sábado, 30 de outubro de 2010

NAÇÃO JEJE NAÇÃO JEJE

Origem da palavra JEJE

A palavra JEJE vem do yorubá adjeje que significa estrangeiro, forasteiro. Portanto, não existe e nunca existiu nenhuma nação Jeje, em termos políticos. O que é chamado de nação Jeje é o candomblé formado pelos povos fons vindo da região de Dahomé e pelos povos mahins. Jeje era o nome dado de forma perjurativa pelos yorubás para as pessoas que habitavam o leste, porque os mahins eram uma tribo do lado leste e Saluvá ou Savalu eram povos do lado sul. O termo Saluvá ou Savalu, na verdade, vem de "Savê" que era o lugar onde se cultuava Nanã. Nanã, uma das origens das quais seria Bariba, uma antiga dinastia originária de um filho de Oduduá, que é o fundador de Savê (tendo neste caso a ver com os povos fons). O Abomei ficava no oeste, enquanto Axantis era a tribo do norte. Todas essas tribos eram de povos Jeje

· Origem da palavra DAHOMÉ

A palavra DAHOMÉ, tem dois significados: Um está relacionado com um certo Rei Ramilé que se transformava em serpente e morreu na terra de Dan. Daí ficou "Dan Imé" ou "Dahomé", ou seja, aquele que morreu na Terra da Serpente. Segundo as pesquisas, o trono desse rei era sustentado por serpentes de cobre cujas cabeças formavam os pés que iam até a terra. Esse seria um dos significados encontrados: Dan = “serpente sagrada” e Homé = “a terra de Dan”, ou seja, Dahomé = “a terra da serpente sagrada”. Acredita-se ainda que o culto à Dan é oriundo do antigo Egito. Ali começou o verdadeiro culto à serpente, onde os Faraós usavam seus anéis e coroas com figuras de cobra. Encontramos também Cleópatra com a figura da cobra confeccionada em platina, prata, ouro e muitos outros adornos femininos. Então, posso dizer que este culto veio descendo do Egito até Dahomé.

· Dialetos falados

Os povos Jejes se enumeravam em muitas tribos e idiomas, como: Axantis, Gans, Agonis, Popós, Crus, etc. Portanto, teríamos dezenas de idiomas para uma tribo só, ou seja, todas eram Jeje, o que foge evidentemente às leis da lingüística - muitas tribos falando diversos idiomas, dialetos e cultuando os mesmos Voduns. As diferenças vinham, por exemplo, dos Minas - Gans ou Agonis, Popós que falavam a língua das Tobosses, que a meu ver, existe uma grande confusão com essa língua.

· Os primeiros no Brasil

Os primeiros negros Jeje chegados ao Brasil entraram por São Luís do Maranhão e de São Luís desceram para Salvador, Bahia e de lá para Cachoeira de São Félix. Também ali, há uma grande concentração de povos Jeje. Além de São Luís (Maranhão), Salvador e Cachoeira de São Félix (Bahia), o Amazonas e bem mais tarde o Rio de Janeiro, foram lugares aonde encontram-se evidências desta cultura.

· Classificação dos Voduns

Muitos Voduns Jeje são originários de Ajudá. Porém, o culto desses voduns só cresceram no antigo Dahomé. Muitos desses Voduns não se fundiram com os orixás nagos e desapareceram totalmente. O culto da serpente Dãng-bi é um exemplo, pois ele nasceu em Ajudá, foi para o Dahomé, atravessou o Atlântico e foi até as Antilhas.

Quanto a classificação dos Voduns Jeje, por exemplo, no Jeje Mahin tem-se a classificação do povo da terra, ou os voduns Caviunos, que seriam os voduns Azanssu, Nanã e Becém. Temos, também, o vodun chamado Ayzain que vem da nata da terra. Este é um vodun que nasce em cima da terra. É o vodun protetor da Azan, onde Azan quer dizer "esteira", em Jeje. Achamos em outro dialeto Jeje, o dialeto Gans-Crus, também o termo Zenin ou Azeni ou Zani e ainda o Zoklé. Ainda sobre os voduns da terra encontramos Loko. Ele apesar de estar ligado também aos astros e a família de Heviosso, também está na família Caviuno, porque Loko é árvore sagrada; é a gameleira branca, que é uma árvore muito importante na nação Jeje. Seus filhos são chamados de Lokoses. Ague, Azaká é também um vodun Caviuno. A família Heviosso é encabeçada por Badë, Acorumbé, também filho de Sogbô, chamado de Runhó. Mawu-Lissá seria o orixá Oxalá dos yorubás. Sogbô também tem particularidade com o Orixá em Yorubá, Xangô, e ainda com o filho mais velho do Deus do trovão que seria Averekete, que é filho de Ague e irmão de Anaite. Anaite seria uma outra família que viria da família de Aziri, pois são as Aziris ou Tobosses que viriam a ser as Yabás dos Yorubás, achamos assim Aziritobosse. Estou falando do Jeje de um modo geral, não especificamente do Mahin, mas das famílias que englobam o Mahin e também outras famílias Jeje.

Como relatei, Jeje era um apelido dado pelos yorubás. Na verdade, esta família, ou seja, nós que pertencemos a esta nação deveríamos ser classificados de povo Ewe, que seria o mais certo. Ewe-Fon seria a nossa verdadeira denominação. Nós seríamos povos Ewe ou povos Fons. Então, se fôssemos pensar em alguma possibilidade de mudança, nós iríamos nos chamar, ao invés de nação Jeje, de nação Ewe-Fon. Somente assim estaríamos fazendo jus ao que é encontrado em solo africano. Jeje é então um apelido, mas assim ficamos para todas as nossas gerações classificados como povo Jeje, em respeito aos nossos antepassados.

Continuando com algumas nomenclaturas da palavra Ewe-Fon, por exemplo, a casa de candomblé da nação Jeje chama-se Kwe = "casa". A casa matricial em Cachoeira de São Félix chama-se Kwe Ceja Undé. Toda casa Jeje tem que ser situada afastada das ruas, dentro de florestas, onde exista espaço com árvores sagradas e rios. Depende das matas, das cachoeiras e depende de animais, porque o Jeje também tem a ver com os animais. Existem até cultos com os animais tais como, o leopardo, crocodilo, pantera, gavião e elefante que são identificados com os voduns. Então, este espaço sagrado, este grande sítio, esta grande fazenda onde fica o Kwe chama-se Runpame, que quer dizer "fazenda" na língua Ewe-Fon. Sendo assim, a casa chama-se Kwe e o local onde fica situado o candomblé, Runpame. No Maranhão predomina o culto às divindades como Azoanador e Tobosses e vários Voduns onde a "sacerdotisa" é chamada Noche e o cargo masculino, Toivoduno.

· Os fundadores

Voltando a falar sobre "Kwe Ceja Undé", esta casa como é chamada em Cachoeira de São Félix de "Roça de Baixo" foi fundada por escravos como Manoel Ventura, Tixerem, Zé do Brechó e Ludovina Pessoa.

Ludovina Pessoa era esposa de Manoel Ventura, que no caso africano é o dono da terra. Eles eram donos do sítio e foram os fundadores da Kwe Ceja Undé. Essa Kwe ainda seria chamada de Pozerren, que vem de Kipó, "pantera".

Darei um pequeno relatório dos criadores do Pozerren Tixarene que seria o primeiro Pejigan da roça; e Ludovina, pessoa que seria a primeira Gaiacú.

A roça de cima que também é em Cachoeira é oriunda do Jeje Dahomé, ou seja, uma outra forma de Jeje. Estou falando do Mahin, que era comandada por Sinhá Romana que vinha a ser "Irmã de santo" de Ludovina Pessoa (esta última mais tarde assumiria o cargo de Gaiacú na Kwe de Boa Ventura). Mas, pela ordem temos Manoel Ventura, que seria o fundador, depois viria Sinhá Pararase, Sinhá Balle e atualmente Gamo Loko-se. O Kwe Ceja Undé encontra-se em controvérsia, ou seja, Gamo Loko-se é escolhida por Sinhá Pararase para ser a verdadeira herdeira do trono e Gaiacú Agué-se, que seria Elisa Gonçalves de Souza, vem a ser a dona da terra atualmente. Ela pertence a família Gonçalves, os donos da terra. Assim, temos os fundadores da Kwe Ceja Undé.

Aqui, no Rio de Janeiro, saindo de Cachoeira de São Félix, Tatá Fomutinho deu obrigação com Maria Angorense, conhecida como Kisinbi Kisinbi.

Uma das curiosidades encontradas durante minha pesquisa sobre Jeje é o que chamamos de Deká, que na verdade vem do termo idecar, do termo fon iidecar, que quer dizer "transmissão de segredo". Esse ritual é feito quando uma Gaiacú passa os segredos da nação Jeje para futura Gaiacú pois, na nação Jeje não se tem notícias, que possa ter havido "Pai de santo". O cargo de sacerdotisa ou "Mãe de santo" era exclusivamente das mulheres. Só as mulheres poderiam ser Gaiacús.

· Ogans

Os cargos de Ogan na nação Jeje são assim classificados: Pejigan que é o primeiro Ogan da casa Jeje. A palavra Pejigan quer dizer “Senhor que zela pelo altar sagrado”, porque Peji = "altar sagrado" e Gan = "senhor". O segundo é o Runtó que é o tocador do atabaque Run, porque na verdade os atabaques Run, Runpi e Lé são Jeje. No Ketu, os atabaques são chamados de Ilú. Há também outros Ogans como Gaipé, Runsó, Gaitó, Arrow, Arrontodé, etc.

Podemos ver que a nação Jeje é muito particular em suas propriedades. É uma nação que vive de forma independente em seus cultos e tradições de raízes profundas em solo africano e trazida de forma fiel pelos negros ao Brasil.

· Mina Jeje

Em 1796, foi fundado no Maranhão o culto Mina Jeje pelos negros fons vindos de Abomey, a então capital de Dahomé, como relatei anteriormente, atual República Popular de Benin.

A família real Fon trouxe consigo o culto de suas divindades ancestrais, chamados Voduns e,principalmente, o culto à Dan ou o culto da Serpente Sagrada.

Uma grande Noche ou Sacerdotisa, posteriormente, foi Mãe Andresa, última princesa de linhagem direta Fon que nasceu em 1850 e morreu em 1954, com 104 anos de vida.

Aqui, alguns nomes dos Deuses Voduns:

*Ayzan - Vodun da nata da terra
*Sogbô - Vodun do trovão da família de Heviosso
*Aguê - Vodun da folhagem
*Loko - Vodun do tempo

· Curiosidades

*A primeira Casa Jeje no Rio de Janeiro foi, em 1848, de D.Rozena, cuja filha de santo foi D.Adelaide Santos
*Ekede – termo Jeje
*Done – cargo feminino na casa Jeje, similar à Yalorixá
*Doté – cargo ilustre do filho de Sogbô

Os vodun-ses da família de Dan são chamados de Megitó, enquanto que da família de Kaviuno, do sexo masculino, são chamados de Doté; e do sexo feminino, de Doné.

Os cumprimentos ou pedidos de bençãos entre os iniciados da família de Dan seria “Megitó Benoí?” Resposta: “Benoí”; e aos iniciados da família Kaviuno, ou seja, Doté e Doné seria “Doté Ao?” Resposta: "Aótin".

O termo usado "Okolofé", cuja resposta é "Olorun Kolofé" vem da fusão das Nações de Jeje e de Ketu.

Algumas palavras do dialeto ewe:

*esin = água
*atinçá = árvore
*agrusa = porco
*kpo = pote
*zó ou izó = fogo
*avun = cachorro
*nivu = bezerro
*bakuxé = parto de barro
*kuentó = kuentó
*yan = fio de contas
*vodun-se = filho do vodun ou iniciados da Nação Jeje
*yawo = filho do vodun ou iniciados da Nação Ketu
*muzenza = filho do vodun ou iniciados da Nação Angola
*tó = banho
*zandro = cerimônia Jeje
*sidagã = auxiliar da Dagã na Cerimônia a Legba
*zerrin = ritual fúnebre Jeje
*sarapocã = cerimônia feita 07(sete) dias antes da festa pública de apresentação do(a) iniciado(a) no Jeje
*sabaji = quarto sagrado onde fica os assentos dos Voduns
*runjebe = colar de contas usado após 07(sete) anos de iniciação
*runbono = primeiro filho iniciado na Casa Jeje
*rundeme = quarto onde fica os Voduns
*ronco = quarto sagrado de iniciação
*bejereçu = cerimônia de matança

Esta é uma homenagem a todos os povos Jejes.

Arró-bo-boí!
A INFLUÊNCIA DAS PALAVRAS JEJE NA CULTURA AFRO-BRASILEIRA

A cultura Jeje vinda do Antigo Dahomé, que antes abrangia o Togo e fazia fronteira com o país de Gana é, sem dúvida, uma das maiores contribuições culturais deixada pelos negros fons no Brasil.

Estes povos Adjejes, como eram chamados pelos yorubás, estabeleceram fundamentos nos seguintes lugares: Cachoeira de São Félix, na Bahia; Recife, em Pernambuco e São Luís, no Maranhão. Houve durante um período uma influência da cultura yorubá, daí essa mistura passar a ser chamada de: Cultura Jeje-Nagô. Essa mistura, como expliquei, adveio principalmente dos yorubás com várias tribos Jejes. Dentre elas destacaram-se: tribo Gan, Fanti, Axanti, Mina e Mahin. Estes últimos, ou mahins, tiveram maior destaque sobre as demais culturas Jeje, no Brasil.

Estes negros falavam o dialeto ewe que, por ser marcante, influenciou por demais a cultura yorubá e também a cultura bantu. Como exemplo, cito os nomes que compõem um barco de yawo: Dofono, Dofonitin, Fomo, Fomutin, Gamu, Gamutin e Vimu, Vimutin.

Outras palavras Jeje foram incorporadas não só na cultura afro-brasileira como também no nosso dia-a-dia, como por exemplo: Acassá, “faca” que no original ewe é escrita com “K” ao invés de “C”. Outra palavra Jeje que ficou no nosso cotidiano foi a palavra “tijolo” que em ewe é Tijoló.
A TRADIÇÃO JEJ: O VODUN JEJE SOGBÔ E A PROVA DE ZO

A tradição dos povos fons que aqui no Brasil foram chamados de Adjeje ou Jeje pelos yorubás, requer um longo confinamento quando na época de iniciação. Essa tradição Jeje exigia de 06 (seis) meses ou até 01 (um) ano de reclusão, de modo que o novo vodun-se aprendesse as tradições dos voduns: como cultuá-los, manter os espaços sagrados, cuidar das árvores, saber dançar, cantar, preparar as comidas e um artesanato básico necessário a implementos materiais dos diferentes assentos, ferramentas e símbolos necessários ao culto.

Para os povos Jeje, os voduns são serpentes que tem origem no fogo, na água, na terra, no ar e ainda tem origem na vida e na morte. Portanto, a divindade patrona desse culto é Dan ou a "Serpente Sagrada".

Como disse, para o povo Jeje os Voduns são serpentes sagradas e sendo as matas, os rios, as florestas o habitat natural das cobras e dos próprios voduns. O ritual Jeje depende de muito verde, grandes árvores pois muitos voduns tem seus assentos nos pés destas árvores.

Outra particulariedade deste culto é de que quando as vodun-ses estão em transe ou incorporadas com seu vodun: os olhos permanecem abertos, ou seja, os voduns Jeje abrem os olhos, diferente dos orixás dos yorubás, que mantem os olhos sempre fechados.

É comum no culto Jeje provar o poder dos Voduns quando estes estão incorporados em seus iniciados. Uma destas provas é a prova chamada Prova do Zô ou Prova do Fogo do vodun Sogbô, que governa as larvas vulcânicas e é irmão de Badé e Acorombé, que comandam os raios e trovões.

A seguir, descrevo uma Prova do Zô feita com uma vodun-se feita para Sogbô, um vodun que assemelha-se ao Xangô do Yorubás:

Num determinado momento entra no salão uma panela de barro, fumegante, exalando cheiro forte de dendê borbulhante, contendo dentro alguns pedaços de ave sacrificada para o vodun. Sogbô adentra o salão com fúria de um raio, os olhos bem abertos (que como expliquei é costume dos voduns) e tomando a iniciativa vai até a panela, onde mergulha as mãos por algum tempo. Em seguida, exibe para todos os pedaços da ave. É um momento de profunda emoção gerando grande comoção por parte dos outros iniciados que respondem aquele ato entrando em estado de transe com seus voduns.
NANÃ

Nanã Buruku ou Buku é considerada a mais antiga das divindades. Muito cultuada na África em regiões como: Daça Zumê, Abomey, Dumê, Cheti, Bodé, Lubá, Banté, Djabalá, Pesi e muitas outras regiões.

Para os fons e ewes, a palavra Nanã ou Nàná é empregada para se chamar de mãe as mulheres idosas e respeitáveis, ou seja, a palavra Nanã significa: "Respeitável Senhora".

Nanã está associada à terra, à água e à lama. Os pântanos e as águas lodosas são o seu domínio.

Como relatei no começo, é a mais antiga das divindades, pois representa a memória ancestral. Mãe de Loko ou Irokô, Omolu e Oxumare ou Becém na dinastia Fon, Nanã está ligada ao mistério da vida e da morte. É a senhora da sabedoria, mais velha que o ferro. Daí, não usar lâminas em seu culto.
BECÉM

O culto à serpente remonta desde o início dos séculos. Os romanos e os gregos já prestavam culto à cobra, sendo os povos que mais difundiram em séculos passados este culto.

No Egito, a serpente era venerada e encarregada de proteger locais e moradias. Cleópatra era uma sacerdotisa do culto à serpente. Todos os seus pertences e adornos eram em formatos de cobras e similares. Este culto correu através do Rio Nilo as diversas regiões africanas.

No Antigo Dahomé, este culto se intensificou e lá Dan, como é chamada a Serpente Sagrada, transformou-se no maior símbolo de culto daquele povo, também sendo chamado pelo nome de vodun-becém. Já os yorubás chamaram esta mesma entidade de Oxumare ou a Cobra Arco-íris; e os negros Bantos, de Angôro.

Na verdade, aí falamos de uma só divindade com vários nomes dependendo da região em que é cultuada.

Mas, Oxumare, como é mais popularmente conhecido no Brasil, é o Orixá que determina o movimento contínuo, simbolizado pela serpente que morde a própria cauda e enrola-se em volta da terra para impedí-la de se desgovernar. Se Oxumare perder-se a força, a Terra vagaria solta pelo espaço em uma rota a seguir, sendo o fim do nosso Planeta.

É o orixá da riqueza, um dos benefícios mais apreciados não só pelos yorubás como por todos os povos da terra.

Arró-bo-boí!
OFERENDA À BECÉM PARA PROSPERIDADE

Em tempos difíceis, um dos voduns que não pode deixar de ser cultuado é Becém, pois este vodun é o Deus do movimento. Na nação de Ketu, este vodun é assimilado ao Orixá Oxumarê.

Os ingredientes necessários para a comida ou oferenda à Becém, para prosperidade são:


*01 travessa média de barro
*300g de batata doce
*½ k de canjica
*14 moedas correntes
*14 folhas de louro
*14 búzios abertos
*01 colher de açúcar cristal

Como fazer:


*Cozinhar bem a canjica e colocá-la na travessa
*Cozinhar as batatas doces, retirar as cascas e amassá-las bem. Modelar duas cobras de batata doce e colocá-las em cima desta canjica
*Enfiar as folhas de louro nos cantos, em volta da canjica. (Observação: para cada folha, uma moeda e um búzio aberto até completar as 14 folhas, 14 moedas e 14 búzios)
*Espalhar o açúcar cristal por cima de toda esta oferenda e oferecê-la à Becém, em baixo de uma árvore bonita e frondosa com 14 velas em volta, acesas.

Certamente, Sr Acolo Becém irá trazer muita prosperidade para vocês!
AJOIÉ E EKEDI

A palavra “ajoié” é correspondente feminino de ogan pois, a palavra ekedi, ou ekejí, vem do dialeto ewe, falado pelos negros fons ou Jeje.

Portanto, o correspondente yorubá de ekedi é ajoié, onde a palavra ajoié significa “mãe que o orixá escolheu e confirmou”.

Assim como os demais oloyés, uma ajoié tem o direito a uma cadeira no barracão. Deve ser sempre chamada de “mãe”, por todos os componentes da casa de orixá, devendo-se trocar com ela pedidos de bençãos. Os comportamentos determinados para os ogans devem ser seguidos pelas ajoiés.

Em dias de festa, uma ajoié deverá vestir-se com seus trajes rituais, seus fios de contas, um ojá na cabeça e trazendo no ombro sua inseparável toalha, sua principal ferramenta de trabalho no barracão e também símbolo do óyé, ou cargo que ocupa.

A toalha de uma ajoié destina-se, entre outras coisas, a enxugar o rosto dos omo-orixás manifestados. Uma ajoié ainda é responsável pela arrumação e organização das roupas que vestirão os omo-orixás nos dias de festas, como também, pelos ojás que enfeitarão várias partes do barracão nestes dias.

Mas, a tarefa de uma ajoié não se restringe apenas a cuidar dos orixás, roupas e outras coisas. Uma ajoié também é porta-voz do orixá em terra. É ela que em muitas das vezes transmite ao Babalorixá ou Yalorixá o recado deixado pelo próprio orixá da casa.

No Candomblé do Engenho Velho ou Casa Branca, as ajoiés são chamadas de ekedis. No Gantois, de "Iyárobá". Já na Nação de Angola, é chamada de "makota de angúzo". Mas, como relatei anteriormente, "ekedi" é nome de origem Jeje mas, que se popularizou e é conhecido em todas as casas de Candomblé do Brasil, seja qual for a Nação.
OS ODÙS NA CULTURA JEJE JEJE

Um Babalawo, ou Pai dos segredos (awô) é muito respeitado pela cultura yorubá.

O Babalawo, como o nome diz, é o conhecedor de todos os mistérios e segredos no culto à Orunmilá, sendo portanto sacerdote de ifá. Somente o Babalawo pode manipular o Rosário de ifá que em yorubá recebe o nome de opele-ifá e em ewe, língua da cultura fon ou Jeje tem o nome de agú-magá. Ainda na cultura Jeje, ifá é chamado de Vodun-fá ou Deus do destino e o Babalawo é denominado de Bokunó. Mas, nas duas culturas, tanto o Babalawo dos yorubás quanto o Bokunó dos fons precisam de uma divindade que interprete as caídas do jogo à ifá.

Quem seria essa divindade? Para os yorubás, essa divindade que auxilia o Babalawo a interpretar as caídas do jogo-a-ifá tem o nome de Exu e para os ewes ou fons da cultura Jeje essa mesma divindade é chamada de Legba, que em ewe significa: "Divino esperto".

Como podemos observar, nas duas culturas o culto à ifá é uma constante na vida destes povos, pois tanto na Nigéria como no antigo Dahomé, o destino individual ou coletivo é motivo de muita atenção(Destino que em yorubá se chama odù e em ewe-fon, aírun-ê), pois os povos Jejes também cultuavam os odùs ou aírun-ê.

Abaixo, encontram-se divulgados alguns nomes dos odùs, em ewe-fon:
*ogudá ou obéogunda em yorubá
*lossô ou yorossun em yorubá
*ruolin ou warin em yorubá
*sá ou ossá em yorubá

AS VARIAÇÕES DAS TRÊS NAÇÕES JEJE, KETU E ANGOLA

Dos muitos grupos de escravos vindo para o Brasil, 03(três) categorias ou nações se destacaram:
bullet Negros Fons ou Nação Jeje
bullet Negros Yorubás ou Nação Ketu
bullet Negros Bantos ou Nação Angola

Cada uma dessas 03 (três) nações tem dialeto e ritualística própria. Mas, houve uma grande coligação entre os deuses adorados nessas 03 (três) nações, por exemplo:
bullet Na Nação Jeje os deuses são chamados de Voduns
bullet Na Nação Ketu, de Orixás
bullet Na Nação de Angola, de Inkices

Abaixo, encontram-se relacionados os deuses, as suas ligações e correspondência em cada uma dessas 03 (três) nações:

KETU


JEJE


ANGOLA

Exu


Elegbá


Bombogiro

Ogun


Gu


Nkosi-Mucumbe

Oxossy


Otolú


Mutaka Lambo

Omolu


Azanssun


Cavungo

Xangô


Sogbô


Nizazi ou Luango

Ossayn


Ague


Katende

Oya / Yansã


Guelede-Agan ou Vodun-Jó


Matamba/Kaingo

Oxum


Aziri-Tolá


Dandalunda

Yemanja


Aziri-Tobossi


Samba Kalunga/Kukuetu

Oxumarê


Becém


Angoro - Ongolo

Oxalá


Lissá


Lemba

Èsú

Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Èsú láaróyè, Èsú láaróyè
Èsú láaróyè, È s ú láaróyè
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Èsú Láàlú Ogiri Òkò Ebìtà Okùnrin
Èsú Láàlú Ogiri Òkò E bìtà O kùnrin
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Èsú òta òrìsà
Èsú é Orixá da pedra (iangui)
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Osétùrá l’oruko bàbá mó ó
Oxeturá é o nome pelo qual é chamado por seu pai
Alágogo ìjà l’oruko ìyá npè o
Alágogo Ìjà, é o nome pelo qual sua mãe o chama
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Èsú Òdàrà, omokùnrin Ìdólófin
Èsú bondoso, filho homem da cidade de Ìdólófìn
O lé sónsó sórí orí esè elésè
Aquele que tem a cabeça pontiaguda fica no pé das pessoas
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Kò jé, kò jé kí eni nje gbe e mì
Não come e não permite que ninguém coma ou engula o alimento
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
A kìì lówó láì mu ti Èsú kúrò
Quem tem riqueza reserva para Èsú a sua parte
A kìì láyò láì mu ti Èsú kúrò
Quem tem felicidade reserva para Èsú a sua parte
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Asòntún se òsì láì ní ítijú
Fica dos dois lados sem constrangimento
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Èsú àpáta somo olómo lénu
Èsú, montanha de pedras que faz o filho falar coisas que não deseja
O fi okúta dípò iyó
Usa pedra em vez de sal
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Lóògemo òrun a nla kálù
Indulgente filho do céu cuja grandeza está em toda a cidade
Pàápa-wàrá, a túká máse sà
Apressadamente fragmenta o que não se junta nunca mais
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti
Èsú máse mi, omo elòmíran ni o se
Èsú não me faça mal, manipule o filho do outro
Èsú máse, Èsú máse, Èsú máse
Èsú não faça mal, È s ú não faça mal, È s ú não faça mal
Iyìn o, iyìn o Èsú n má gbò o
Èsú escute o meu louvor à ti


ÀSÉ!!!

Uma jazida diferente: como se formaram e como nós descobrimos as imensas reservas do pré-sal

Nos últimos 30 anos, a Petrobrás acreditou numa nova concepção de jazida, diferente das convencionais. Durante esses 30 anos, ela não pôde explorar essa jazida porque a camada de sal, de mais ou menos dois quilômetros de espessura, perturbava o levantamento sísmico, limitado a duas dimensões. Quando veio a evolução tecnológica, com a sísmica de três e quatro dimensões, a Petrobrás, finalmente, pôde atingir o objetivo com mais precisão e consolidar aquilo que imaginava que fosse uma enorme província petrolífera.
A camada de sal não é uma rocha rígida, ela é gelatinosa. Quando se tinha de trocar a broca, às vezes seguidamente durante o dia, cada vez que se retirava a coluna, a camada de sal fechava o poço. A Petrobrás teve que revestir o poço com uma tubulação de aço, o que leva um tempo maior. Então, o primeiro poço levou um ano para ser perfurado e custou U$ 260 milhões. Hoje, a perfuração está custando mais ou menos U$ 60 milhões e não se pode baixar muito, porque há um tempo mínimo de perfuração e uma plataforma nessa profundidade, com essa especialização, está custando U$ 600 mil por dia. Uma forma de baixar o custo seria construir novas plataformas.
Como é o mecanismo de formação do petróleo? Os rios trazem material orgânico, depositam no fundo do mar, junto com areia, pedras, diversos materiais e, com a pressão da coluna d’água, esses materiais formam uma rocha mista porosa, com o material orgânico no seu interior. Esse material orgânico, durante milhões de anos, é fermentado por micro-organismos. E esses micro-organismos atuam na rocha geradora onde estão depositados esses materiais e transformam esse material orgânico em petróleo. Quando o petróleo amadurece, a pressão dentro dessa rocha geradora atinge um valor elevado, de 5 mil libras ou até de 10 mil libras, a temperatura se eleva e a rocha se rompe, deixando escapar o petróleo gerado dentro dela. Aí esse petróleo caminha para a superfície por diversos caminhos e se perde, mas, se em alguma parte esse petróleo encontra uma rocha porosa que o armazene, aí está formado um reservatório convencional.
Qual a diferença para a jazida do pré-sal? Da mesma maneira, o material orgânico foi depositado no fundo do mar e também durante milhões de anos foi fermentado. Mas há uma diferença fundamental. Quando os continentes sul-americano e africano começaram a se separar, o mar penetrou na fenda entre eles e ficou confinado, não tendo movimento lateral de correntes e ondas. O mar confinado só tinha a elevação, a elevação da maré. Aí houve uma evaporação muito grande da água do mar e uma concentração de sal, que desceu e se depositou em cima desse material orgânico ali depositado. Essa camada de sal, que atingiu uma espessura de dois quilômetros, teve duas vantagens fundamentais: se depositou em cima dessa rocha geradora, protegeu-a mecanicamente e selou-a, de tal forma que, quando o petróleo se formou, amadurecendo o material orgânico fermentado pelos Phitoplanctos (micro-organismos), a pressão subiu e não houve o rompimento da rocha geradora, portanto não houve perdas. Então, o petróleo formado está todo lá, na própria rocha geradora.
Essa é a diferença do reservatório do pré-sal e do convencional, gerando duas vantagens do pré-sal sobre uma jazida convencional. A primeira é que todo material orgânico se transformou em petróleo e ficou retido no reservatório. Segunda: em um reservatório convencional, as bactérias comem o petróleo leve e deixam o petróleo pesado, de pior qualidade. No pré-sal, as bactérias não tiveram acesso, porque o sal não deixou. Ou seja, o sal protegeu não só mecanicamente, como biologicamente, uma vez que não deixou as bactérias daninhas comerem o petróleo leve. Então, o petróleo do pré-sal é muito melhor do que o nosso petróleo convencional. É um petróleo muito melhor do que, por exemplo, Marlim ou Albacora. Eles têm um grau API em torno de 15 e 16, significa óleo pesado, e o pré-sal tem 28 a 34. Quanto mais alto o grau, mais leve e melhor qualidade tem o petróleo.
Com isso, os técnicos da Petrobrás, a partir do primeiro furo, tiveram comprovada aquela teoria estudada durante 30 anos e tiveram a alegria de ter, em 11 poços perfurados, encontrado petróleo em 11, confirmando as expectativas. As estimativas, conservadoras, dos geólogos da Petrobrás, sobre a reserva esperada chegam a, pelo menos, 90 bilhões de barris de petróleo. Há, entretanto, a perspectiva de se chegar a 300 bilhões, mas não vamos raciocinar com essa hipótese, vamos ficar apenas nos 90, que já vamos ter “problemas” suficientes.
Os primeiros problemas são os blocos que a Petrobrás comprou associada, infelizmente, a empresas estrangeiras. A Exxon comprou um bloco, no segundo leilão, junto com a Petrobrás. A Exxon tem 40%, a Petrobrás tem 20% e a americana Amerada Hess tem 40%. Ela esperou a Petrobrás fazer 11 furos para fazer o poço dela, para não ter risco nenhum.
Enfim, a Petrobrás furou todos os seus poços e já encontrou petróleo. Quando perfurou, achou, e testou o bloco de Tupi. Então, o presidente Lula mandou retirar 41 blocos do pré-sal que estavam incluídos no 9º leilão da ANP, porque se transformaram em bilhetes premiados. Porque a atual lei do petróleo foi feita para incentivar a vinda de empresas estrangeiras para investirem em áreas ainda não descobertas, correndo riscos. No pré-sal não tem mais risco. Já está descoberto. Normalmente, numa pesquisa desse porte, o índice de sucesso de 10% é muito bom. Fura-se 10 poços e acha-se petróleo em 1. Agora você fura 11 e acha 11, não tem mais risco. Então a Lei atual, a 9478/97, não se aplica ao pré-sal.
A primeira estimativa da província é de que ela vai de Santa Catarina até o Espírito Santo, mais ou menos com 800 Km de extensão, por 200 Km de largura, em média.
Uma pergunta que sempre surge: se alguma empresa estrangeira furar fora do mar territorial (200 milhas) e encontrar petróleo, o que acontece? É dona? Só que não tem condições técnicas e nem comerciais de explorar o petróleo sem apoio logístico do Brasil. Imagine-se montar uma infraestrutura de produção, tratamento e transporte de óleo a mais de 300 km da costa. É impossível, técnica e comercialmente. Esperamos até que tenha petróleo, mas ninguém vai investir. Aliás, a Lei 9.478/97 foi feita para incentivar pesquisas em áreas novas, mas nenhuma empresa estrangeira colocou nenhum centavo em qualquer área nova, só nas que a Petrobrás já tinha pesquisado e devolvido.

Os fracassados privatizadores do pré-sal, da Petrobrás e do Brasil

CARLOS LOPES

Há alguns dias, Dilma Rousseff fez a observação de que, quanto ao petróleo do pré-sal, manter o regime de concessões implantado por Fernando Henrique, Serra e outros carreiristas da traição, significa, pura e simplesmente, privatizá-lo. Serra pode negar – e mentir – o quanto quiser, mas a observação de Dilma é exata. Inclusive nas áreas fora do pré-sal, a privatização do petróleo, depois da lei que estabeleceu o regime de concessões, só não aconteceu porque nelas - já veremos por que - a Petrobrás teve condição de arrematar a maioria dos lotes em leilão.
Não há nada de surpreendente nessa constatação, pois o objetivo da lei do governo Fernando Henrique sempre foi esse, o que foi expresso por seu próprio genro, David Zylbersztajn, nomeado para a diretoria-geral da Agência Nacional do Petróleo, que declarou, na sua posse, em 1998, aos representantes das multinacionais: “O petróleo é vosso!”. Portanto, eles mesmos disseram qual era o objetivo da lei de concessões.
Por que, então, as multinacionais não usaram o seu maior poder financeiro para ganhar os leilões nas áreas fora do pré-sal? Porque teriam de investir com risco de não encontrar petróleo, numa modalidade de exploração – aquela feita em águas profundas – em que, ao contrário da Petrobrás, e como se viu recentemente no desastre do Golfo do México, não são lá muito competentes (por exemplo, o principal poço do Mar do Norte, o de Captain, encontra-se sob uma lâmina d’água de apenas 107 metros – no pré-sal, via de regra, a lâmina d’água é de mais de 2.000 metros). Além disso, 80% do petróleo extraído nessas áreas é o chamado “petróleo pesado”. O Centro de Pesquisas da Petrobrás (Cenpes) desenvolve, já há algum tempo, um programa para melhorar o aproveitamento do petróleo pesado. Porém, só recentemente a Shell iniciou programa semelhante. A dificuldade em relação ao petróleo pesado não está apenas no refino, o que já é um problema grande. Mas, como diz uma publicação especializada, “a extração do óleo pesado é extremamente mais complexa e mais cara que a do óleo leve” - enquanto seu preço é mais barato do que o óleo leve. (cf. “O desafio do óleo pesado””, Power, nº 15, pág. 20). Atualmente, o preço do barril desse petróleo está cerca de US$ 15 abaixo do petróleo leve padrão, o Brent.
Portanto, as multinacionais não se aproveitaram da sofreguidão entreguista de Fernando Henrique, Serra, Zylbersztajn e outros patifes porque estavam explorando áreas mais lucrativas – o que permitiu que a Petrobrás arrematasse a maioria dos lotes.
A mesma condição, no entanto, não se repete no pré-sal. É evidente que, devido a abundância de petróleo leve e à ausência de risco exploratório (na prática, inexiste a possibilidade de não encontrar petróleo no pré-sal), o interesse das multinacionais, com um poder financeiro muito maior do que a Petrobrás – pois têm por trás delas os grandes bancos dos EUA, Inglaterra e outros países - é imensamente maior no pré-sal do que nas outras áreas.
Portanto, leilões para conceder lotes no pré-sal – concessões em que todo o petróleo extraído pertence à companhia que o retirar – significam dar esse petróleo ao cartel externo, àquele grupo de ladrões antes conhecidos como “sete irmãs”, e que hoje não chega nem a sete empresas multinacionais. Portanto, a manutenção da lei tucana nessa nova reserva petrolífera seria, exatamente, uma privatização e uma desnacionalização do nosso petróleo.
É significativo que assessores e cúmplices de Serra como Zylbersztajn, Velloso - e agora Luciano Almeida, secretário no governo de São Paulo – defendam o regime de concessões no pré-sal, com o argumento de que o governo obteria recursos imediatos com o “bônus de assinatura”. É exatamente esse “bônus” (dinheiro pago no leilão de concessões) que favorece às multinacionais – a Petrobrás tem menos condições financeiras do que elas de pagar um maior bônus de assinatura para ganhar um leilão. Na verdade, o “bônus de assinatura” faz com que as multinacionais ganhem os leilões que quiserem e deixem para a Petrobrás o que elas quiserem – ou nada. Nesse regime de concessões, ganha quem tem mais dinheiro.
O novo modelo – o regime de “partilha de produção” - ao introduzir, caso haja leilão (que não é obrigatório, podendo o governo designar áreas diretamente para a Petrobrás), a quantidade de petróleo destinada à União como critério (daí a palavra “partilha”), impede as multinacionais de usarem seu maior poder financeiro para se apropriar do pré-sal. No regime de partilha, a Petrobrás tem muito melhores condições de oferecer uma parte maior do petróleo à União. E, ao determinar que a Petrobrás seja a operadora única, com participação em todas as áreas, permite um controle maior do país e do povo sobre a exploração das reservas.



RUPTURA



As reservas na camada pré-sal são uma conquista do governo Lula, pois era impossível, no governo anterior, que a empresa, apesar de estudar a camada pré-sal há muito, fizesse os investimentos necessários para efetuar essa descoberta.
Como lembrou Fernando Siqueira, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), ainda como ministro da Fazenda, “Fernando Henrique Cardoso deu início a uma manipulação da estrutura de preço do petróleo na qual ele, nos seis meses anteriores à URV — e, depois, o plano real —, fez uma transferência de faturamentos nos seis aumentos que aconteceram de dezembro de 93 a abril de 94. Em cada aumento, ele dava um percentual maior para as distribuidoras. Concedeu aumentos sucessivos e acima da inflação para o distribuidor e aumentos abaixo da inflação para a Petrobrás. Quando chegou em abril de 94, esses ganhos e perdas foram congelados. O que a Petrobrás perdeu foi perenizado com a URV, e o que as distribuidoras ganharam também. Isso representou, na época, uma transferência anual de três bilhões de dólares da Petrobrás para as distribuidoras - e nós ficamos com a maior margem de distribuição do mundo. Nos EUA, quem faz como a Petrobrás, que pesquisa, produz, transporta e refina, fica com 65% do litro de gasolina vendido, mas a Petrobrás, no Brasil, passou a ficar com 14%. Aquele que distribui — o que pega na refinaria e entrega no posto — fica, nos EUA, com 2%. Aqui, ficaram com cerca de 18%, oito vezes mais, beneficiando o cartel internacional do petróleo”.
Em seguida, já como presidente – e Serra no Ministério do Planejamento – houve um corte de 52% no investimento da Petrobrás. Entenda-se: a Petrobrás tinha o dinheiro para investir, mas foi proibida de fazer investimentos além de certo nível, quase medíocre. Com isso, impediu o país de alcançar a autossuficiência em petróleo, só conquistada no governo Lula, em 2006.
Toda a questão era a privatização da Petrobrás, que estava em curso. Como descreve Fernando Siqueira: “outra providência tomada contra a empresa foi, em 1998, colocar três empresas estrangeiras no edifício da Petrobrás. Elas ficaram um ano estudando a Petrobrás, pedindo todos os dados que quisessem, confidenciais, estratégicos, etc. A justificativa era a de que, com a nova lei do petróleo, reduzir-se-ia a participação acionária do governo, porque a lei 2004, para garantir que a Petrobrás seria sempre estatal, dizia que o governo tinha que ter 51% do capital total. E a nova lei previa que basta ao governo ter 50% mais uma ação do capital votante. Como o capital votante pode ser até um terço do capital total, significa que basta que o governo tenha 16,67% para vender 83% das ações para o capital financeiro internacional. Então, em 97, eles venderam 31,4% das ações ordinárias [i.é, com direito a voto] por um preço em torno de 8 bilhões de reais. Esses 31,4% de ações ordinárias equivaliam a cerca de 18% do capital total, ou seja, 54 bilhões de dólares na época. No entanto, esse patrimônio foi vendido por oito bilhões de reais”.
Tal situação somente começou a ser reparada no governo Lula, quando a União aumentou sua participação na Petrobrás de 32,53% para 48% - quanto ao capital votante, a União, reduzida a 55,7%, aumentou sua participação para 64%. Ao mesmo tempo, o capital em mãos de estrangeiros diminuiu de 37,8% para 26%.
Mas a privatização continuou: “Em 1999 foi contratada uma empresa americana, a Arthur D. Little, para fazer o planejamento estratégico da Petrobrás. Essa empresa decidiu que a Petrobrás seria dividida em 40 unidades de negócio. O objetivo deles era que cada uma dessas unidades fosse transformada numa subsidiária e privatizada, porque a ideia era fazer a privatização da Petrobrás sem que a população percebesse. O governo FHC começou a privatização pela REFAP [Refinaria Alberto Pasqualini]. Uma troca de ativos criaria uma terceira empresa e, teoricamente, a Petrobrás aportaria R$ 500 milhões e a multinacional espanhola Repsol, através de sua subsidiária argentina, outros R$ 500 milhões. Numa segunda fase, a Repsol aportaria um pouco mais, ficando dona do controle acionário”.
A crise argentina salvou a REFAP da privatização. Mas até hoje ela é uma empresa separada, ao contrário das demais refinarias, com 30% do capital pertencente a Repsol – os 70% restantes são da Downstream Participações Ltda, que é controlada pela Petrobrás.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Santanna: “com PNBL e Telebrás, o Brasil dará um salto para o futuro”

Apresentamos hoje a parte final da entrevista com o presidente da Telebrás, Rogério Santanna, realizada pelo cineasta Caio Plessman e pelo diretor de redação da Hora do Povo, Carlos Lopes. Nesta parte, as perspectivas que o Plano Nacional de Banda Larga abre para o país são esboçadas pelo entrevistado de forma extremamente interessante. Como afirma Santanna, “contem com a Telebrás para ser a plataforma articuladora e para apostar na inovação. Nosso negócio aqui é ser um ambiente de inovação e difusão do conhecimento para o Brasil”.
Há, certamente, os que preferem ser escravos do conhecimento alheio – ou, antes que isso, do poder financeiro alheio. São os que sabotaram, privatizaram e desnacionalizaram algumas das empresas mais avançadas do mundo no ramo de telecomunicações, fazendo com que também a iniciativa privada nacional nessa área sofresse um processo de devastação. Mas estes, agora, estão colhendo os frutos amargos – inclusive eleitorais - que nosso povo sempre reservou, cedo ou tarde, a esse tipo de gente, anti-brasileira até as entranhas. Conseguiram, é verdade, causar um retrocesso monstruoso. Mas agora, com mais experiência e menos ilusões, temos todas as condições de superar essa ignomínia praticada contra o Brasil. Realmente, o futuro é nosso.


Continuação da edição anterior

HP – Além dos provedores, a Telebrás terá algum papel na “última milha”?
Rogério Santanna – Quando nós dissemos que é possível ter parceiros em todo o Brasil para fazer a “última milha”, o presidente argumentou: não posso ligar a banda larga numa cidade e não aparecer ninguém para fazer a “última milha”. Então, deu-se a prerrogativa de, na hipótese de não aparecer ninguém com preço adequado, qualidade boa e cobertura adequada, a Telebrás poder fazê-la.

HP – Quais são os planos da Telebrás para este ano?
Rogério Santanna – Temos autorização para gastar aproximadamente o que dispomos no caixa, com o compromisso de repor logo em seguida – pois os recursos que estão aqui cobrem as potenciais dívidas que a empresa ainda tem de pagar, que são os esqueletos da privatização. Foram colocadas aqui todas as dividas das empresas que foram vendidas, e a Telebrás ficou pagando dívida - até por isso ela não foi fechada. São passivos das teles que foram vendidas. Muitos nem são da Telebrás diretamente.
Nós, a partir daí, fizemos um orçamento. Como não tínhamos recursos para fazer tudo, vamos fazer o backbone e o backhaul [ligação da espinha dorsal da rede à sua periferia] em 100 cidades, além das capitais. Levamos em consideração várias questões, como o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] e a proximidade do nosso ponto de baixada da fibra.

HP – As operadoras afirmam que a escolha das cidades foi errônea, porque já existe banda larga nelas. Isso é verdade?
Rogério Santanna – Realmente, a critica das operadoras centrou-se em dizer que 97 daquelas cidades já têm algum serviço privado. Na verdade, isso é uma conversa mole, porque 49,7% das cidades localizadas até 50 km de distância do backbone têm menos de 2 assinantes em mil pessoas.

HP – Dois assinantes em mil pessoas?
Rogério Santanna – Sim. Não estou falando das cem, mas de todas. Entre as cem, 25 têm até 2 habitantes com acesso por mil pessoas, isto é, 0,19% de acesso.
As operadoras vendem para a classe A e B, que podem gastar R$ 500. Então, elas dizem, “já estou lá, liguei o ADSL”. Ligou, mas está vendendo a preço proibitivo, de forma que o povo daquela cidade não consegue comprar.
Se você chegar numa operadora e disser “eu quero um acesso à Internet por R$ 35”, vão dizer assim: “tá, mas você vai ter que pegar o telefone por mais R$ 52”. A conta já vai para R$ 80. Mesmo que vendesse a R$ 35, você é obrigado a comprar o telefone, porque ela não vende para quem não tem telefone.
Uma crítica que foi feita é a inclusão de Campinas, que tem 16,8% de penetração da banda larga. Para Campinas, com 1 milhão e 400 mil habitantes, é um acesso muito restrito, já que a média do Estado de São Paulo é 35%. Campinas está na metade da média de penetração de São Paulo, que é a maior do Brasil, uma penetração pífia no Estado. E, além do mais, não vamos vender só no centro da cidade, para a parte mais rica. Queremos que o provedor forneça o serviço nos grandes aglomerados urbanos de população de baixa renda. Nas cidades grandes, sabemos que a periferia não é atendida. É só ir, por exemplo, na Zona Leste de São Paulo.

HP – E quanto as críticas à velocidade prevista no Plano Nacional de Banda Larga? Apesar das teles fornecerem 10% da velocidade que está no contrato, elas...
Rogério Santanna – Não, nem 10%. Um para 35 ou 1 para 16 na melhor hipótese. Você obtém 10% de uma operadora na melhor hipótese, quando deveria ser na pior. Nós calculamos os 10% na pior hipótese - e eles calculam os 10% na melhor hipótese. De madrugada, ninguém na rede, sem nenhum evento no mundo retrancando, você consegue os seus 10%. Como o usuário não tem como controlar a qualidade...
Quando se diz que 512 kbps [kilobits por segundo] é muito ruim, eu duvido, porque 512 kbps, mesmo com 1 para 10, é bem melhor do que um mega que eles vendem por aí, com 1 para 35.

HP – Mesmo assim, 512 kbps, com um mínimo de um para dez, não é uma velocidade baixa?
Rogério Santanna – É suficiente para as principais aplicações. Na verdade, significa o seguinte: no pior horário da rede você vai ter 51 kbps. Você já deve ter feito um download e visto que às vezes a velocidade está em 2, 10, 9 kbps. Em casa, 51 kbps dá para fazer as principais aplicações, correio eletrônico, baixar música - e com qualidade.

HP – Com essa velocidade também é possível baixar filmes?
Rogério Santanna – Também. Nos filmes, as operadoras fazem uma outra coisa. Elas têm um software que opera o que eles chamam de “traffic shaping”. Eles descobrem que você está baixando um filme, pelo tipo de pacote que está passando na rede, e derrubam a sua conexão. Ai seu filme para, você tem que voltar lá de novo, continuar baixando no outro dia. Começam a degradar a sua conexão para não prejudicar o tráfego da rede delas. Pegam os usuários que estão baixando muito e diminuem a velocidade. Esta é uma rede não neutra, quando ela devia ser neutra.

HP – O que é uma rede neutra?
Rogério Santanna – Numa rede neutra, todos os pacotes são iguais perante a rede. É a democracia da rede. A rede não escolhe, dizendo que esse pacote não vai, a não ser por problema de natureza técnica. Mas ela não faz o que a operadora faz - ficar escutando o tráfego para saber qual tem que ser derrubado para melhorar a performance da sua rede. Com isso, você não consegue ter qualidade. Uma velocidade de 512 kbps sem “traffic shaping” é melhor do que o que elas estão oferecendo como 1 mega, bem melhor. Na verdade, a discussão está invertida. Aquele 1 mega é virtual. Ele nunca ocorre. Não há nenhum dia da rede em que você obtenha 1 mega. Não há esse caso.
O que nós estamos fazendo é oferecer uma rede neutra - e 512 kbps por R$ 35 não é o máximo da rede, é o mínimo. Se você quiser comprar 1 mega por R$ 50, o provedor vai poder vender. Hoje, o pacote médio de entrada disponível em qualquer operadora é 256 kbps por, em média, R$ 96. A metade da velocidade pelo triplo do preço.
Mas por que as operadoras não tem interesse que isso aconteça?
O que vai acontecer com as classes C, D e E já está acontecendo na comunidade da Rocinha, onde o governo Sérgio Cabral disponibilizou banda larga gratuita. O que fazem as pessoas que precisam falar com seus parentes no Nordeste? Usam o Skype, como os ricos usam para falar com os seus filhos que estão na Europa. Quanto se paga a uma operadora pelo serviço? Zero. Por isso elas não se interessam por esse negócio.
O que essa pessoa vai fazer? Tirar o telefone fixo, que é caro demais, e trocar por um telefone VoIP, que inclusive tem número. Então, o que querem as operadoras? Querem que a regulação proteja o seu mercado da concorrência. Quem diz isso é aquele semanário inglês de extrema esquerda, o “The Economist”, num artigo, traduzido pela Carta Capital, intitulado “Por estradas vicinais”: as operadoras são adversárias da universalização da banda larga, porque isso canibaliza a sua rentabilidade. Não vai haver universalização, a não ser que haja uma interferência externa. Esse é o papel reservado à Telebrás.

HP – Quantos Estados a Telebrás atingirá com a rede de fibras ópticas do Plano Nacional de Banda Larga?
Rogério Santanna – Todos, mas alguns, sobretudo os da região Norte, tais como Roraima, Amapá e o próprio Amazonas, dependem de algumas obras de hidrelétricas que estão sendo feitas na região, portanto, só serão atingidos plenamente no final do processo. Haverá algumas cidades em que teremos de fazer conexão por satélite, pois não há como chegar com fibras ópticas pelo menos nos próximos quatro ou cinco anos. Mas esse número deve diminuir bastante em relação a hoje. Com tudo o que nós temos, podemos cobrir 4.283 municípios em 4 anos. Nenhuma operadora cobre isso.
A partir da primeira fase, a expansão é definida pelo volume de dinheiro. Terminaríamos o ano que vem com 1.163 cidades, na pior hipótese.

HP – No momento atual, a produção nacional de cinema encontra-se praticamente excluída da TV por assinatura. Com o PNBL, será possível ter canais próprios na TV para a produção cultural nacional, ao invés de ficarmos reivindicando que ela entre nos pacotes das TVs sob controle das teles?
Rogério Santanna – O que nós estamos montando aqui é a parte burra do negócio, isto é, o tubo pelo qual passam as coisas - e eu não estou olhando nada do que passa. Mas o que projetamos é mais do que isso. Nós provamos o seguinte: só o “tubo burro” se paga. Mas o melhor de tudo não é o “tubo burro”, é o que vem depois.
O que é chave para a sociedade do futuro? Duas coisas importantes: armazenamento barato e banda larga - e uma plataforma nacional. Como o Google fez sua plataforma sem ter rede? Mas o Google está tratando de ter rede, porque agora, com tráfego demais, as operadoras estão querendo tirar parte do negócio dele, e ele depende delas, tem que negociar com elas.
Nós estamos começando pela rede independente e uma plataforma que vai incluir armazenamento, alguns terabytes, um armazenamento em disco de grande capacidade, em cada um dos meus 320 pops [pontos de presença: o local onde chega a rede, antes da “última milha”].
Essa é uma plataforma aberta. Com o Ginga [programa para a TV digital brasileira que permite aplicações independente do equipamento do usuário] vamos poder, em conjunto com os cineastas brasileiros, produzir uma plataforma para filmes, para a TV sobre IP. O assinante vai poder, da sua casa, numa caixinha que já existe no mercado, plugar e baixar, para assistir na televisão uma produção que está na web, sem problema nenhum. Mais do que isso, podemos colocar o conteúdo mais próximo do usuário final. De onde ele está baixando o seu filme? De Cacimbinhas. Vou colocar o conteúdo no pop mais perto de Cacimbinhas, ele não precisa andar pela rede inteira.
Isso vale para qualquer aplicação. Por exemplo, você faz o imposto de renda e no dia 31 as redes entopem, porque está todo mundo baixando o mesmo pacote. O que podemos fazer? Mandar esse pacote para os 300 pontos, e quando você entrar em algum ponto da rede e pedir o pacote, você não tem que vir até o Serpro para buscá-lo, você já consegue fazê-lo descer.
A mesma coisa em relação aos filmes e vídeos, e nós vamos poder criar um mercado para isso, com os produtores de conteúdo como parceiros estratégicos. A web democratizou a distribuição. Da mesma forma que hoje você escolhe ver um DVD, vai plugar a web na caixinha - e pronto, poderá baixar seu filme na TV. Hoje, você tem uma ditadura, na TV só pode assistir naquele horário. Se usarmos a tecnologia que nós desenvolvemos, pensaremos um projeto de IPTV no Brasil, incluindo os produtores, e fazer coisas que a TV atual não quer fazer.

HP – Como ficariam, nesse quadro, as TVs abertas?
Rogério Santanna - As TVs abertas deveriam enxergar na Telebrás a sua salvação, porque as teles, comprimidas porque a voz vai deixar de ser um negocio rentável, têm de achar um novo negócio. Qual é o novo negócio? Conteúdo. Vídeo. A choradeira é maluca, porque a convergência digital é mais ou menos como reforma agrária: todo mundo é a favor, mas que seja na terra dos outros, na minha, não.
No mundo das telecomunicações, quem não tiver conteúdo não sobreviverá. As teles estão tentando entrar no conteúdo das TVs. E as TVs estão vendendo acesso à Internet. Todos vão vender tudo - o que fará a diferença é o valor do conteúdo.
O que nós estamos construindo aqui é a convergência feita em rede. Não é uma empresa hierárquica que vai deter tudo, como é o caso da Telefônica e da Oi, que estão comprando outras operadoras. Nós vamos ter uma rede que articula todos esses pequenos operadores, provedores e produtores de conteúdo. Esse ambiente neutro vai ser o catalisador de um processo. Não viveremos de vender voz, viveremos de vender banda.
Nós temos conhecimento. Vamos juntar gente para produzir coisas novas. E contem com a Telebrás para ser a plataforma articuladora e para apostar na inovação. Nosso negócio aqui é ser um ambiente de inovação e difusão do conhecimento para o Brasil.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A privatização alucinada de Serra: liquidadas 109 empresas públicas

Serra, imediatamente após a posse de Fernando Henrique, tornou-se não apenas ministro do Planejamento como presidente do recém-criado Conselho Nacional de Desestatização (CND), que tinha a função de fazer a lista e preparar as estatais para serem privatizadas.
Cinco meses após a sua posse como chefe da privatização, Serra declarou: “Estamos fazendo todo o possível para privatizar em alta velocidade” (Veja, 03/05/1995). A matéria da “Veja” comemorava que Serra havia incluído na privatização as empresas de geração de energia elétrica – Furnas, Chesf, Eeletronorte, Eletrosul, etc. - que não foram, na maior parte, privatizadas, porque o apagão chegou antes, o que tornou inviável a entrega da maioria delas.
Porém, antes que isso acontecesse, foram privatizadas quatro geradoras: a CSDA (Centrais Elétricas Cachoeira Dourada), a GERASUL (Centrais Geradoras do Sul do Brasil), a Paranapanema e a Tietê.
Note-se que a gestão de Serra não se limitava às empresas federais – a política de privatização orquestrada por ele forçou a venda das estatais estaduais. No setor elétrico, além das geradoras mencionadas, foram privatizadas 20 distribuidoras: ESCELSA, Light, CERJ, COELBA, CEEE, Centro-Oeste, CPFL, ENERSUL, CEMAT, ENERGIPE, COSERN, COELCE, Eletropaulo, CELPA, Elektro, Bandeirante, CELB, CELPE, CEMAR, SAELPA.
A Eletrobrás e todas as suas subsidiárias restantes só foram retiradas da lista de privatização pelo governo Lula e sua ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, em 2004.
Serra, depois de tomar posse no governo de São Paulo, ainda tentaria privatizar o que restou da antiga CESP, em 2008, mas fracassou, diante da resistência do povo de São Paulo – no entanto, manteve a CESP como “privatizável” até fevereiro deste ano.
Em sua gestão como presidente do conselho de privatização do governo Fernando Henrique, depois das empresas de eletricidade, Serra acrescentou na lista (cf. BNDES, “Privatização – Histórico”) a Vale do Rio Doce, maior mineradora do mundo, na época já proprietária de 40 outras empresas e de incalculáveis reservas minerais. Diante de uma descoberta da empresa, Serra declarou, em fevereiro de 2006: “A descoberta dessa mina não altera em nada o processo de privatização” (Veja, 07/02/1996). A Vale foi vendida por US$ 3,2 bilhões, o correspondente, como nota o professor Diron Botelho, a quem devemos parte dessa pesquisa, a um semestre de seu lucro atual (o “valor de mercado” da Vale é US$ 196 bilhões!).
Sucintamente, eis o relato, feito pelos próprios funcionários que executavam a privatização, sobre o período em que Serra foi o seu chefe: “A partir de 1995 (…) maior prioridade é conferida à privatização. [Foi] praticamente concluída a privatização das estatais que atuam no segmento industrial. Inicia-se uma nova fase do PND [Programa Nacional de Desestatização], em que os serviços públicos são transferidos ao setor privado. A agenda inclui os setores de eletricidade (…) área de transporte e telecomunicações. Esta nova fase também é caracterizada pelo início do processo de desestatização de empresas estaduais, a cargo dos respectivos estados, ao qual o Governo Federal dá suporte” (cf. BNDES, “Privatização – Histórico”).
Assim, a privatização organizada por Serra estendeu-se até o fim do governo Fernando Henrique, em 2002.
Em 1995 e 1996, houve 19 empresas privatizadas. Em 1997 foi privatizada a Vale do Rio Doce, a Malha Nordeste da RFFSA, o terminal de containers do porto de Santos, o Banco Meridional do Brasil.
Em 1998, houve a escandalosa privatização das telecomunicações. Na área portuária: o Terminal de Contêineres do Porto de Sepetiba (Tecon 1) da Cia. Docas do Rio de Janeiro, o Cais de Paul e o Cais de Capuaba (Cia. Docas do Espírito Santo-CODESA), Terminal roll-on roll-off (CDRJ) e o Porto de Angra dos Reis (CDRJ). Além da Gerasul e da Malha Paulista da RFFSA.
Em 1999, a Datamec foi entregue à americana Unisys. O porto de Salvador (CODEBA) foi levado pela Wilport. Em São Paulo foram privatizadas: a Elektro, para os bucaneiros da Enron, a Paranapanema para a Duke Energy Corporation, a Tietê para a também americana AES.
Em 2000, o governo vende a maioria do capital total da Petrobrás na Bolsa de Nova Iorque, preparando a privatização da empresa – isto é, a passagem da maioria das ações ordinárias (com direito a voto) para o exterior, o que somente não se realiza devido à resistência interna. Mas o Banespa não tem a mesma sorte, e é passado para o Santander.
Em 2001, a Celpe passou para a espanhola Iberdrola, a Cemar para a Pensylvannia Power & Light e a Manaus Saneamento para a Lyonnaise des Eaux.
Esses são apenas alguns exemplos da ação de Serra na privatização. Realmente, ele fez todo o possível para privatizar em alta velocidade.
Nesta página, o leitor poderá ver o conjunto das estatais privatizadas devido à ação de Serra. Advertimos, apenas, que deve ainda estar faltando alguma que nos escapou. São tantas e de setores tão diversos que fazem inevitável alguma imperfeição.


C.L.


Estatais privatizadas no governo FHC/Serra

SETOR DE MINERAÇÃO
Companhia Vale do Rio Doce

A Companhia Vale do Rio Doce foi vendida por US$ 3,2 bilhões, valor correspondente ao lucro da empresa em apenas um semestre. Hoje o valor da empresa é de US$ 196 bilhões. Criada no governo de Getúlio Vargas, a mineradora foi alvo, em 1997, de uma das privatizações mais escandalosas do governo FHC/Serra

SETOR ELÉTRICO
Escelsa - vendida ao Citigroup
Light - vendida ao grupo francês e americano EDF/AES
Gerasul - vendida à empresa belga Tractesel
Enersul - vendida ao grupo Iven
Energipe - vendida ao grupo Cataguazes
Eletropaulo Metropolitana - vendida à americana AES
EBE-Empresa Bandeirante de Energia
Cesp-Paranapanema
Cesp - Tietê - vendida à empresa americana DUKE
CERJ
Coelba - vendida ao grupo espanhol Iberdrola
CEEE-Norte-NE - vendida ao Bradesco
CEEE-Centro Oeste - vendida AES
CPFL - vendida ao Bradesco
Cemat - vendida a Inepar
Cosern - vendida ao grupo espanhol Iberdrola
Coelce - vendida a Enersys
Celpa - vendida a Inepar
Elektro - vendida à empresa americana Enron
Celpe - vendida ao grupo espanhol Iberdrola
Cemar - vendida à americano Ulem Mannegement Company
Saelpa
CSDA (Centrais Elétricas Cachoeira Dourada)

SETOR FERROVIÁRIO
Ferroeste
RFFSA - Malha Centro-Leste
RFFSA - Malha Oeste
RFFSA - Malha Sudeste
RFFSA - Malha Sul
RFFSA - Malha Tereza Cristina
RFFSA - Malha Nordeste
RFFSA - Malha Paulista
Flumitrens - vendido a CAF

SETOR QUÍMICO E PETROQUÍMICO
Salgema - vendida à Copene
CBP
Copene
CPC
CQR
Nitrocarbono
Pronor
EDN
Koppol
Polibrasil
Polipropileno
Deten

SETOR PORTUÁRIO
Tecon 1 - Terminal de Contêineres do Porto
de Sepetiba da Cia. Docas do RJ
Cais de Paul e Cais de Capuaba (Docas
do Espírito Santos-Codesa)
CDRJ - Terminal roll-on roll-of
CDRJ - Porto de Angra dos Reis

SETOR DE GÁS
Comgás - vendida à britânica British Gas/Shell
Gás Noroeste - SP
CEG - vendida a Enron
Riogás - vendida a Enron
Gás Sul

SETOR DE TELECOMUNICAÇÃO
CETERP - Telefónica
CRT - Telefónica - Daniel Dantas/TI
CTBC - Telefónica
CTMR - Daniel Dantas/TI
EMBRATEL - MCI World Com
TELAIMA - Grupo Jereissati
TELAMAZON - Grupo Jereissati
TELASA - Grupo Jereissati
TELEACRE - Daniel Dantas/TI
TELEAMAPÁ - Grupo Jereissati
TELEBAHIA - Grupo Jereissati
TELEBRASÍLIA - Daniel Dantas/TI
TELECEARÁ - Grupo Jereissati
TELESC - Daniel Dantas/TI
TELEGOIÁS - Daniel Dantas/TI
TELEMAT - Daniel Dantas/TI
TELEMIG - Grupo Jereissati
TELEMS - Daniel Dantas/TI
TELEPAR - Daniel Dantas/TI
TELEPARÁ - Grupo Jereissati
TELEPISA - Grupo Jereissati
TELERGIPE - Grupo Jereissati
TELERJ - Grupo Jereissati
TELERN - Grupo Jereissati
TELERON - Daniel Dantas/TI
TELESP - Telefónica
TELEST - Grupo Jereissati
TELMA - Grupo Jereissati
TELPA - Grupo Jereissati
TELPE - Grupo Jereissati
CPqD
Telesp Celular - vendida a Portugal telecom
Tele Sudeste Celular - Telefónica de España
Telemig Celular - Daniel Dantas
Tele Celular Sul - Globo-Bradesco/TI
Tele Nordeste Celular - Globo-Bradesco/TI
Tele Leste Celular - Iberdrola
Tele Centro Oeste Celular - Splice
Tele Norte Celular - Daniel Dantas

SETOR FINANCEIRO
Banestado - vendido ao Itaú
Banco Meridional do Brasil
Beg
BEA
Credireal
Banerj - vendido ao Itaú
Bemge - vendido ao Itaú
Bandepe - vendido ao ABN
Baneb - vendido ao Bradesco
Paraiban

OUTROS SETORES
Datamec – vendida à americana Unisys
Cia. União de Seguros Gerais
Metrô
Conerj – CIA. de Navegação do Estado do RJ
Terminal Garagem Menezes Cortes
Manaus Saneamento - vend. a Suez Lyommaise

Matéria da revista “Veja” de 03/05/1995, quando o ministro do
governo FHC era o chefe do programa de privatização. Serra:
“Estamos fazendo todo o possível para privatizar em alta velocidade”

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

ALMIR GABRIEL DECLARA VOTO A ANA JULIA 13


Almir critica Jatene em discurso pró-Ana Júlia
Anivaldo Vale, Almir Gabriel e Ana Júlia (Foto: Davis Alves)

Começou por volta de 12h30, desta sexta-feira (15), no hotel Crowne Plaza, em Belém, a coletiva de imprensa convocada pela candidata da coligação Acelera Pará , Ana Júlia Carepa (PT), para anunciar o apoio do ex-tucano Almir Gabriel, a candidatura da petista.



Em seu discurso, Almir Gabriel confirmou o apoio à Ana Júlia e criticou o candidato do PSDB, Simão Jatene. "Ana nós não somos adversários. Nós dois lutamos pelo povo do Pará. O Jatene é preguiçoso e tem que ir para cada dele dormir, deixando a Ana Júlia trabalhar pelo povo paraense", diz Almir Gabriel.



A candidata Ana Júlia, ressalta que ela e o Almir Gabriel tem algo em comum, que é a luta pelo desenvolvimento do Pará. "Acredito que o povo do paraense está acima de qualquer diferença que possa existir", diz Ana Júlia para Almir

Oração ao Anjo da Guarda


Inseparável companheiro meu, que fostes destinado a acompanhar-me, segundo a vontade de Deus, na jornada da vida terrena.

Meu fiel protetor, dou-te muitas graças por me seguires instantemente,
livrando-me de todos os perigos e tentações do mundo!

Preserva-me do pecado e da desgraça, coloca-me no caminho do céu e apresenta ao Supremo Criador e Pai as minhas obras meritórias, as minhas orações, os meus sofrimentos e aflições e faze que na Santíssima Graça eu passe desta à vida eterna!

Assim seja!

———

Santo Anjo do Senhor
Meu zeloso guardador
Já que a ti me confiou a piedade divina,
Sempre me rege, guarde, governe, ilumine

ORAÇÃO PARA OS INIMIGOS

Você que me fez padecer na Terra;
que foi cruel e malévolo para comigo; que me humilhou e afligiu;
você, cuja má fé,tantas vezes me acarretou duras privações…

Não somente te perdôo, mas até te agradeço…
Intencionando me fazer mal,
não suspeitavas do bem que esse mal me proporcionaria…

É verdade, portanto, que a você devo grande parte da felicidade que tenho,
uma vez que me facultastes ocasião para perdoar e pagar o mal com o bem…

DEUS te colocou em meu caminho para aferir a minha paciência,
exercitando-me na prática da mais difícil caridade: a de amar os inimigos.

Por que Respeitar a Religião do Próximo

As Religiões, por definição, buscam religar o ser
humano com sua Fonte Una, Pai Celestial, Deus ou qualquer outro nome que seja
oportuno; enquanto a Ciência tem demonstrado a mútua conversibilidade da
energia e da matéria, particularmente depois dos trabalhos no século XX do Dr.
Albert Einstein, que era um cientista místico. Portanto, é anacrônico
denominar-se materialista no século XXI, uma vez que a própria Ciência descreve
o Universo como se fosse um grande oceano de energia com diversos graus de
condensação, confirmando as diversas escrituras religiosas que mencionam que no
princípio tudo era Verbo (energia sonora) ou Luz (energia eletromagnética), que
poderia chamar-se de uma energia primordial onipresente ou essencial.



É fundamental, pois, que as diversas Religiões conduzam ao convívio tolerante e pacífico na
busca dessa essência ou unidade primordial, que somente a ignorância e a
superstição na mente dos seres humanos podem obscurecer. Dessa forma, como reza
a constituição da UNESCO: “uma vez que a guerra começa na mente dos homens, é
na mente dos homens que as defesas de paz devem ser construídas.”



Nada pode ser mais contraditório, portanto, do que as Religiões causarem guerra ou separação
entre os seres humanos, quando deveriam religá-los com a Luz da Unidade, como
dizia Krishnamurti em Aos Pés do Mestre
(Ed. Teosófica): “Muitos crimes os homens cometeram em nome do Deus de Amor,
movidos por este pesadelo da superstição; cuida muito, pois, para que dela não
reste em ti o menor vestígio.”(p. 92) “Deves sentir perfeita tolerância por todos e um sincero
interesse pelas crenças daqueles de outra religião, tanto quanto pela tua
própria. Porque a religião dos outros é um caminho para o Supremo, da mesma
forma que a tua. E para auxiliar a todos deves a todos compreender.”

O escândalo tucano do petróleo e a tentativa de privatizar a Petrobrás

A publicação de um extrato do livro “O Brasil privatizado”, de Aloysio Biondi, fez sucesso entre nossos leitores. Recebemos vários pedidos para que continuássemos a publicar os textos de Biondi sobre os anos em que Fernando Henrique e Serra devastaram o país. Por várias razões, recomendamos a estes leitores que recorressem à biblioteca digital da Fundação Perseu Abramo, onde poderão encontrar o livro de Biondi.
No entanto, depois que Serra e outros tucanos saíram, quase aos berros, para negar seus planos de privatizar o pré-sal e para negar que tenham tentado privatizar a Petrobrás, resolvemos republicar os trechos de “O Brasil privatizado” sobre a ação lesa-pátria do governo Fernando Henrique, com seu ministro do Planejamento, José Serra, na área do petróleo.
Na época, o pré-sal ainda não fora descoberto. Mas o que eles fizeram nas áreas em que a Petrobrás, até então, explorava petróleo é suficiente para que tenhamos uma ideia de quais são os planos dessa quadrilha – não conseguimos encontrar termo mais adequado – para o pré-sal.
Há algo que Biondi ressalta: como aquele governo impediu o Brasil de chegar à autossuficiência petrolífera. O autor, falecido no ano 2000, infelizmente, não pôde ver o Brasil atingindo a autossuficiência – em abril de 2006, quando a produção superou o consumo pela primeira vez na História do Brasil. Mas, para se atingir esta meta, foi necessário afastar o bando que estava no poder quando Biondi escreveu seu livro, derrotar Serra e eleger o presidente Lula.
O principal conselheiro de Serra para a área energética, David Zylbersztajn, declarou-se, há alguns dias, favorável à privatização do pré-sal. Denunciado por Dilma Rousseff, disse que era “apenas” a favor de manter o regime de concessões – a criminosa lei do petróleo de Fernando Henrique – no pré-sal. Razão, evidentemente, tem o atual presidente da Petrobrás, Sergio Gabrielli: manter as concessões às multinacionais no pré-sal (uma área onde, inclusive, inexiste o risco de não achar petróleo) é exatamente o mesmo que privatizá-lo.
Nos trechos que hoje reproduzimos, Biondi aborda a então “nova” lei do petróleo. Por exemplo: “com base na nova lei, a Petrobrás foi obrigada a entregar todos os estudos e relatórios de pesquisas que ela fez sobre as possíveis jazidas de petróleo no Brasil. Estudos e pesquisas de décadas, que custaram dezenas e dezenas de bilhões de reais à Petrobrás, isto é, ao povo brasileiro. E que foram entregues à Agência Nacional do Petróleo de graça, com um único objetivo: serem vendidos às empresas interessadas em participar das concorrências. O preço cobrado pela Agência? De novo, parece incrível: apenas 300 mil reais por todo o “pacote” de pesquisas que custaram bilhões de reais ao Brasil. Isso mesmo, 300 mil reais. E tem mais: as empresas que quiserem comprar os estudos relativos apenas a uma região do país poderão pagar uns 20 mil, 30 mil reais, qualquer trocadinho por eles”.
Estava em curso um processo de privatização da Petrobrás, já esquartejada em 40 partes, para ser vendida aos pedaços. O depravado Zylbersztajn (que, em 1998, quando tomou posse na Agência Nacional do Petróleo, disse, em seu discurso, aos representantes das multinacionais: “o petróleo é vosso!”) também aparece no livro de Biondi - prometendo vender as refinarias da Petrobrás.


C.L.


ALOYSIO BIONDI

A Petrobrás, mesmo em fases de grave turbulência da economia brasileira, consegue facilmente empréstimos externos. O governo é que a tem impedido de recorrer a essas fontes para acelerar a produção de petróleo; portanto, não é por sua culpa que o Brasil não é auto-suficiente em petróleo até hoje, argumento desonestamente utilizado para abrir caminho à privatização da Petrobrás na surdina, operação já em andamento (veja mais à frente).

De tão manipuladas, chegam a ser revoltantes as críticas à Petrobrás e aos preços da gasolina no Brasil, “os mais altos do mundo”, como berram erradamente os críticos. Nunca se diz à população que, ao longo dos anos, a Petrobrás sempre teve direito a uma parcela mínima sobre o preço do litro de gasolina e de outros produtos, com a maior parcela sendo representada por impostos, taxas e, em determinados períodos, até por uma fatia para “baratear o álcool”. Para se ter uma idéia da realidade: em outros países, a margem (porcentagem) de lucro das distribuidoras é três vezes maior do que a recebida pela Petrobrás, que se limitava a 9 centavos por litro, quando o litro da gasolina estava a 59 centavos.

A Petrobrás descobriu na bacia de Campos uma jazida submarina de petróleo responsável por poços capazes de produzir, cada um, o volume fantástico de 10 mil barris por dia. O campo de Marlim, como é chamado, produz hoje 240 mil barris de petróleo por dia, ou 20% de toda a produção nacional. Para chegar a esses resultados fantásticos, a Petrobrás já gastou a quantia também fabulosa de 2,6 bilhões de dólares. Agora, a estatal deseja investir mais dinheiro no campo, para chegar à produção local de 500 mil barris/dia. Serão mais 2,3 bilhões de reais, totalizando, portanto, 4,9 bilhões de reais ou, arredondados, 5 bilhões de reais, aplicados em Marlim. No entanto, depois que a Petrobrás, isto é, o povo brasileiro, que é seu verdadeiro dono, caminha para gastar 5 bilhões de reais na região, o governo FHC ordenou que a estatal convide grupos privados para participar dos “gastos” no projeto – e, é claro, também dos lucros bilionários que eles proporcionarão.

Quanto os sacrificados “sócios” vão precisar desembolsar? A cifra espantosamente baixa de 140 milhões de reais. Se forem mesmo 20 “sócios”, como previsto, cada um aplicará 7 milhões – e ficará sócio de um projeto que terá custado 5 bilhões de reais à sociedade brasileira. Um negócio escandalosamente escandaloso. Qual o argumento do governo para adotar essa fórmula? Segundo o BNDES, em seu boletim Informe BNDES de fevereiro último, o governo cortou o orçamento da Petrobrás em 1 bilhão de reais em 1999 e, para não prejudicar “as metas de aumento da produção de petróleo”, era “necessário que parte dos investimentos inicialmente previstos com recursos da própria Petrobrás fosse realizado pela iniciativa privada”... Atenção: o fato de os “acionistas” desembolsarem apenas 140 milhões de reais para participar do projeto não significa que eles terão uma participação pequena, proporcional ao seu investimento, nos lucros de Marlim. Não. Eles terão praticamente 30% ou um terço dos lucros. Por quê? Como assim? O BNDES formou uma espécie de empresa, chamada Sociedade de Propósito Especial, com um capital de 200 milhões de reais, dos quais 140 milhões dos tais “sócios” e 60 milhões do próprio BNDES.

Essa empresa foi criada apenas para pedir um empréstimo especial, no exterior, de 1,3 bilhão de reais, para ser aplicado no campo de Marlim. Quer dizer: os “sócios” foram chamados somente para tomar dinheiro emprestado – que a própria Petrobrás conseguiria facilmente no exterior. E com esse dinheiro emprestado vão aplicar 1,3 bilhão de reais, mais os 140 milhões de seu “capital” – isto é, o total de 1,44 bilhão, equivalente a menos de um terço dos gastos de 5 bilhões de reais – e ter, portanto, direito àquela participação de 30% nos lucros. Uma calamidade. A fórmula escolhida para o campo de Marlim, com sócios “páraquedistas” engolindo lucros de bilhões que seriam da nação, é apenas uma das operações que o governo vem realizando para privatizar a Petrobrás de forma silenciosa, sem reação da opinião pública.

O governo FHC fez uma promessa para conseguir que o Congresso Nacional aprovasse a nova lei que acabou com o monopólio estatal na exploração do petróleo, em 1997. Assegurou que a Petrobrás não seria privatizada; assim, outras empresas poderiam procurar e explorar petróleo, bem como participar de todas as atividades do setor (refino, distribuição etc.) como concorrentes, mantendo-se a existência da estatal. Graças a manobras dos deputados e senadores governistas, no entanto, foi aprovado um substitutivo ao projeto original que, segundo críticas feitas pelos oposicionistas na época, abriu as portas para a privatização silenciosa da Petrobrás. Como? A nova lei permitiu que todo e qualquer setor de atividades da Petrobrás possa ser “roubado” da empresa e vendido a grupos privados. Por exemplo: o governo pode criar uma empresa “nova” somente para ser dona das refinarias da Petrobrás, ficando portanto com o setor de refino. E, em seguida, vender a empresa. A mesma coisa poderia ser feita – nova empresa e venda – para a exploração de gás. Ou para os oleodutos e gasodutos. Ou para a própria exploração de petróleo. Em resumo: no final de algum tempo, todas as atividades da Petrobrás já não existiriam. Ela seria uma empresa existente apenas no papel. Uma empresa “casca de ovo”, como dizem os especialistas.

Os temores dos críticos, como a Associação dos Engenheiros da Petrobrás, estão sendo confirmados com o “esvaziamento” da Petrobrás – sem que a opinião pública perceba:

• DISTRIBUIÇÃO – nessa área, já não havia monopólio, isto é, empresas privadas como a Shell participam da venda ao consumidor há décadas. Ainda assim, o ministro das Minas e Energia anunciou recentemente que o governo “talvez” venda parte dos postos da Petrobrás. Motivo? A Petrobrás Distribuidora é responsável por um terço do abastecimento de combustíveis do país, posição que conquistou, frise-se, apesar da concorrência. Isso, diz o governo, seria um “exagero”. No mundo todo há fusões gigantescas nessa área, ganhando manchetes. E justamente um ministro de um governo que defende uma política de concentração de empresas, financiando certos grupos, vem com a justificativa contraditória de vender parte da Petrobrás Distribuidora para “evitar” seu gigantismo...

• REFINARIAS – o presidente da Agência Nacional de Petróleo, David Zylbersztajn, também anunciou que “talvez” a Petrobrás venda algumas de suas refinarias...

Ainda, acredite-se...

Com base na nova lei, o governo FHC já providenciou “parcerias” para a Petrobrás, isto é, sócios estrangeiros e nacionais que passarão a investir, junto com a empresa estatal, em pesquisa e exploração de campos de petróleo.

E, para completar, o governo FHC também “tomou” da Petrobrás áreas em que ela havia descoberto petróleo, ou indícios de petróleo, para entregá-las a empresas nacionais ou multinacionais, por meio de licitações (concorrências). Parece incrível, mas é verdade: com base na nova lei, a Petrobrás foi obrigada a entregar todos os estudos e relatórios de pesquisas que ela fez sobre as possíveis jazidas de petróleo no Brasil. Estudos e pesquisas de décadas, que custaram dezenas e dezenas de bilhões de reais à Petrobrás, isto é, ao povo brasileiro. E que foram entregues à Agência Nacional de Petróleo de graça, com um único objetivo: serem vendidos às empresas interessadas em participar das concorrências. O preço cobrado pela Agência? De novo, parece incrível: apenas 300 mil reais por todo o “pacote” de pesquisas que custaram bilhões de reais ao Brasil. Isso mesmo, 300 mil reais. E tem mais: as empresas que quiserem comprar os estudos relativos apenas a uma região do país poderão pagar uns 20 mil, 30 mil reais, qualquer trocadinho por eles. Um assalto, literalmente, contra os contribuintes e cidadãos brasileiros, que pagaram as pesquisas da Petrobrás ao longo de décadas.

Detalhe final, que retrata o comportamento do governo FHC e seus aliados no Congresso: há empresas multinacionais que também estudaram o subsolo brasileiro, na década de 1970, como participantes dos contratos de risco do governo Geisel. A nova lei, financiando certos grupos, vem com a justificativa contraditória de vender parte da Petrobrás Distribuidora para “evitar” seu gigantismo...


GOLPE FINAL


O governo abriu licitações para a exploração de petróleo em várias áreas do país. As empresas interessadas devem fazer um “lance”, uma proposta inicial. Qual foi o lance? Quantos milhões? Quantos bilhões? Ora, por quem sois. As empresas ofereceram de 50 mil a 150 mil reais pelo petróleo que o governo FHC está leiloando. O Brasil vai se vender por 50 mil reais.


PERGUNTINHA



Se o governo diz que a Petrobrás precisa de mais dinheiro para acelerar as pesquisas, por que não aumenta o seu capital, vendendo ações a toda a população – seguindo o exemplo da Inglaterra de Thatcher, ou da Itália, ou da França? Por que chama meia dúzia de grupos privilegiados para serem sócios em projetos bilionários em que toda a sociedade investiu?


BNDES


Numa sexta-feira, cinco dias antes do leilão de “privatização” da Cemig, empresa de energia de Minas Gerais, o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou um decreto revolucionário. Por ele, o BNDES ficou “autorizado” a – leia-se “recebeu ordens para”– conceder empréstimos também a grupos estrangeiros.

Reviravolta histórica – e inconcebível. Criado para dar apoio ao desenvolvimento nacional, o banco estatal se concentrou inicialmente no financiamento a projetos de infra-estrutura e, posteriormente, como instrumento de política industrial, recebeu a incumbência de criar condições de competição para grupos nacionais. Para cumprir esse papel, o BNDES estava proibido por lei de financiar empresas estrangeiras. O decreto presidencial de 24 de maio de 1997 escancarou os cofres do BNDES às multinacionais, para que comprassem estatais. Isso ao mesmo tempo que o banco continuava proibido de conceder empréstimos exatamente às estatais brasileiras, incumbidas dos setores de infra-estrutura e básicos. Na quarta-feira seguinte, um grupo norte-americano comprou um bloco de um terço das ações da Cemig por 2 bilhões de reais, com metade desse valor financiado pelo BNDES. Pois é.
A submissão do governo brasileiro aos interesses de outros países culminou com esse “arrombamento” do BNDES pelas multinacionais. Mas essa submissão estava presente no processo de privatizações há muito tempo – sempre com imensos prejuízos aos interesses do país. Exemplos:
• ENERGIA ELÉTRICA – às vésperas do leilão da Light, o governo brasileiro cedeu a uma série de pressões dos “compradores” em potencial. Coube a Elena Landau, diretora de desestatização do BNDES, e posteriormente diretora de um banco estrangeiro, anunciá-las na linguagem complicada de sempre, para evitar que a opinião pública se apercebesse da gravidade das decisões.

a) Tarifas – enquanto dizia que as tarifas seriam reduzidas para beneficiar o consumidor, o governo já havia concordado em reajustá-las todos os anos, de acordo com a inflação medida pelo IGP-DI (isto é, o governo concedeu reajustes automáticos, indexou). Prazo previsto para essa indexação durar: cinco anos. Prazo anunciado por Elena Landau: oito anos. Mais três anos de reajuste automático.

b) Tecnologia – foi concedida “liberdade” para os compradores adotarem a tecnologia que bem entendessem. Em bom português, o que isso significava realmente? Tecnologia é sinônimo de equipamento. Então, o que o governo deu foi liberdade para a Light e outros futuros “compradores” adotarem tecnologia de suas matrizes, fornecida, é óbvio, pelas fábricas de seus países de origem.
Essa concessão trouxe a conseqüência previsível: as empresas “privatizadas” passaram a importar maciçamente equipamentos, peças, componentes. “Quebraram” a indústria nacional. E “torraram” dólares, contribuindo para a crise futura do real.

c) Endividamento – outra “liberdade” concedida aos compradores: decidirem livremente os meios de financiar seus investimentos futuros, isto é, desapareceu a exigência de que as multinacionais trouxessem capital próprio para aplicar no país. Elas puderam recorrer a empréstimos no mercado mundial, aumentando o endividamento e o pagamento de juros pelo Brasil. Outro fator de derrocada do real.

d) Passa-moleque – finalmente, a senhora Elena Landau foi incumbida de noticiar, também, que o governo havia abandonado o modelo que sempre divulgara para a privatização das empresas de energia. Até então, assegurava-se – inclusive ao Congresso Nacional – que o governo participaria ativamente da gestão da administração das empresas privatizadas. A reviravolta: o governo desistia de ser co-gestor, para concentrar-se no papel de fiscalizador do setor. Autonomia total para as multinacionais agirem de acordo com seus interesses. E de seus países.

e) Quem manda no país – com as privatizações, o governo poderia até extinguir o Ministério da Energia, pois ele perdeu qualquer função. Como assim? Também inacreditavelmente, toda a política energética do Brasil passou a ser decidida por uma espécie de “condomínio”, como diz o governo, formado pelas empresas de energia agora privatizadas, ou “operadoras”... Seu nome? Operador do Sistema Nacional – OSN. Um “condomínio” que, ao contrário do que os brasileiros pensam, não ficou responsável apenas pelo sistema de transmissão de energia, e do qual a opinião pública veio a tomar conhecimento por causa do “apagão” de março de 1999. Seus poderes são totais: o “condomínio” de operadoras substituiu o governo e passou a decidir onde, quando e como devem ser construídas usinas, quais as regiões prioritárias etc. O problema de tarifas e qualidade de serviços ficou com a Agência de Energia Elétrica, do governo. O resto, com a OSN, das operadoras. Para que Ministério? O governo não manda mais nada mesmo. Nem governa mais.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Como estrelei nas loucuras de 1929

O texto econômico que apresentamos hoje, nesta página, é de Marx – não o grande Karl, mas o grande Groucho Marx, o mais conhecido dos Irmãos Marx (Harpo, Chico, Groucho, e, no começo, também Zeppo e Gummo, os irmãos mais jovens).
Em 1929, antes da hecatombe, a especulação era mais simples do que hoje. Esses gênios financeiros, sempre experts na arte de tapear o próximo, ainda não haviam inventado os derivativos – e, por isso, quem queria especular não precisava saber o que é um credit default swap (CDS) ou uma collateralized debt obligation (CDO). Bem... na verdade também hoje ninguém sabe o que é isso, nem mesmo os seus promotores: James Cayne, o troglodita que foi manda-chuva do Bear Stearns - quinto banco “de investimento” (ou seja, especulativo) de Wall Street até sua quebra, em 2008 - nunca soube o que significava nenhuma dessas expressões, apesar de vender pacotes desses papéis aos bilhões para sua clientela de patos. Aliás, ele mesmo era um deles, comprando milhões de dólares dessa papelada, sem interessar-se pelo significado dos seus nomes – até porque, em verdade, com exceção do sr. Meirelles e seu “swap reverso”, ninguém acha que eles têm algum significado.
Dizem que somente os executivos do Goldman Sachs é que vendiam essa porcaria sem jamais comprá-la. O Goldman Sachs, como o leitor verá, já aparece citado por Groucho em 1929 – e, certamente, não por seus méritos humanitários.
Naquela época as coisas eram realmente mais simples - os papéis negociados eram meramente ações de empresas – e nem por isso a vigarice deixava de ser a mesma, levando ao mesmo desastre.
Os Irmãos Marx filmaram “Cocoanuts” (“No Hotel da Fuzarca”) exatamente em 1929. Por isso, Groucho cita várias vezes o filme em seu texto. Mas, prolongar esta introdução seria fazer o leitor perder tempo – o texto é um dos capítulos das memórias de Groucho, publicadas em 1951, e em 1991 no Brasil: “Groucho e Eu”, Marco Zero, trad. Maria José Silveira, págs. 161-169.


C.L.


GROUCHO MARX

Logo um negócio muito mais quente do que o show business atraiu mina atenção, e a atenção de todo o país. Era uma pequena coisa chamada Bolsa de Valores. Tomei conhecimento dela pela primeira vez em 1926. Foi uma agradável surpresa descobrir que eu era um negociante astuto. Ou pelo menos assim parecia, pois tudo que eu comprava subia. Eu não tinha um assessor financeiro. Quem precisava disso? Você podia fechar os olhos, colocar o dedo em qualquer lugar do grande quadro, e as ações que você acabava de comprar começavam a subir. Eu nunca realizava os lucros. Parecia um absurdo vender uma ação por trinta quando você sabia que ela podia duplicar ou triplicar em um ano.


Meu salário em Cocoanuts era cerca de dois mil por semana, mas isto era uma ninharia comparado com a papa fina que eu teoricamente estava ganhando em Wall Street. Entenda, eu gostava de fazer o espetáculo, mas estava muito pouco interessado no salário. Eu pegava dicas sobre o mercado de ações com todo mundo. É difícil acreditar hoje, mas incidentes como o que vou contar eram muito comuns naquele tempo.
Eu estava no elevador do Copley Plaza Hotel. O ascensorista me reconheceu e disse:
- Sabe, Sr. Marx, havia dois caras aqui agorinha. Gente muito importante. Eles estavam usando jaquetões com cravos na lapela. Estavam falando sobre o mercado de ações e, pode acreditar, irmão, pareciam saber muito bem do que estavam falando. Eles não sabiam que eu estava escutando, mas quando estou dirigindo este elevador, sempre fico de ouvido em pé. Não vou ficar a vida inteira para cima e para baixo numa caixa dessas! Enfim – ele continuou, – escutei um desses caras dizer para o outro: “Ponha todo o dinheiro que você possa conseguir na United Corporation”.
- Qual era o nome dessa ação? – perguntei.
Ele me dirigiu um olhar de desprezo.
- Qual é o problema, irmão. Seu ouvido não está funcionando bem? Eu já falei. O homem disse United Corporation.
Eu lhe dei cinco dólares e corri para o quarto de Harpo. Imediatamente o informei sobre essa mina de ouro em potencial que encontrara no elevador. Harpo estava acabando seu café da manhã e ainda estava de roupão.
- Tem um escritório de corretagem no saguão deste hotel – ele disse. – Espere eu me vestir e nós vamos lá em baixo e pegamos essas ações antes que a notícia se espalhe.
- Harpo, você ficou maluco? Se esperarmos até você trocar de roupa as ações podem subir uns dez pontos!
Assim, eu com meus trajes de passeio e Harpo com seu roupão corremos pelo saguão até o escritório de corretagem e rapidamente abocanhamos ações da United Corporation no valor de cento e sessenta mil dólares, com uma margem de vinte e cinco por cento.
Para os poucos sortudos que não se arruinaram em 29 e não conhecem Wall Street, deixe-me explicar o que significa uma margem de vinte e cinco por cento. Se você comprou, por exemplo, ações no valor de oitenta mil dólares, só tinha que pagar vinte mil dólares em dinheiro. O resto você ficava devendo ao corretor. Era como roubar dinheiro.
Uma quarta-feira de manhã na Broadway, Chico encontrou um palpiteiro de Wall Street, que lhe falou em segredo:
- Chico, acabei de vir de Wall Street e todo mundo por lá só está falando da Anaconda Copper. Estão vendendo a cento e trinta e oito dólares a ação e corre o rumor de que vai subir para quinhentos! Pegue antes que seja tarde demais! É uma barbada.
Chico, um conhecido amante do jogo, imediatamente correu até o teatro com as notícias dessa mina. Era um dia de matinê e atrasamos o espetáculo por trinta minutos até que nosso corretor finalmente nos assegurou que tinha tido a sorte de conseguir seiscentas ações. Estávamos extasiados. Harpo e eu éramos, cada um, os orgulhosos proprietários de duzentas ações desses títulos mais garantidos. Até o corretor nos cumprimentou. Ele disse:
- Não é sempre que alguém toma conta de uma companhia como a Anaconda.

O mercado subia, subia, subia. Quando estávamos nos apresentando em outras cidades, Max Gordon, o produtor de teatro me chamava toda manhã de Nova Iorque, pelo interurbano, para dar a cotação do mercado e suas predições para o dia. Seu prognóstico nunca variava. Estava sempre “subindo, subindo, subindo”. Até essa época eu não imaginava que pudesse ficar rico sem trabalhar.
Max me chamou uma manhã e me disse para comprar ações da Auburn. Era uma companhia de automóveis, agora já falecida.
- Marx – ele disse, – este é um jogo rápido. Vai pular que nem um canguru. Compre logo antes que seja tarde.
Como um adendo, acrescentou:
- Por que você não sai de Cocoanuts e esquece essa mixaria de dois mil dólares por semana que está ganhando? Isso é uma bagatela. Do jeito que você está administrando suas finanças, eu diria que você pode fazer muito mais dinheiro sentado num escritório de corretagem do que se matando em oito apresentações por semana na Broadway.
- Max – respondi, – não há dúvida de que seu conselho é sério. Mas afinal tenho algumas obrigações para com Kaufman, Ryskind, Irving Berlin e meu produtor, Sam Harris.
O que eu não sabia na época era que Kaufman, Ryskind, Berlin e Harris também estavam comprando na margem e que seus assessores financeiros acabariam por deixá-los “limpos” (o que foi certamente uma boa piada pra cima deles!). Enfim, a conselho de Marx imediatamente chamei meu corretor e o instruí para comprar quinhentas ações da Auburn Motor Company.


Algumas semanas mais tarde, eu estava passeando pelo campo de golfe, no Country Clube, com o Sr. Gordon. Um grande e caro charuto Havana estava pendurado nos seus lábios. Tudo estava certo no mundo e o céu estava nos olhos de Marx (junto com alguns cifrões). Justamente no dia anterior a Auburn tinha pulado trinta e oito pontos. Me virei para meu parceiro de golfe e disse:
- Marx, há quanto tempo isto vem deste jeito?
Marx respondeu tomando emprestado um verso de Al Jolson:
- Irmão, você ainda não viu nada!
A coisa mais surpreendente do mercado de 29 era que ninguém nunca vendia uma ação. O público apenas continuava comprando. Um dia, um tanto timidamente, perguntei a meu corretor em Great Neck sobre esse fenômeno especulativo.
- Não sei muita coisa sobre Wall Street – comecei me desculpando, – mas o que faz essas ações continuarem subindo? Não deveria haver alguma relação entre os lucros de uma companhia, seus dividendos e o preço de venda das ações?
Por sobre minha cabeça ele olhou para uma nova vítima que acabava de entrar no escritório, e disse:
- Sr. Marx, o senhor tem muito o que aprender sobre o mercado de ações. O que o senhor não sabe sobre títulos daria para encher um livro.
- Escute, meu bom homem – respondi, – vim aqui à procura de conselho. Se você não pode controlar sua língua de forma civilizada, arranjarei outro lugar para fazer meus negócios! E então, o que você estava dizendo?
Adequadamente repreendido e bastante intimidado, ele respondeu:
- Sr. Marx, o senhor pode não ter percebido, mas este já não é mais um mercado nacional. Estamos agora no mercado mundial. Estamos recebendo ordens de compra de todos os países da Europa, América do Sul e até do Oriente. Hoje mesmo de manhã já recebemos ordens do Industão para comprar mil ações dos Encanamentos Crane.
Um tanto cauteloso, perguntei:
- Você acha que esta é uma boa compra?
- Excelente – ele respondeu. – Se há uma coisa que todos nós temos que usar é encanamento.
(Eu poderia pensar em algumas outras coisas, mas não tenho certeza se estavam listadas na Bolsa).
- Isto é ridículo – eu disse. – Tenho alguns amigos índios em Dakota do Sul que não usam nenhum encanamento. (Ri com vontade da minha gracinha, mas ele não, portanto continuei). Você diz que eles estão enviando ordens de compra dos Encanamentos Crane, do Industão? Hummm. Se eles estão usando canos lá no longínquo Industão, devem estar sabendo de alguma coisa quente. Compre umas duzentas ações para mim. Não, compre trezentas.
À medida que o mercado continuava vertiginosamente subindo, comecei a ficar cada vez mais nervoso. O bom senso tinha me dito para vender, mas como todos os outros trouxas, eu era ganancioso. Detestaria soltar qualquer ação que com certeza dobraria em poucos meses.
Frequentemente leio histórias nos jornais de hoje sobre o público de teatro se queixando porque têm que pagar cerca de cem dólares por dois ingressos para My Fair Lady. (Pessoalmente, acho que vale). Bem, uma vez eu paguei trinta e oito dólares para ver Eddie Cantor no Palace.
Todos nós sabemos que Eddie é um excelente cômico. Até ele mesmo não reluta em concordar com isso. Ele estava com um espetáculo maravilhoso. Cantava Margie, Now´s the Time to Fall in Love e If You Knew Susie. Fazia o público morrer de rir com as piadas do momento e terminava cantando Whoopee. No vernáculo, ele era um “estouro”. Tinha aquele “algo a mais” magnético que separa um grande astro dos atores comuns.
Cantor era meu vizinho em Great Neck. Como velho amigo, no final do espetáculo fui vê-lo no camarim. Eddie é uma pessoa muito persuasiva, e antes que pudesse lhe dizer o quanto gostara de sua atuação, ele me puxou para dentro do camarim, fechou a porta, olhou em volta para ver se alguém estava escutando, e disse:
- Groucho, eu te amo!
Não havia nada de estranho nessa declaração. É simplesmente como as pessoas do teatro falam umas com as outras. Existe uma lei não escrita no teatro de que quando duas pessoas se encontram (ator e atriz, atriz e atriz, ator e ator ou quaisquer outras variações ou desvios sexuais), devem inflexivelmente evitar as saudações de rotina que as pessoas normais costumam usar. Em vez disso, devem cobrir um ao outro com termos de carinho que, em outros rincões da sociedade, estão reservados para os quartos.
Doçura – Cantor continuou, – o que você achou do meu espetáculo?
Olhei em volta, achando que talvez houvesse uma garota atrás de mim. Infelizmente não havia e compreendi que ele estava falando comigo.
- Eddie querido – respondi com genuíno entusiasmo, – você estava soberbo!
Eu já ia jogar outros buquês quando ele me olhou amigavelmente com aqueles olhos grandes e brilhantes, passou as mãos sobre o meu peito e disse:
- Querido garoto, você possui alguma Goldman-Sachs?
- Benzinho – respondi (dois podem jogar este jogo), – não apenas não possuo como nunca ouvi falar disso. O que é Goldman- Sachs? Algum tipo de farinha?
Ele me agarrou pelas duas lapelas e me puxou contra si. Por um momento, pensei que fosse me dar um beijo.
- Não me diga que você nunca escutou falar de Goldman-Sachs! – Ele disse incredulamente. – É apenas a maior e mais sensacional companhia de investimentos e uma holding de outras empresas gigantes.
Ele então olhou para seu relógio e disse:
- Hummm! Já está tarde demais, hoje. A bolsa já está fechada. Mas, meu bem, quando a manhã começar a clarear, pegue seu chapéu e corra até seu corretor e agarre umas duzentas ações da Goldman-Sachs. Acho que ela fechou hoje a cento e cinqüenta e seis... e a cento e cinqüenta e seis é um roubo!
Eddie então deu um tapinha na minha bochecha, e eu um tapinha na dele, e nos separamos.
Rapaz, como fiquei contente por ter ido cumprimentar Cantor nos bastidores. Imagine se eu tivesse ido no Palace naquele dia, nunca teria tido aquela dica. Na manhã seguinte, antes do café, corri até o escritório de corretagem assim que a bolsa abriu. Cobri vinte e cinco por cento de trinta e oito mil dólares e me tornei o feliz proprietário de duzentas ações da Goldman-Sachs, a maior Holding da América.

Comecei então a passar minhas manhãs sentado num escritório de corretagem, olhando para um grande quadro fervilhando com símbolos que eu não entendia. Se eu não chegasse cedo não conseguia nem entrar. Algumas das casas de corretagem estavam contando com mais público do que muitos teatros da Broadway.
Parecia que todo mundo que eu conhecia estava na bolsa. A maioria das conversas se limitava a comentar sobre quem havia ganho quanto na semana passada, ou sobre alguma ação que iria dar três por um de bonificação. O mecânico, o entregador de gelo, o açougueiro, o padeiro, todos eles na esperança de ficarem ricos, estavam jogando seus minguados salários – e, em muitos casos, as economias de suas vidas – em Wall Street. Ocasionalmente, a bolsa dava uma caída, mas logo se libertava dos especuladores da baixa e do bom senso e prosseguia em sua constante escalada.
De vez em quando algum profeta financeiro fazia uma declaração sombria, avisando ao público que os preços estavam fora de proporção em relação a seu valor, e para lembrar que tudo que subia um dia necessariamente teria que cair. Mas dificilmente alguém dava atenção a esses conservadores idiotas e suas estúpidas palavras de precaução. Até Barney Baruch, o Sócrates do Central Park e consumado bruxo financeiro, fez uma declaração de aviso. Não me lembro exatamente de suas palavras, mas eram mais ou menos assim: “Quando a bolsa se torna manchete de primeira página, é hora de cair fora”.
Eu não estava presente na Corrida do Ouro de 49. Quero dizer, de 1849. Mas imagino que a febre deveria ser bem parecida com a que agora infestava o país inteiro. O presidente Hoover estava pescando, e o resto do governo federal parecia totalmente alheio ao que estava acontecendo. Não tenho certeza se alguma coisa poderia ser feita se eles tivessem se intrometido, mas de qualquer maneira a bolsa saltava alegremente em direção à perdição.
Num determinado dia, a Bolsa começou a balançar. Alguns clientes mais nervosos ficaram agitados e começaram a descarregar. Isso aconteceu quase trinta anos atrás e não consigo me lembrar dos vários estágios da catástrofe que estava desabando sobre nós, mas da mesma maneira como todo mundo só queria comprar no começo da subida, todo mundo agora estava vendendo enquanto o pânico se generalizava. No começo a venda foi ordenada, mas logo o medo enxotou o discernimento e todo mundo começou a jogar suas ações na arena de touro dos especuladores na alta, que agora havia se transformado na arena de ursos dos especuladores na baixa, querendo salvar qualquer coisa que pudessem.
Então os corretores se contagiaram com o medo e começaram a gritar por margens adicionais. Esta foi uma boa piada dos corretores, pois a maioria dos negociantes já estava sem dinheiro e os corretores começaram a descarregar os títulos por seja lá o que fosse. Eu fui um dos mais tolos. Infelizmente eu ainda tinha dinheiro no banco e para evitar minha liquidação comecei febrilmente a assinar cheques para refazer as margens que rapidamente estavam se dissolvendo. Então, numa terça-feira espetacular, Wall Street jogou a toalha e entrou em colapso. A toalha é uma boa imagem, pois a esta altura o país inteiro estava chorando.

Algumas pessoas que conheci perderam milhões. Eu tive mais sorte. Tudo o que perdi foram duzentos e quarenta mil dólares. (Ou cento e vinte semanas de trabalho a dois mil dólares cada). Eu teria perdido muito mais, mas isto era tudo o que eu tinha. No dia do convulsivo colapso final, meu amigo, algumas vezes conselheiro financeiro e astuto negociador, Max Gordon, me telefonou de Nova Iorque. Em quatro palavras ele fez uma declaração que, com o tempo, acredito que estará entre as mais memoráveis citações da história americana. Estou me referindo àquelas frases imortais, como “Não abandone o navio”, “Não atire antes de ver o branco dos olhos deles”, “Liberdade ou morte!”. Essas frases se perdem em relativa insignificância diante da notável frase de Marx. Nunca tendo sido um tipo de muita conversa, desta vez ele ignorou até o tradicional “alô”. Tudo o que disse foi:
- Marx, a festa acabou!
Antes que eu respondesse, o telefone estava desligado.
Dentre todas as tolices escritas pelos analistas da Bolsa, acho que ninguém resumiu tão bem os destroços de maneira tão sucinta como meu amigo Gordon. Nessas poucas palavras, ele disse tudo. A festa tinha, realmente, acabado. Acredito que a única razão que me fez continuar vivendo foi o conforto de saber que todos os meus amigos estavam no mesmo barco. Até a miséria financeira, como outra qualquer, adora companhia.
Se meu corretor tivesse liquidado minhas ações quando elas começaram a despencar, eu teria salvo uma verdadeira fortuna. Mas já que eu não consegui imaginar que elas iriam continuar descendo. Comecei a pedir dinheiro emprestado dos bancos para cobrir rapidamente as margens que desapareciam. As ações da Anaconda Copper (lembram? Atrasamos o espetáculo trinta minutos para agarrá-las) se derreteram como as neves de Kilimanjaro (não pensem que não li meu Hemingway) e finalmente afundaram em 2 7/8. A dica quente do ascensorista de Boston sobre United Corporation mergulhou para 3 ½. Nós a tínhamos comprado a sessenta. A matinê de Cantor no Palace foi magnífica e valeu tanto quanto qualquer outra apresentação da Broadway. Mas Goldman-Sachs a cento e cinqüenta e seis dólares? Eddie, benzinho, por que você fez isso comigo? No fundo do poço da Bolsa ela podia ser arrematada por um dólar!