quinta-feira, 5 de maio de 2016

Fernando Siqueira: “diretoria da Petrobrás sabota a companhia”

Fernando Siqueira: “diretoria da Petrobrás sabota a companhia”
O que publicamos nesta página é o voto de Fernando Siqueira, em nome da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), na assembleia de acionistas da nossa maior empresa, que apreciou o balanço de 2015, realizada no último dia 28.
O texto tem o grande mérito de ser claro – verdadeiramente didático. Siqueira, vice-presidente da AEPET, demonstra que a diretoria que Dilma nomeou para a Petrobrás - após o fracasso melancólico, e inédito na história da empresa, da inepta Graça Foster, cuja única credencial era sua intimidade com a ocupante do Alvorada - simplesmente “avermelhou” o balanço da empresa, ou seja, fabricou um prejuízo inexistente.
Não é qualquer prejuízo: trata-se de um rombo de R$ 34,84 bilhões, obtido pelo expediente de desvalorizar as reservas de petróleo da empresa, calculando seu valor pelo amesquinhado preço do barril de petróleo, imposto pela especulação dos monopólios petro-financeiros dos EUA e outros países.
Evidentemente, isso nada tem a ver com a realidade. Reservas não são barris de petróleo já extraídos – e não podem ser precificadas pelo valor de um determinado momento, pois, simplesmente, seu conteúdo somente será extraído no futuro, quando o preço do barril já não será o mesmo de hoje. E, também é evidente, o preço do barril de petróleo não continuará nos atuais níveis.
Fernando Siqueira observa que nem a Shell, que não tem nenhum pré-sal como reserva – exceto aquela parte que Dilma entregou, no campo de Libra – e que em 2015 teve um desempenho desastroso no “óleo de xisto”, fez uma desvalorização tão grande quanto àquela da diretoria da Petrobrás.
A questão é: por que essa diretoria que Dilma transplantou para a Petrobrás fez esse atentado contra o país?
Rigorosamente, porque a política do atual governo é privatizar a Petrobrás. Daí a liquidação de ativos que, desde a época da senhora Foster, foi apelidada de “desinvestimento”. A historieta de que o sr. Vendine & cia. estão entregando ativos a preço vil para, depois, investir, é uma fraude. O que eles estão fazendo é reduzir o tamanho da empresa, reduzir os seus investimentos e reduzir a sua capacidade técnica – ao implementar um plano de demissões que elimina justamente aqueles funcionários que têm cristalizada, em sua competência, a capacidade alcançada pela empresa.
Só existe um motivo para reduzir o tamanho da Petrobrás: deixar campo aberto para as multinacionais petroleiras. É esse, também, o significado do apoio do governo do PT ao projeto de Serra, que retira da Petrobrás a condição de operadora única do pré-sal.
Com certeza, eles não têm condições políticas de privatizar inteiramente a Petrobrás. Portanto, privatizam por partes o Grupo Petrobrás – gasodutos, distribuidora, etc. Com isso, diminuem as possibilidades de investimento da empresa.
É nauseante – para usar uma palavra suave – que Dilma e o PT atribuam à Operação Lava Jato as dificuldades da Petrobrás, que são inteiramente causadas pela política privatizante do governo, incluída nela o roubo contra a companhia, estimado, pela perícia da PF, em R$ 42 bilhões de sobrepreços e superfaturamento – onde estão embutidas as propinas que bancavam partidos e políticos governistas.
Pelo contrário, o que a Lava Jato fez até agora foi devolver à Petrobrás uma parte do dinheiro roubado – uma parte mínima, é verdade, cerca de R$ 2,9 bilhões (nas ações até agora ajuizadas, pede-se o ressarcimento de R$ 21,8 bilhões). Mas a Lava Jato não acabou. Dizem alguns que mal começou...
Abaixo, o leitor, através da descrição de Fernando Siqueira, poderá ver como a atual diretoria – a rigor, o atual governo – sabota a Petrobrás.
C.L.
FERNANDO SIQUEIRA
 Senhor presidente
 A AEPET, como acionista minoritária, não aprova as Demonstrações Contábeis de 2015 pelos seguintes motivos, entre outros: a Diretoria da Petrobrás realizou uma baixa contábil difícil de entender, pois o lucro bruto da Companhia foi de R$ 98,5 bilhões; o EBITDA foi de R$ 74 bilhões e o Lucro Líquido, R$ 15 bilhões. Pois bem, com essa baixa contábil, de R$ 49,75 bilhões, a Diretoria conseguiu gerar um rombo “virtual” na empresa de R$ 34,84 bilhões, o maior da sua história! Nem o famigerado Mercado entendeu. O mais grave é que se deu a munição que os entreguistas (da grande mídia e do Congresso Nacional) precisavam para justificar a retirada da Petrobrás de operadora única e disponibilizar o pré-sal para o cartel internacional do petróleo.
Em recente palestra que fizemos em audiência publica na Câmara dos Deputados, o argumento dos entreguistas era recorrente: “A Petrobrás está quebrada. Como uma empresa com um rombo de R$ 34,84 bilhões por ano pode desenvolver o pré-sal?” É importante lembrar que a maior petroleira do mundo, a Exxon, não fez baixa contábil por considerar que este preço atual do petróleo é temporário. Resulta de manobra dos EUA e Arábia Saudita de enfraquecer a Rússia e os BRICS – como fizeram com a União Soviética na década de 90.
Olhando a curva de variação dos preços do petróleo, desde a década de 1940, vemos que a tendência é de subida e não de queda desses preços. A baixa contábil da Petrobrás foi maior em mais de 50% do que a da segunda colocada, a Shell, que teve perdas significativas e reais com o fracasso do seu petróleo não convencional.
A Petrobrás já descobriu mais de 60 bilhões de barris no pré-sal, dos quais ela detém mais de 40 bilhões, que somados à reserva do pós-sal superam 50 bilhões de barris. Além disto, se o fator de recuperação atingir o conseguido na Bacia de Campos, essa reserva duplica. Então, como explicar a redução das reservas para 13,2 bilhões?
O mais grave dessa baixa é o fato de que: se a Petrobrás não pagar dividendos aos acionistas, por três anos consecutivos, as ações preferenciais dela passam a ter direito a voto, ou seja, a gestão da Petrobrás passa para o controle da iniciativa privada até se reverter este quadro. Lembremos que a maioria desses acionistas preferenciais são estrangeiros, possíveis sócios das concorrentes da Petrobrás. É um risco muito alto para o País.
Além disto, essa baixa tende a esconder os graves prejuízos da venda de ativos a preços irrisórios. Seria esta a estratégia? A quem interessa essa baixa contábil, inclusive tendo sido feita outra, maior ainda, em fevereiro de 2015? Seria uma nova manobra para facilitar a privatização/desnacionalização?
Os Acionistas brasileiros exigem uma explicação fundamentada, pois além de deixarem de receber dividendos, vêem com preocupação cerca de 80.000 empregados sérios, honestos e competentes deixarem de ser premiados com a merecida participação nos lucros, que proporcionaram à Companhia, além de terem-na levado ao prêmio máximo da indústria do petróleo pela terceira vez.
A baixa geológica dos campos de petróleo, como Papa Terra, foi amplamente compensada pela elevação de expectativa de outros campos, como por exemplo, os campos da cessão onerosa, para os quais era prevista uma reserva de 5 bilhões de barris equivalentes. Hoje esse volume recuperável pode chegar a 20 bilhões de barris, sendo que o excedente já está contratado com a Petrobrás sob contrato de partilha de produção. Também os campos de Lula, Sapinhoá e Jubarte tiveram suas expectativas iniciais grandemente elevadas. 
As normas contábeis internacionais do setor petróleo, nos parágrafos 120 a 124 do SFAS 19 (Statement of Financial Accountig Standard) dizem textualmente: “O valor contábil das reservas não poderá ser reajustado pela mudança de preços, somente pela mudança na estimativa da quantidade de óleo e gás das reservas.” Portanto, o valor contábil dos campos citados e vários outros pode ser reajustado para cima em função das reservas do pré-sal virem se mostrando muito superiores às estimativas iniciais.
Diz o Engenheiro de Reservatórios Paulo Cesar Ribeiro Lima, ex-Petrobrás e hoje competente Assessor Legislativo do Congresso Nacional, em seu excelente trabalho “Ativos, Resultados Financeiros e Balanço da Petrobrás de 2015”:
“Caso não houvesse o impairment o lucro de 2015 seria de cerca de R$ 15 bilhões. A realidade: a Petrobrás apresenta uma excelente situação econômica e operacional com futuro altamente promissor devido aos altos volumes recuperáveis do pré-sal e ao grande parque de refino. O impairmentmascarou essa realidade.
“Apesar de apresentar o maior crescimento da produção entre as grandes petroleiras mundiais, de ter realizado as maiores descobertas, com o menor custo de extração; mesmo tendo em 2015 os preços dos derivados acima do mercado internacional, a Petrobrás foi a que apresentou, em 2015, o maior prejuízo contábil entre as grandes companhias de Petróleo.
“Uma empresa que gera um lucro bruto de R$ 98,5 bilhões, tem um portfólio de produção superior a 50 bilhões de barris, extraordinária infraestrutura de refino, fertilizantes, gás, energia terminais e dutos, é o maior e mais rentável patrimônio do País. Não pode ter sua imagem fragilizada por uma manobra contábil tão estranha, que derruba a imagem da empresa perante a sociedade”.
Portanto, senhor presidente, a acionista minoritáriaAssociação dos Engenheiros da Petrobrás, propõe uma drástica revisão na baixa contábil efetivada.
VENDA DE ATIVOS
A venda de ativos neste momento em que eles estão desvalorizados é um fato inaceitável. Ativos estratégicos como a distribuidora (que leva combustíveis aos confins do Brasil onde as outras nem cogitam), a Gaspetro e campos do pré-sal são invendáveis, até porque eles geram grande fluxo de caixa para a Petrobrás.
A AEPET já enviou sugestões de várias alternativas a essa venda de ativos, em carta a V.Sa. entre elas: tomada de um empréstimo ao Banco de Desenvolvimento dos Brics (a India e a China são grandes importadores, tendo grande interesse nisto) no valor de US$ 30 bilhões; empréstimo junto ao Banco de Desenvolvimento da China, US$ 20 bilhões; cobrança do Governo dos US$ 20 bilhões pelas perdas que causou obrigando a Petrobrás a importar derivados e vender no mercado nacional por preços inferiores inclusive, às distribuidoras suas concorrentes. Tais iniciativas totalizariam US$ 70 bilhões, um valor que representa 70% da dívida líquida da Petrobrás, podendo ser usados US$ 20 bilhões para quitar a dívida de curto prazo e US$ 50 bilhões para os investimentos de alto retorno, como os campos do pré-sal. Daria também para concluir as obras da Renest e do Comperj, que já têm instalações com 85% concluídos. Parar obras gera prejuízos da ordem de 50% a 100% dos projetos. E nosso parque de refino precisa ser ampliado urgentemente para atender à demanda do País.
Outro ponto inaceitável é a venda de campos maduros do Nordeste e Norte do Espírito Santo. Esses campos são verdadeiros laboratórios para se desenvolver a tecnologia de recuperação secundária, a ser usada no pré-sal, além da sua alta importância social como geradores de empregos e desenvolvimento nessas regiões. Qual seria o retorno financeiro dessas vendas? Qual o impacto na redução da dívida da Companhia?
A AEPET propõe a suspensão das vendas de ativos.
 REESTRUTURAÇÃO
A reestruturação da Companhia está requerendo mais visão estratégica e menos financista. Um ponto importante é ter uma política de Recursos Humanos que volte a fazer com que os empregados sintam orgulho de trabalhar para a Companhia, como se tivessem trabalhando pelo engrandecimento do Brasil. Era assim que os empregados se sentiam no passado. Até desmontarem a política de RH.
Outro ponto fundamental: é preciso acabar com o EPCismo, contrato  por pacote, em que uma obra é comandada em sua totalidade por uma empreiteira, que executa os projetos e fornece os materiais. Sem qualquer compromisso com segurança e operacionalidade das instalações. Esta modalidade, criada em 1995, sistematizou a corrupção e facilitou os pacoteiros a subcontratarem os seus concorrentes e “combinar” o preço das obras dos empreendimentos.
Outra preocupação é o exagero na redução de chefias. Sabemos que o ex-presidente Reichstul, visando obter o apoio dos gerentes para desnacionalizar a Companhia, mais que dobrou o valor da gratificação de chefia (a RG passou de R$ 12.000 para R$ 25.000, na época) e aumentou muito o número de cargos de gerentes e de consultores técnicos. Foi o início da “flexibilização” da consciência de alguns gerentes. Um gerente que ganhava R$ 25.000 por mês passava para R$ 6.000, se perdesse o cargo, ou seja, perdia ¾ do salário. Alguns desses gerentes passaram a trabalhar muito mais para o seu chefe imediato do que para a Petrobrás, que ficou com sua defesa altamente fragilizada. Daí a serem cooptados por certas empreiteiras e políticos foi um pequeno passo.
A Diretoria de Gás e Energia, na Gestão Graça Foster, também ampliou o quadro de gerentes, de forma excessiva. Portanto, é louvável um processo de redução de chefias, mas não se pode ser radical nessa redução a ponto de comprometer a governança da Companhia.
No caso da Diretoria Financeira, por exemplo, foram reunidas as duas maiores áreas: Contabilidade e Tributária - que já eram grandes - numa única e passaram a formar uma megaestrutura, com quase 1300 empregados. Assim, 60% da Diretoria Financeira ficaram sob as ordens de uma única gerência executiva. Praticamente impossível de serem gerenciadas adequadamente, pois se criam gargalos, os procedimentos ficam centralizados, burocratizados e tornados muito mais lentos. Hoje, as grandes organizações prestigiam a área tributária diante da sua importância financeira para cada companhia.
Outro ponto importante, a reestruturação em andamento na companhia tem tido foco no curto prazo, em detrimento de seu planejamento estratégico. Deslocar, por exemplo, a Engenharia Básica de seu Centro de Pesquisas e Desenvolvimento, o Cenpes, para a área de empreendimentos, tirando o foco na inovação, no desenvolvimento, na otimização e na integração com a pesquisa e os órgãos operacionais é um desastre. Essa experiência já foi testada no passado e mostrou-se totalmente inadequada. Foi corrigida rapidamente. Para que insistir no erro? É importante lembrar ainda que os empreendimentos estão, hoje, sendo reduzidos drasticamente, em função dos cortes nos investimentos.
Foi com a forma atual que a Petrobrás conseguiu por três vezes o prêmio máximo da indústria do petróleo, levando ao mundo a competência dos brasileiros e gerando emprego e tecnologia para as empresas do País. O Cenpes, com os programas PROCAP – 1000, 2000 e 3000 antecipou-se às necessidades da Companhia para desenvolver tecnologia necessária à Exploração e Produção em águas profundas, na vanguarda de todas as petroleiras do mundo. Para que mexer num time que está ganhando de goleada? Qual a perspectiva dessa mudança?
O recente PIDV (Plano de Incentivo à Demissão Voluntária) proposto pela atual Direção é uma temeridade pela proposta de afastamento de até 12.000 empregados, não só os aposentáveis como no PIDV anterior, mas também os com qualquer tempo de Companhia. Qual o objetivo de tal Plano que, pela sua amplitude, pode desfalcar a Companhia de valores profissionais vitais à sua sobrevivência e crescimento? Podem sair técnicos com alto conhecimento e/ou também alocados em funções estratégicas e difíceis de substituir em curto prazo. Qual a perda de tecnologia e dos investimentos em treinamento desse pessoal?
A AEPET propõe uma profunda revisão no processo de reestruturação.