quinta-feira, 20 de maio de 2010

"Os Doze Obás de Xangô"

Assim como o vento que sopra e ninguém vê, o tempo passa transformando tudo, às vezes sem ninguém notar...

O que fica é o que o vento traz e o tempo nos deixa impressos a sabedoria e o conhecimento vindos de
outras épocas, como que trazidos pelo vento...

Foi assim que cheguei nestas terras: trazida pelo vento. Venho de outra época para deixar aqui
um relato de minha missão. Vim predestinada: descendente de africanos, nascida
em Salvador, escolhida pelos orixás. Chamo-me Eugênia Anna Santos - Mãe Aninha.

Vou contar a todos minha história, que começa muito antes de meu nascimento...

Há muitas gerações passadas, em tempos incontáveis, havia uma terra chamada Oyó. Lá havia um rei.
Xangô era rei de Oyó. O mais temido e respeitado de todos os reis. Mesmo assim,
um dia, seu reino foi atacado por um grande número de guerreiros que invadiram
sua cidade violentamente, destruindo tudo, matando soldados e moradores numa
tremenda fúria assassina. Xangô reagiu e lutou bravamente durante semanas.

Um dia, porém, percebeu que a guerra tornara-se um caminho sem volta. Já havia perdido muitos
soldados e a única saída seria entregar sua coroa aos inimigos. Resolveu então
procurar por Orunmilá e pedir-lhe um conselho para evitar a derrota quase certa.
O adivinho mandou que ele subisse uma pedreira e lá aguardasse, pois receberia
do céu a iluminação do que deveria ser feito. Xangô subiu e, quando estava no
ponto mais alto do terreno, foi tomado de extrema fúria. Pegando seu Oxê,
machado de duas lâminas, começou a quebrar as pedras com grande violência.
Estas, ao serem quebradas, lançavam raios tão fortes que em instantes
transformaram-se em enormes línguas de fogo que, espalhando-se pela cidade,
mataram uma grande quantidade de guerreiros inimigos. Os que restaram,
apavorados, procuraram os soldados de Xangô e renderam-se imediatamente pedindo
clemência.

Levados à presença do rei, os presos elegeram um emissário para servir-lhes de porta-voz. O homem
escolhido foi logo se atirando aos pés de Xangô. Reclinando-se, pediu perdão.
Humilhando-se, explicou que lutavam, não por vontade própria e sim forçados por
um monarca, vizinho de Oyó, que tinha um grande ódio de Xangô e os martirizava
impiedosamente. Xangô, altamente perspicaz, enxergou nos olhos do guerreiro que
ele falava a verdade e perdoou a todos, aceitando-os como súditos de seu reino.
Foi assim que ele ficou conhecido como o orixá justiceiro, aquele que perdoa
quando defrontado com a verdade, mas que queima com seus raios os mentirosos e
delinqüentes.

Após o desaparecimento do lendário rei Xangô e sua transformação em orixá, seus
sacerdotes se reuniram a fim de perpetuar sua memória. Esses ministros, antigos
reis, príncipes ou governantes de territórios conquistados pela bravura de
Xangô, não quiseram deixar extinguir a lembrança do heroi na memória das
gerações futuras.

Formou-se, assim, um conselho encarregado de manter vivo o culto ao rei de Oyó, organizado com os
doze ministros que o tinham acompanhado em terra: seis ao lado direito e seis ao
lado esquerdo.

Seis para condenar e seis para absolver.
Esta história eu
ouvi desde muito cedo, assim como outras, como, por exemplo, a chegada de meus
antepassados aqui no Brasil...

Em suas mãos, sob suas unhas, restava, ainda, um pouco da terra da Mãe África; em seu peito a dor,
a solidão, o medo e a incerteza. Em seu olhar o vazio. Atravessando o mar
tenebroso rumo ao desconhecido, enfrentando tormentas sob condições desumanas.

Para muitos a vida, longe da terra mãe, já não valia a pena. Os que aqui desembarcaram vieram sob o acalento da mãe do mar. Trouxeram em sua alma a
saudade e junto com a saudade um tesouro que ninguém poderia tirar: sua cultura.
Graças aos orixás encontraram forças para suportar tamanha injustiça.