirá de acordo com o que decida a comunidade internacional’." "‘Estamos considerando uma série de opções’." "O que Ban Ki-moon espera realmente é que Obama diga a última palavra. "O Presidente dos Estados Unidos falou nesta quarta-feira à tarde e expressou que a Secretária de Estado viajaria à Europa visando combinar com seus aliados da Otan as medidas a serem tomadas. Em sua face se constatava a oportunidade de lidar com o senador da extrema-direita dos republicanos, John McCain; o senador pró-israelita de Connecticut, Joseph Lieberman e os líderes do Tea Party, para garantir sua candidatura pelo partido democrata. "A mídia do império tem preparado o terreno para agir. Nada teria de estranho a intervenção militar na Líbia, com o qual, também, garantiria à Europa os quase dois milhões de barris diários de petróleo ligeiro, se antes não ocorrerem acontecimentos que ponham fim à chefia ou à vida de Kadafi. "De qualquer forma, o papel de Obama é bastante complicado. Qual será a reação do mundo árabe e muçulmano se o sangue nesse país for derramado em abundância com essa aventura? Uma intervenção da Otan na Líbia conseguirá parar a onda revolucionária desatada no Egito? "No Iraque foi derramado o sangue inocente de mais de um milhão de cidadãos árabes, quando o país foi invadido com falsos pretextos. "Ninguém no mundo estará de acordo com a morte de civis indefesos na Líbia ou qualquer outra parte. E me pergunto: aplicarão os Estados Unidos e a Otan esse princípio aos civis indefesos que os aviões sem piloto ianques e os soldados dessa organização matam todos os dias no Afeganistão e no Paquistão? "É uma dança macabra de cinismo." Enquanto meditava sobre estes fatos, nas Nações Unidas se abriu o debate previsto para ontem, terça-feira, 25 de outubro, em torno da "Necessidade de pôr fim ao bloqueio comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba", algo que vem sendo exposto pela imensa maioria dos países membros dessa instituição, ao longo de 20 anos. Desta vez os inúmeros raciocínios elementares e justos — que para os governos dos Estados Unidos eram senão meros exercícios retóricos — tornaram evidente, como nunca antes, a fraqueza política e moral do império mais poderoso que jamais existiu, a cujos interesses oligárquicos e insaciável sede de poder e riquezas têm sido submetidos todos os habitantes do planeta, incluído o próprio povo desse país. Os Estados Unidos tiranizam e saqueiam o mundo globalizado com seu poderio político, econômico, tecnológico e militar. Essa verdade torna-se cada vez mais óbvia após os debates honestos e valentes que tiveram lugar nos últimos 20 anos nas Nações Unidas, com o apoio dos estados que supostamente expressam a vontade da imensa maioria dos habitantes do planeta. Antes da intervenção de Bruno, numerosas organizações de vários países expressaram seus pontos de vista através de um de seus membros. O primeiro deles foi a Argentina, em nome do Grupo dos 77 mais a China; a seguir o Egito, em nome dos NOAL; Quênia, em nome da União Africana; Belize, em nome da CARICOM; Cazaquistão, em nome da Organização da Cooperação Islâmica; e o Uruguai, em nome do MERCOSUL. Independentemente destas expressões de caráter coletivo, a China, país de crescente peso político e econômico no mundo, a Índia e a Indonésia apoiaram firmemente a resolução através de seus embaixadores; entre os três representam 2,7 bilhões de habitantes. Também o fizeram os embaixadores da Federação Russa, Bielorrúsia, África do Sul, Argélia, Venezuela e o México. Dentre os países mais pobres do Caribe e da América Latina, vibraram as palavras solidárias da embaixadora de Belize, que falou em nome da comunidade do Caribe, do representante de São Vicente e as Granadinas que o fez em nome do seu país e o da Bolívia, cujos argumentos relacionados com a solidariedade de nosso povo, apesar de um bloqueio que dura já 50 anos, será um estímulo imperecedouro para nossos médicos, educadores e cientistas. A Nicarágua falou antes da votação, para explicar com valentia por que votaria contra aquela pérfida medida. Anteriormente também o tinha feito o representante dos Estados Unidos para explicar o inexplicável. Senti pena por ele. É o papel que lhe deram. Quando chegou a hora da votação, dois países se ausentaram: Líbia e Suécia; três se abstiveram: Ilhas Marshall, Micronésia e Palau; dois votaram contra: Estados Unidos e Israel. Somados todos os que votaram contra, se abstiveram, ou se ausentaram: Os Estados Unidos, com 313 milhões de habitantes; Israel, com 7,4 milhões; Suécia, com 9,1 milhões; Líbia, com 6,5 milhões; Ilhas Marshall, com 67,1 mil; Micronésia, 106,8 mil; Palau, com 20,9 mil, somam 336 milhões 948 mil, equivalente a 4.8% da população mundial, que neste mês já atinge os 7 bilhões. Depois da votação, para explicar seus votos, falou a Polônia em nome da União Européia que, apesar de sua estreita aliança com os Estados Unidos e sua obrigada participação no bloqueio, é contrária a essa medida criminosa. Depois, 17 países fizeram uso da palavra, para explicar com firmeza e decisão por que votaram a resolução contra o bloqueio. 26 de outubro de 2011 No dia dois de março, sob o título "A guerra inevitável da Otan" escrevi: "Diferentemente do que acontece no Egito e Tunísia, a Líbia ocupa o primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento Humano da África e tem a mais alta esperança de vida do Continente. A educação e a saúde recebem especial atenção do Estado. O nível cultural de sua população é muito alto, sem dúvidas. Seus problemas são de outro caráter. [...] O país requeria abundante força de trabalho estrangeira para levar a cabo ambiciosos planos de produção e desenvolvimento social." "Dispunha de enormes receitas e reservas em divisas convertíveis depositadas nos bancos dos países ricos, com as quais adquiriam bens de consumo e inclusive, armas sofisticadas que precisamente lhe forneciam os mesmos países que hoje querem invadi-la em nome dos direitos humanos. "A colossal campanha de mentiras, desatada pelos meios maciços de informação, originou uma grande confusão na opinião pública mundial. Passará tempo antes que possa ser reconstruído o que realmente tem acontecido na Líbia, e separar os fatos reais dos falsos que foram divulgados." "O império e seus principais aliados empregaram os meios mais sofisticados para divulgar informações deformadas sobre os acontecimentos, entre as quais era preciso inferir os vestígios da verdade." "O imperialismo e a Otan % seriamente preocupados pela onda revolucionária desatada no mundo árabe, onde é gerada grande parte do petróleo que sustenta a economia de consumo dos países desenvolvidos e ricos % não podiam deixar de aproveitar o conflito interno surgido na Líbia para promover a intervenção militar." "Apesar do dilúvio de mentiras e da confusão criada, os Estados Unidos não conseguiram arrastar a China e a Federação Russa à aprovação pelo Conselho de Segurança de uma intervenção militar na Líbia, embora conseguisse obter em câmbio, no Conselho de Direitos Humanos, a aprovação dos objetivos que procurava nesse momento." "O fato real é que a Líbia já está envolvida numa guerra civil, como tínhamos previsto, e nada puderam fazer as Nações Unidas para evitá-lo, salvo que seu próprio secretário-geral espalhasse uma boa dose de combustível no fogo. "O problema que talvez não imaginavam os atores é que os próprios líderes da rebelião irrompessem no complicado tema declarando que rejeitavam toda intervenção militar estrangeira." Um dos cabeças da rebelião, Abdelhafiz Ghoga, no dia 28 de fevereiro, num encontro com os jornalistas, declarou: "O que queremos são informações de inteligência, mas em caso nenhum que seja afetada nossa soberania aérea, terrestre ou marítima." "A intransigência dos responsáveis da oposição sobre a soberania nacional refletia a opinião manifestada de forma espontânea por muitos cidadãos líbios à imprensa internacional em Bengasi", informou um despacho da agência AFP na passada segunda-feira. "Nesse mesmo dia, uma professora de Ciências Políticas da Universidade de Bengasi, Abeir Imneina, — adversária de Kadafi — declarou: "Existe um sentimento nacional muito forte na Líbia." "‘Além disso, o exemplo do Iraque mete medo no conjunto do mundo árabe’, sublinhou, em referência à invasão norte-americana de 2003 que devia levar a democracia a esse país e depois, por contágio, ao conjunto da região, uma hipótese totalmente desmentida pelos fatos." "‘Sabemos o que se passou no Iraque; é que se encontra em plena instabilidade, e verdadeiramente não desejamos seguir o mesmo caminho. Não queremos que os norte-americanos venham para ter que terminar lamentando a Kadafi’, continuou esta perita." A poucas horas de ser publicada esta notícia, dois dos principais órgãos de imprensa dos Estados Unidos, ‘The New York Times’ e ‘The Washington Post’, apressaram-se em oferecer novas versões sobre o tema, do qual informa a agência DPA no dia seguinte, 1º de março: ‘A oposição líbia poderia solicitar que o Ocidente bombardeie desde o ar posições estratégicas das forças fiéis ao presidente Muamar Al Kadafi, informa hoje a imprensa norte-americana’." "O tema está sendo discutido dentro do Conselho Revolucionário líbio, precisam o ‘The New York Times’ e o ‘The Washington Post’ em suas versões on-line." "No caso de que as ações aéreas sejam feitas ao abrigo das Nações Unidas, elas não implicariam uma intervenção internacional, explicou o porta-voz do conselho, citado pelo ‘The New York Times’." "‘The Washington Post’ citou rebeldes reconhecendo que, sem o apoio de Ocidente, os combates com as forças leais a Kadafi poderiam durar muito e custar grande quantidade de vidas humanas." Imediatamente me perguntei nessa Reflexão: "Por que o empenho em apresentar os rebeldes como membros proeminentes da sociedade reclamando bombardeios dos Estados Unidos e da Otan para matar líbios?" Algum dia será conhecida a verdade, através de pessoas como a professora de Ciências Políticas da Universidade de Bengasi, que com tanta eloquência narra a terrível experiência que matou, destruiu os lares, deixou sem emprego ou fez emigrar milhões de pessoas no Iraque. Hoje, quarta-feira, 2 de março, a Agência EFE apresenta o conhecido porta-voz rebelde fazendo declarações que, a meu ver, afirmam e ao mesmo tempo contradizem as da segunda-feira: ‘Bengasi (Líbia), 2 de março. A direção rebelde líbia pediu hoje ao Conselho de Segurança da ONU que lance um ataque aéreo ‘contra os mercenários’ do regime de Muamar Kadafi." "A qual das muitas guerras imperialistas se pareceria esta? "A da Espanha em 1936, a de Mussolini contra a Etiópia em 1935, a de George W. Bush contra o Iraque no ano 2003 ou a qualquer uma das dezenas de guerras promovidas pelos Estados Unidos contra os povos da América, desde a invasão do México em 1846, até a das Malvinas em 1982? "Sem excluir, é claro, a invasão mercenária de Girón, a guerra suja e o bloqueio a nossa Pátria ao longo de 50 anos, que se cumprirão no próximo 16 de abril. "Em todas essas guerras, como a do Vietnã que custou milhões de vidas, imperaram as justificações e as medidas mais cínicas. "Para os que alberguem alguma dúvida sobre a inevitável intervenção militar que se produzirá na Líbia, a agência de notícias AP, a qual considero bem informada, encabeçou uma notícia publicada hoje, em que se afirma: ‘Os países da Organização do Tratado do Atlântico (Otan) elaboram um plano de contingência tomando como modelo as zonas de exclusão de voos estabelecidas sobre os Balcãs na década de 1990, no caso de que a comunidade internacional decida impor um embargo aéreo sobre a Líbia, disseram diplomatas’". Qualquer Pessoa honesta capaz de observar com objetividade os acontecimentos, pode avaliar a periculosidade do conjunto de fatos cínicos e brutais que caracterizam a política dos Estados Unidos, e explicam a vergonhosa solidão desse país no debate das Nações Unidas sobre a "Necessidade de pôr fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro contra Cuba". A pesar do trabalho, acompanho de perto os Jogos Pan-Americanos Guadalajara 2011. Nosso país orgulha-se desses jovens que são exemplos para o mundo por seu desinteresse e espírito de solidariedade. Congratulo-os afetuosamente, já ninguém poderá lhes arrebatar o lugar de honra que ganharam. Fidel Castro Ruz 28 de outubro de 2011